Em posição privilegiada, especialistas apostam que o hidrogênio verde poderá ser um divisor de águas para a descarbonização de diversos setores da economia brasileira
Sancionada em agosto deste ano pelo Governo brasileiro, a expectativa é de que a Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono estimule os investimentos e a expansão de tecnologias e novas plantas de geração de hidrogênio verde (H2V) no país. Assim como em todos os cantos do mundo, o Brasil aposta no H2V como uma alternativa acessível para a sua transição energética, gerando opções viáveis para a substituição dos combustíveis fósseis em diversas em segmentos, como a indústria, setor elétrico e, principalmente, no segmento dos transportes. Juntos, esses três representam 73,2% das emissões globais de gases do efeito estufa.
Em posição privilegiada, em 2023, o Brasil atingiu a impressionante marca de 93,1% de energia limpa, ou seja, a matriz elétrica Brasileira é de causar inveja na maioria dos países mundo afora. Com o Marco legal do Hidrogênio Verde, fontes como biomassa, etanol, biogás e biometano, passarão também a fazer parte do grupo de matérias primas para a produção de energia elétrica limpa, elevando ainda mais o percentual renovável da matriz elétrica brasileira.
“O hidrogênio verde, que pode ser armazenado, transportado diretamente, na forma de amônia, ou de outros derivados, será um vetor energético de destaque do Brasil na descarbonização de diversos setores da economia. O Marco Legal do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono aprovado recentemente, trará segurança jurídica para que se concretizem os investimentos já anunciados na produção de hidrogênio verde”, afirma o consultor de Energia da Federação das Indústrias do Estado do Ceará – FIEC, Jurandir Picanço.
Projeções para o hidrogênio verde
De acordo com Plano Decenal de Expansão de Energia 2031, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME), o Brasil tem potencial técnico para produzir 1,8 gigatonelada de hidrogênio por ano, sendo aproximadamente 90% desse volume, a partir do uso de energias renováveis.
Um estudo feito em 2024 pela Bloomberg NEF (BNEF), empresa especializada em levantamentos e estudos estratégicos, apontou que, até 2031, o Brasil terá o hidrogênio verde mais barato do mundo, com o valor de US$1,45 por quilo. A pesquisa constatou que o Brasil possui os métodos mais baratos para a produção de (HV2) em grandes quantidades, o que pode tornar o país uma referência global na energia eólica e eletrólise alcalina.
Para o diretor da Associação Brasileira de Hidrogênio e Amônia Verdes (ABHAV), Paulo Sergio Franco Barbosa, o potencial brasileiro na produção de hidrogênio verde representa uma oportunidade adicional de desenvolvimento econômico e social, a longo prazo. “Temos uma diversidade de fontes renováveis e em quantidades expressivas que ainda podem crescer na próxima década. Adiciona-se também a isso, a existência de um Sistema Interligado Nacional (SIN) que habilita a localização de pólos de produção em muitas localidades, considerando o potencial de consumo próprio industrial ou as oportunidades de exportação”, aposta.
Para o diretor de Estudos Econômico-Energéticos e Ambientais da EPE, Giovani Machado, além de contribuir com o desenvolvimento econômico do país, a expansão da produção de H2V ajudará o Brasil no cumprimento do Acordo de Paris, que define como meta para 2050 a neutralização das emissões de carbono na atmosfera, com o objetivo de limitar o aquecimento do planeta em 1,5º C.
“O principal fator para o alcance das metas da NDC (Contribuições Nacionalmente Determinadas) no Acordo de Paris, está relacionado à redução das emissões em uso do solo e florestas e da agropecuária, em particular à eliminação do desmatamento ilegal e à adoção da agropecuária de baixo carbono. O hidrogênio de baixa emissão, inclusive o renovável por eletrólise, pode contribuir para a redução das emissões em setores de difícil abatimento de emissões associados à energia e para a redução das emissões da agricultura relacionadas ao uso de fertilizantes”, destaca Machado.
Hidrogênio verde, cinza e azul
O hidrogênio verde é produzido por processos sem emissão de CO2 (dióxido de carbono) ou gases efeito estufa. Um dos principais insumos na produção do H2V é a energia elétrica, que por meio da eletrólise, separa a água e o hidrogênio. Quando a produção de energia elétrica é feita por fontes renováveis, por exemplo, eólica, solar, biomassa, hidrelétrica, então o hidrogênio é denominado de verde.
Além do verde, existem outras tecnologias que produzem hidrogênio, com diferentes impactos ambientais. O hidrogênio cinza, por exemplo, é o mais comum devido ao seu baixo custo, sendo obtido a partir de combustíveis fósseis, como o gás natural ou metano.
O hidrogênio azul, por sua vez, também é produzido a partir de combustíveis fósseis, principalmente o gás natural. No entanto, a grande diferença para o hidrogênio cinza está na captura e armazenamento de dióxido de carbono liberado durante o processo, reduzindo assim a emissão de gases de efeito estufa, tendo assim, um menor impacto para o meio ambiente.
Tipo | Produção | Impacto Ambiental | Utilização |
Cinza | Combustíveis fósseis | Alto | Indústria |
Azul | Combustíveis fósseis com captura de carbono | Moderado | Indústria, transporte |
Verde | Eletrólise com energia renovável | Baixo | Diversas aplicações |
Transição energética
O Brasil, apesar de possuir uma matriz elétrica altamente renovável, ainda tem um longo caminho para redução das emissões de gases de efeito estufa na sua matriz energética, em especial em função do setor de transportes, alimentado majoritariamente por combustíveis de origem fóssil. Em sua última amostragem, o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG) revelou que entre 2022 a 2021, as emissões de gases de efeito estufa do setor de energia caíram 5% no Brasil. Em compensação, o segmento de transportes foi na contramão, com um aumento de 6% no volume de CO2.
“O transporte pesado, com sua frota predominantemente diesel, e o transporte individual, altamente dependente da gasolina, são os principais responsáveis pelas emissões do setor de transportes no Brasil. A fim de alcançar as metas climáticas, o país precisa acelerar a transição para veículos elétricos, seguindo o exemplo de outras nações que já estabeleceram metas para banir a produção de veículos a combustão, a partir de 2035”, defende Alexandre Ramos, líder em mudanças climáticas da WWF-Brasil.
Atualmente, um dos maiores desafios do Brasil é reduzir a emissão de dióxido de carbono na atmosfera oriundo do desmatamento, causado, principalmente, pelo avanço do agronegócio. Segundo levantamento do MapBiomas Brasil, a agropecuária é responsável por 95,7% da devastação em 2022, o equivalente a 1,96 milhão de hectares. “A agenda climática brasileira tem como um de seus pilares a eliminação do desmatamento, até 2030. Essa é uma promessa firme, repetida em diversos discursos de nossas lideranças políticas. Além disso, o país reconhece a necessidade de se adaptar às mudanças climáticas já em curso e às que ainda estão por vir”, conclui Ramos.
A rota de produção ainda é um desafio para o hidrogênio verde
Apesar das estimativas de que o hidrogênio verde no Brasil será o mais barato do mundo, até 2031, ainda existe um longo caminho a ser percorrido para o barateamento desses processos. É o que explica o diretor da EPE, Giovanni Machado. “As rotas tecnológicas para a obtenção de hidrogênio de baixa emissão, incluindo o método via eletrólise da água, ainda são caras, por não terem atingido a maturidade tecnológica, ainda que sejam tecnologias conhecidas há bastante tempo.
“Assim como ocorreu com a energia elétrica a partir de biomassa, eólica, solar, o hidrogênio de baixo carbono, e em especial, o Hidrogênio verde, vai buscando alternativas de superação dos desafios atuais de armazenamento e transporte, para chegar então ao estágio de competitividade tecnológica e econômica, podendo substituir uma boa parcela dos energéticos a base de combustíveis fósseis”, afirma Paulo Sérgio Franco Barbosa, diretor da ABHAV.
Embora esteja em etapa inicial, uma das maiores preocupações no armazenamento do hidrogênio verde está relacionada ao transporte, devido à sua inflamabilidade e volatilidade. No entanto, a indústria tem explorado maneiras seguras de contornar esses desafios. “A liquefação é uma forma, bem como a produção de amônia que facilita o armazenamento e o transporte. Nas tubulações de gás natural tem havido pesquisas e aplicações reais sendo testadas em que se pode transmitir o hidrogênio diluído (entre 10% a 20% de H2 diluído no gás natural) por distâncias acima de mil km. A transmissão desse mix de energéticos nessas tubulações é dez vezes maior do que o de uma linha elétrica e a custo competitivo”, conclui Barbosa.
Projeto piloto
Uma parceria entre a Celesc (Centrais Elétricas de Santa Catarina) e o Parque Ecológico de Itaipu possibilitará a produção, armazenamento e geração de energia elétrica por hidrogênio. O projeto, que conta com um investimento total de R$ 9,25 milhões, integra o Programa de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) da ANEEL.
“Este projeto inova e pretende otimizar a forma de gestão energética da microrrede, a qual integra uma planta fotovoltaica, sistema de armazenamento de energia por baterias, além da produção, armazenamento e geração de energia elétrica por hidrogênio. Assim, este sistema poderá ser replicado para a gestão energética nacional, oferecendo um novo meio de geração de energia limpa e renovável”, explica o gerente do departamento de operação e manutenção da Celesc e responsável do projeto, Igor Kursancew Khairalla.
A iniciativa será implantada na área rural do município de Faxinal dos Guedes. O município foi selecionado por sua alta incidência de luz solar, fator essencial para a geração de energia fotovoltaica, que será responsável pela produção de hidrogênio verde. A microrrede fornecerá energia elétrica para o serviço auxiliar da Usina Celso Ramos, garantindo a alimentação de cargas essenciais à planta geradora.
Atualmente, o projeto está 40% concluído