Inspeção em linhas de transmissão

Por: Luis Felipe Guajardo Semensato

A inspeção de linhas de transmissão exige a definição de critérios técnicos para avaliar suas condições e garantir a confiabilidade do sistema elétrico. A experiência demonstra que a simples aplicação de instruções técnicas não é suficiente para a gestão adequada desses ativos.

Com base em praticamente 18 anos de análise de diversas linhas de transmissão de 69 kV a 500 kV, em variadas configurações, foi possível estabelecer padrões de defeitos e métricas para determinar o momento mais adequado para se realizar as manutenções corretivas. No entanto, para garantir a qualidade das informações levantadas em campo, é fundamental contar com equipes altamente treinadas e capacitadas.

A manutenção da confiabilidade do sistema elétrico depende diretamente da qualidade das inspeções, que serve como uma das principais bases para a tomada de decisões estratégicas. Abaixo listei quatro componentes principais a serem considerados para realização das inspeções.

  1. CLASSIFICAÇÃO DE DEFEITOS E DADOS DE ENTRADA

Uma boa forma para se classificar os tipos de defeitos é tomar como base a tabela do Electric Power Research Institute (EPRI) que propõe a classificação dos defeitos e suas causas prováveis, conforme os modos de degradação indicados:

  • B Biológico
  • E Elétrico
  • M Mecânico
  • Q Químico
  • T Térmico

Os critérios devem ser revisados periodicamente, considerando fatores como: desempenho, características geográficas, mudanças climáticas, evolução tecnológica e importância do ativo no SIN. O Quadro 1 mostra as categorias, as causas e modos de falha de componentes de linhas de transmissão.

Quadro 1: Defeitos, categorias e causas / Fonte: EPRI, 2005

Mesmo considerando esta estrutura apresentada pelo EPRI, é importante que as pessoas envolvidas no processo de inspeção e gestão de ativos conheçam as instalações de forma que as instruções de inspeção sejam estruturadas e personalizadas de acordo com as características físicas, condições climáticas, históricos de ocorrência e meio social, devendo a relação e a caracterização dos principais defeitos e interferências fazer parte das rotinas de trabalho e instruções técnicas.

O Quadro 2 apresenta esquematicamente os processos de entrada e tratamento das informações integrado a um sistema de gestão de ativos.

Quadro 2: Processos e entrada de informações

Atualmente, existe um movimento crescente para desenvolvimento de soluções tecnológicas inovadoras. A Internet das Coisas (IoT) e a Inteligência Artificial (IA) surgem nesse cenário, possibilitando a melhoria nos processos de inspeção e monitoramento de LT. Sensores IoT podem ser estrategicamente instalados nos componentes, coletando dados em tempo real de parâmetros como temperatura, vibração, corrente de fuga e intensidade de atividades elétricas. Os dados podem ser processados por algoritmos de IA, capazes de identificar padrões, detectar anomalias e ajudar a estabelecer diagnósticos, mesmo em condições complexas e em locais de difícil acesso. Além deste avanço, diversas tecnologias e ferramentas de inspeção podem ser embarcadas em drones ou helicópteros, proporcionando monitoramentos específicos e ágeis. 

A figura 1 apresenta uma ilustração do projeto para monitoramento de torres estaiadas utilizando sensores IoT.

Figura 1: Projeto PD – Monitoramento de estaiadas / Fonte: Taesa
  1. TREINAMENTOS

Para garantir a qualidade das inspeções, as transmissoras devem oferecer treinamentos específicos e reciclagens que capacitem os profissionais a:

  • Identificar e classificar defeitos
  • Utilizar instrumentos de inspeção
  • Analisar dados e imagens
  • Aplicar técnicas de geoprocessamento para mapeamento e monitoramento
  1. SISTEMA DE GESTÃO DE ATIVOS

A gestão da manutenção por parte das transmissoras deve priorizar a adoção de técnicas modernas e boas práticas de engenharia para garantir a conservação das instalações. Um sistema de gestão eficaz deve incluir:

  • Planejamento da manutenção, com base em prioridades e riscos
  • Plataforma georreferenciada contendo localização precisa dos ativos
  • Mapas contendo informações sobre vegetação, clima e riscos
  • Histórico de falhas para identificar padrões e tendências
  • Indicadores de desempenho para monitorar a eficácia das ações
  • Estratégias visando aumentar a confiabilidade dos ativos e otimizar os tempos de manutenção
  1. LOGÍSTICA

Grande parte dos ativos está localizada em regiões de difícil acesso, distantes dos centros urbanos e rodovias pavimentadas. 

A criação de um sistema georreferenciado dos ativos possibilita traçar rotas inteligentes otimizando custos relacionados aos deslocamentos, consumo de combustível, depreciação, reparo dos veículos e menor risco de incidentes com os motoristas. 

  1. INSPEÇÃO E INSTRUMENTOS
    1. FOTOGRAFIA

São empregadas câmeras combinadas com lentes de longo alcance. Enfatiza-se a importância de treinamento nas técnicas de fotografia que também são aplicadas nas imagens feitas com drones.

Vantagens da obtenção de imagens de qualidade:

  • Evidenciar defeitos em pontos de difícil visualização
  • Redução de escaladas em torres
  • Utilização das imagens em análises e treinamentos
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Figura 2 Inspeção com fotografia / Fonte: Autor
  1. BINÓCULO

O binóculo oferece uma aproximação ótica que permite uma visualização detalhada dos componentes dos ativos. A imagem fornecida pelo equipamento deve ser estabilizada, de alta resolução e sem distorções.

Figura 3: Inspeção com binóculo / Fonte: Autor
  1. DRONE

A inspeção com drones tem se mostrado cada vez mais eficiente. A tecnologia exige treinamentos para operação, regulamentações e análise de imagens. É possível verificar uma redução significativa da necessidade de inspeções com escaladas.

Barco em um corpo de água

Descrição gerada automaticamente com confiança média
Figura 4: Inspeção de esfera de sinalização com drone / Fonte: Taesa
  1. HIPSÔMETRO

O hipsômetro realiza medições de distâncias de obstáculos que possam influenciar a LT, tais como delimitação da faixa de servidão, travessias, tubulações, altura da vegetação, altura do cabo-solo e raio de queda de árvores.

Figura 5: Hipsômetro
Fonte: www.hipsometro.com.br/copia-tp-360r-ltb
Figura 6: Funções e aplicações do hipsômetro /
Fonte: www.hipsometro.com.br/copia-tp-360r-ltb
  1. MEDIDOR DE EFEITO CORONA (ULTRAVIOLETA)

A medição de efeito corona indica atividade elétrica anormal. Devem ser consideradas na análise as possíveis fontes do efeito corona, tais como pontos irregulares nas ferragens, poluição ou partículas atmosféricas e ineficiência de anéis anti-corona. A criticidade deve ser definida em conjunto com inspeção visual e, ocasionalmente, termografia.

Figura 7: Medição de efeito corona em isoladores / Fonte: Taesa
  1. TERMOGRAFIA

A termografia identifica defeitos em seus estágios iniciais através da análise de variações de temperatura. É possível diagnosticar defeitos em conexões, degradação devido à atividade elétrica, erro de projeto ou instalação inadequada.

Interface gráfica do usuário, Aplicativo

Descrição gerada automaticamente
Figura 8 Câmera termográfica / Fonte: Taesa
  1. MEDIÇÃO DE TENSÃO DE ESTAIS

A tração dos estais é medida através do tensiômetro. O resultado das leituras deve ser comparado com o padrão de projeto e tolerâncias.

Figura 9: Tensiômetros / Fontes: Autor e www.engepros.com/produtos/tensiometro-para-cabos-de-estai/11
  1. MEDIÇÃO DE RESISTÊNCIA DE ATERRAMENTO

O elevado valor de resistência pode contribuir para o desligamento de linhas por descargas atmosféricas. A inspeção dos sistemas de aterramento das estruturas verifica se os valores de resistência estão dentro dos padrões de projeto.

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Figura 10: Medição de resistência de aterramento / Fonte: TAESA

Para a identificação da existência, comprimento e profundidade dos cabos de aterramento, é utilizado o detector de metais.

FISHER TW-82 Digital Line Tracer
Figura 11: Detector de cabo enterrado / Fonte: www.fisherlab.com/industrial/manuals/TW82-SS-07.09.14.pdf
  1. POSITRON

O equipamento mede a distribuição do campo elétrico na cadeia de isolador, permitindo a identificação de defeitos através da análise de gráficos traçados por software. Deformações nas linhas de campo indicam o ponto de possível defeito. Existem modelos para isoladores convencionais e poliméricos.

Testing Composite Insulators in the dessert
http://www.positronpower.com/images/PID/PID-home-diagram.png
Figura 12: Utilização do Positron / Fonte: www.positronpower.com/Positron_Isulator_Testers/testers.php
  1. PACÔMETRO

O pacômetro permite localizar armaduras das fundações em concreto armado de forma não destrutiva. É utilizado para avaliação de conformidade e análise de patologias nas fundações.Também, é aplicado nos ensaios de ultrassom, na extração de corpos de prova de concreto.

Homem tirando foto de si mesmo em frente ao espelho

Descrição gerada automaticamente com confiança baixa
Figura 13: Pacômetro / Fonte: www.lojaboschferramentas.com.br/detector-e-scanner-de-materiais-ate-200-milimetros-d-tect-200-c/p
  1. VIBRÓGRAFO

Vibrações eólicas excessivas podem causar fadiga de cabos ou danificar componentes como amortecedores e espaçadores. O vibrógrafo mede o nível de vibração e softwares analisam os dados para avaliar a integridade dos cabos.

Figura 14 Vibrógrafo / Fonte: www.pfisterer.com
  1. CONCLUSÃO

A inspeção em linhas de transmissão, quando realizada de forma eficiente e com o emprego de tecnologias adequadas, representa diretamente a otimização da gestão de ativos e contribui significativamente para a melhoria da confiabilidade do sistema elétrico de potência.

A qualidade das informações obtidas nas inspeções, em conjunto com a análise criteriosa, permite um planejamento assertivo das atividades de manutenção, reduzindo o risco de falhas inesperadas ou execução precoce de manutenções corretivas. Nesse sentido, a capacitação dos profissionais envolvidos em atividades de inspeção, por meio de treinamentos específicos, é fundamental para garantir a qualidade dos dados coletados e a correta classificação dos resultados.

A utilização de ferramentas tecnológicas, como drones, câmera ultravioleta, termografia, proporcionam maior confiança na forma como as inspeções são realizadas e maior precisão e agilidade na identificação de anomalias.  A integração desses dados com sistemas de gestão de ativos permite a criação de modelos preditivos capazes de antecipar falhas e otimizar as atividades de manutenção.

Pelo exposto, conclui-se que a inspeção em linhas de transmissão é uma atividade estratégica para as empresas de transmissão, pois contribui para  garantir a confiabilidade dos ativos e do sistema elétrico, a alocação adequada de recursos operacionais e o cumprimento das obrigações dos requisitos normativos. 

EPRI – Electric Power Research Institute. AC Transmission Line Reference Book – 200 kV and Above. Third Edition. Palo Alto: EPRI, 2005.

SEMENSATO, Luis Felipe Guajardo. Panorama e diretrizes das principais técnicas de inspeção terrestre em linhas de transmissão de energia elétrica da rede básica. Monografia (MBA em Engenharia de Manutenção) – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2015.

SEMENSATO, L. G.; AUGUSTO, F.C.; ALARCON, A. R.; OLIVEIRA, J.A. Requisitos e Técnicas Essenciais de Inspeção Aplicadas em Linhas Aéreas de Transmissão de Energia Elétrica de 230 kV e 500 kV. Encontro Regional Ibero-Americano do CIGRE. XIX ERIAC, 2023.

Sobre o Autor:

*Luis Felipe Guajardo Semensato é engenheiro eletricista pela UFF e possui MBA em Engenharia de Manutenção pela UFRJ. Atua no setor de transmissão de energia elétrica desde 2006 e atualmente é engenheiro Especialista de Linhas de Transmissão na TAESA e integrante do grupo técnico de linhas de transmissão (GTLT) da ABRATE.

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