Inspeção de postes de madeira

Desenvolvimento de equipamento de ultrassom para inspeção em redes aéreas de distribuição

As distribuidoras do Grupo CPFL Energia possuem, atualmente, cerca de 1,3 milhões de postes de madeira. Apesar da crescente substituição dos postes de madeira por concreto, a grande demanda das equipes de campo e a localização dos postes de madeira em regiões rurais e de difícil acesso, em sua grande maioria, demonstram que a substituição completa não ocorrerá no curto prazo.

Considerando a estimativa de vida útil do poste, é necessária a priorização das substituições dos casos críticos, de modo que a segurança da rede, dos operadores e da população seja prioritária.

O método de inspeção convencional, usado na maioria dos casos, é o “Método do Martelo”, em que o técnico de inspeção se utiliza de sua percepção auditiva para a detecção de ocos, podridão ou rachaduras internas, as quais produzem uma característica sonora específica ao impacto da batida do martelo no poste. Aliada à percepção auditiva, uma inspeção visual de todo o poste complementa o diagnóstico.

Apesar de amplamente utilizado, esse método traz subjetividade e imprecisão ao processo de inspeção, uma vez que é dependente da análise humana, que pode ser distinta entre diferentes técnicos, principalmente por conta do tempo de experiência na função.

Dessa forma, para que não ocorra a troca de postes de madeira ainda em bom estado, resultando em custos de manutenção desnecessários, bem como a permanência de postes em serviço que comprometam a segurança, é necessário um método de inspeção mais adequado e eficiente para maior precisão na tomada de decisão pela retirada ou permanência de postes de madeira da rede.

Por meio de projetos oriundos do Programa de Pesquisa e Desenvolvimento da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), propostos pelas distribuidoras CPFL Paulista e CPFL Piratininga e em parceria com a Faculdade de Engenharia Agrícola da Unicamp, Molise Engenharia e a Agricef Soluções Tecnológicas para Engenharia, estudou-se a utilização de ondas ultrassônicas para a classificação e inspeção de postes de madeira, propondo o desenvolvimento de um equipamento para a utilização pelas equipes de campo.

Desenvolvimento

Estudo da velocidade de propagação de ondas de ultrassom em postes de eucalipto

Para o desenvolvimento do equipamento, foi observado e estudado o comportamento da propagação de ondas de ultrassom em postes de eucalipto, de maneira a se obter uma correlação entre a qualidade do material e a velocidade de propagação da onda de ultrassom.

Para a realização das medições, foi utilizado o equipamento EPOCH 4, um detector ultrassônico de defeitos, conforme visto na Figura 1.

Figura1 - Aula prática

No estudo do comportamento das ondas de ultrassom para a inspeção de postes de madeira em serviço, ou seja, instalados na rede, foram realizadas medições no sentido radial do poste, conforme visto na Figura 2.

Figura2 - Aula prática

As medições radiais foram realizadas a cada 0,2m, desde o ponto de engastamento (região de afloramento do poste no solo) até 1,4m de altura. Para o estudo, foi utilizada uma amostra de 29 postes de diferentes fabricantes.

Após as medições com ultrassom, os postes foram encaminhados para laboratório para a realização dos ensaios de flexão estática, os quais simulam os esforços mecânicos sofridos pelo poste em campo (condição engastado-livre). Um exemplo da configuração do ensaio mecânico pode ser visto na Figura 3.

Figura3-Aula prática

Através dos resultados dos ensaios de flexão (tração mecânica), além de conceitos teóricos já comprovados, determinaram-se o Módulo de Elasticidade (MOE) e o Módulo de Ruptura (MOR) do poste.

A próxima etapa do estudo foi construir o modelo de correlação entre o Módulo de Ruptura do poste e a velocidade de propagação das ondas obtidas com o ultrassom. Através dos resultados obtidos nesse trabalho, em referências de outros autores e padrões técnicos da CPFL, foram especificadas as faixas de classificação do poste, determinando-se as Faixas de Resistência (MOR) em que um poste deve ser mantido ou retirado da rede.

O uso da medição radial com ondas de ultrassom mostrou-se efetiva na inspeção de poste de madeira em serviço, capaz de detectar situações nas quais ocorre a perda da resistência residual pela presença de podridão e ocos relacionados ao ataque de microrganismos na madeira, principalmente na região próxima ao engastamento.

Desenvolvimento de equipamento de inspeção por ultrassom para uso em campo

Após o estudo e desenvolvimento das “faixas” de classificação obtidas pela correlação da velocidade de propagação das ondas de ultrassom e o módulo de ruptura do poste, iniciou-se o trabalho para o desenvolvimento de um equipamento protótipo que permitisse a utilização do ultrassom em campo, com as faixas de classificação obtidas embarcadas.

Esse equipamento foi idealizado para ser construído através das seguintes partes:

  • Fonte de alimentação do equipamento especificamente projetada para suportar os circuitos de excitação dos transdutores de ultrassom;
  • Circuito de recepção do sinal composto por amplificadores e filtros;
  • Conversores de sinais Analógico (A) e Digital (D) – A/D e D/A;
  • Interface do usuário, através de teclado e display eletrônicos;
  • Sistema microcontrolado, com software embarcado, para tratamento do sinal e controle da interface com o usuário.

Para se chegar a um equipamento capaz de ser utilizado pelas equipes de campo, algumas versões protótipas foram desenvolvidas, conforme ilustrado na Figura 4.

Figura4-Aula Prática

Validação das faixas de inspeção de postes de madeira em campo

Finalizada a etapa de desenvolvimento do protótipo, a próxima fase foi a validação das faixas de classificação de postes de madeira, obtidas anteriormente em laboratório e, agora, embarcadas no dispositivo eletrônico para uso em campo.

Dessa forma, para a realização dessa etapa, foram inspecionados 111 postes de madeira instalados em campo, em diferentes regiões e estados de conservação. A inspeção em diferentes regiões foi importante para que a análise pudesse abranger diferentes fatores externos, por exemplo, alta umidade relativa do ar, salinidade, alto índice de poluição, incidência elevada de chuvas, entre outros aspectos.

Em todos os postes inspecionados, foram utilizados ambos os métodos: martelo e ultrassom. A Tabela I mostra as cidades e respectiva quantidade de postes inspecionados.

TabelaI-Aula Prática

Após a realização das inspeções em campo, dos 111 postes analisados, uma amostra foi selecionada para a realização de ensaios de flexão em laboratório. A composição dessa amostra foi feita com base nos postes em que os métodos de inspeção apresentaram resultados divergentes: condenados pelo teste do martelo, porém, bons pela análise com ultrassom, e vice-versa.

 Assim, 39 postes foram levados para o teste de flexão estática (engastado-livre), em que foi possível a determinação do Módulo de Ruptura (MOR) do poste. A Tabela II apresenta os resultados para a amostra de 39 postes.

Tabela2-Aula Pratica

O valor crítico de MOR, considerado para a retirada do poste da rede, foi de 25 MPa.

Analisando-se a porcentagem de acertos dos métodos de inspeção, foi constatado que o teste do martelo diagnosticou a retirada de 32 postes da rede, quando na verdade, através da análise de laboratório, apenas 13 postes deveriam ser retirados. Já no caso do ultrassom, o número de retiradas foi de 15 postes, apenas dois a mais que o esperado. Se observarmos o número total de acertos de cada método (considerando apenas a necessidade de substituição ou não), o martelo teve uma assertividade de 41%, enquanto o do ultrassom foi de 95%.

Se observarmos na Tabela II os casos em que o MOR ficou abaixo de 25 MPa (limite para retirada do poste da rede), nota-se que, em um dos casos (poste 36), o diagnóstico do martelo acusou o poste como “Bom”, porém, o mesmo apresentou MOR de 16 MPa. Nos casos em que o poste deveria ser retirado da rede, o método do ultrassom foi sempre assertivo.

Melhorias do equipamento para uso em campo

Apesar dos bons resultados apresentados na validação feita com o equipamento, algumas melhorias foram necessárias para que se pudesse utilizá-lo em campo, no que se refere ao manuseio e durabilidade.

O princípio de funcionamento do equipamento baseia-se na velocidade de propagação das ondas de ultrassom, que são mensuradas através de dois elementos transdutores: um de transmissão e outro de recepção do sinal. Para que as leituras tenham valores precisos, é necessário que esse par de transdutores esteja posicionado de maneira alinhada, conforme ilustra a Figura 5. No protótipo testado em campo, esse alinhamento é feito “a olho” pelo técnico de inspeção.

Outra grandeza necessária para o equipamento realizar a análise é o valor do diâmetro do poste, um input manual realizado pelo técnico de inspeção através do teclado do equipamento, após o cálculo do diâmetro do poste por meio da medição da circunferência com uma fita métrica.

Outras melhorias, relacionadas às características mecânicas e elétricas do equipamento, ainda eram necessárias. Por ser utilizado em campo, apoiado sobre solo e com grande risco de sofrer quedas, a proteção da parte eletrônica e dos transdutores de ultrassom, sendo esses dispositivos muito sensíveis, precisava ser melhorada. Ainda, a autonomia da bateria precisava ser desenvolvida para suportar, no mínimo, um dia inteiro de inspeção.

Para a solução das melhorias necessárias, foi pensado o desenvolvimento de uma “estrutura” mecânica capaz de prover toda a proteção mecânica necessária às partes sensíveis. Essa mesma estrutura abrange um par de “garras” que promove a fixação dos transdutores à superfície do poste de maneira alinhada e, ao mesmo tempo, conta com sensor elétrico para a determinação do diâmetro. A Figura 6 mostra o novo protótipo em operação.

Figura6- Aula Prática

Além disso, os circuitos eletrônicos do equipamento foram reprojetados e a alimentação do equipamento passou a ser fornecida por um conjunto de quatro pilhas alcalinas de 1,5 VDC.

Essas pilhas foram capazes de suportar o uso durante 12h ininterruptas, condição superior à utilização real em campo, o que permite ao equipamento o uso por mais de um dia completo de inspeção.

Método de inspeção

Com a definição do protótipo, foi estabelecido um método de inspeção, que tem por objetivo avaliar a região crítica do poste (região próxima ao afloramento). As medições devem ser realizadas em três alturas a partir da base do poste (o mais próximo possível do solo): 0m, 0,2m e 0,4m. Para cada altura, devem ser realizadas duas medições, em direções perpendiculares. A Figura 7 ilustra os pontos de medição.

Figura7-Aula-Prática

O equipamento possui as seguintes classificações, apresentadas em seu display eletrônico: Ótimo, Bom, Atenção e Retirar. A regra para a tomada de decisão pela substituição do poste é a ocorrência de duas leituras com o resultado “Retirar” em uma mesma altura, ou da ocorrência de três leituras com o resultado “Retirar”, em qualquer situação.

 

Conclusões

De acordo com os dados obtidos pelos testes de campo, observou-se a eficácia do uso de ondas de ultrassom para inspeção de postes de madeira, através do estudo de correlação promovido em laboratório.

Através da comparação dos métodos (martelo e ultrassom) com a análise real do poste (obtida em laboratório), notou-se que há a tendência da tomada de decisão, pelo teste do martelo, da retirada de grande quantidade de postes ainda em bom estado e que poderiam permanecer por mais tempo na rede. Porém, mesmo com a tendência da realização da substituição, notou-se que, com o método convencional de inspeção, podem haver situações pela permanência de postes comprometidos.

Com a utilização do ultrassom, o percentual de assertividade é muito maior, evitando a substituição desnecessária de postes e, sobretudo, em nenhum caso um poste com resistência mecânica comprometida foi mantido na rede. Contudo, ressalta-se que o método do ultrassom não dispensa a análise visual do poste como um todo, visto que, em determinados casos, podem haver rachaduras ou podridão evidentes no topo do poste, devido à ação mecânica ou intempéries.

Tais dados mostram que a utilização do ultrassom pode trazer benefícios relacionados à melhor utilização de recursos de manutenção, ou até mesmo levar à postergação de investimentos, porém, principalmente, poderá trazer melhorias à segurança da rede.


Referências bibliográficas

[1] ABNT Postes de Madeira – Resistência à Flexão. NBR 6231/1980.

[2] ABNT Forças de Vento. NBR 6123/1998.

[3] ABNT Cálculo e Execução de Estruturas de Madeira. NBR 7190/1997.

[4] Benoit, Yann. “Vieillissement et fiabilité des parcs de poteaux bois des réseaux de lignes aériennes: l’intérêt du contrôle non destructif.”. Tese de Doutorado, École Polytechnique Fédérale de Lausanne, 2004.

[5] Union des Centrales Suisses d’életricité (UCS). “Statistiques des poteaux bois”. Relatório Técnico, 1994.

 

  • Por Suzie Herrera, Domingos Cerri, Guilherme Gray, Felipe Silva e Rafael Favalli

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