Os conversores de potência modernos, amplamente utilizados nos mais diversos níveis dos sistemas elétricos de potência, diferem bastante daqueles emergentes da década de 1980. Com o avanço da tecnologia dos semicondutores, eles se tornaram mais sofisticados e complexos. As topologias atuais são comumente equipadas com um sistema de controle em escalas de tempo múltiplas para regular a tensão no elo de corrente contínua, bem como controlar as correntes e as potências despachadas e/ou absorvidas da rede de conexão [1]. A ampla margem de controle dinâmico desses dispositivos pode resultar em acoplamentos cruzados, tanto com a dinâmica eletromecânica das máquinas elétricas rotativas, quanto com os eventos transitórios eletromagnéticos das redes elétricas, o que pode, por sua vez, vir a causar oscilações em uma ampla faixa de frequências [2].
Na atualidade, um salto relativamente alto na utilização destes conversores tem sido verificado, devido, sobremaneira, ao exponencial aumento de inserção de geração de fontes eólicas e solares. Neste contexto, e tendo em vista a problemática ora relatada, percebe-se um crescente interesse na identificação de causas de harmônicos não-característicos, supra-harmônicos e ressonâncias em sistemas elétricos de potência. Tais investigações encontram-se no âmbito de pesquisas relacionadas com as chamadas instabilidades harmônicas ou instabilidades ressonantes, as quais são o foco principal deste artigo.
O assunto da instabilidade harmônica surgiu por volta de 1960 com o comissionamento do primeiro elo de transmissão em corrente contínua, o qual conectaria a Suécia à ilha de Gotland para exploração mineral [3]. Este sistema foi projetado utilizando a estratégia LCC – Line-Commutated Converters, ou seja, comutação natural dos conversores. Como o sistema conectava uma rede de baixo nível de curto-circuito, os ângulos de disparo dos tiristores possuíam determinada assimetria, gerando distorções harmônicas tidas como não-características, o que provocou uma malha de realimentação positiva com a corrente da rede, levando o sistema à chamada instabilidade harmônica [4].
Na atualidade, os conversores autocomutáveis do tipo fonte de tensão (VSC – Voltage Source Converter) são os mais empregados no mercado. Nestes sistemas, a instabilidade harmônica surge devido à dinâmica operativa do controle multiple time scale dos VSCs. A ressonância harmônica pode desestabilizar os conversores conectados à rede devido à não-passividade destes, segundo o critério da passividade destacado em [5].
Já são diversas as evidências de ocorrência desse tipo de fenômeno no Brasil e no mundo. Dentre as instalações elétricas em que este fenômeno pode ocorrer, um destaque especial pode ser dado para os seguintes sistemas: parques eólicos onshore e offshore, usinas fotovoltaicas, trens de alta velocidade, microrredes isoladas e de aeronaves. Tem-se, na sequência, alguns exemplos gráficos resultantes da observação deste fenômeno.
Os maiores desafios, no que tange à temática, estão relacionados à realização de medições específicas, identificação das causas, modelagem do problema e análise do fenômeno. Neste ínterim, as brochuras técnicas IEC 61000-4-30 e IEC 61000-4-7 trazem estratégias de medição de harmônicos e inter-harmônicos, além de fornecer um guia de instrumentação. A análise do distúrbio também deve contemplar uma averiguação dos controladores dos inversores, objetivando-se, assim, checar as bandas de ajuste de modo a mitigar possíveis instabilidades. Um elevado grau de instabilidade pode causar reset de conversores e, até mesmo, queima de equipamentos de operação e controle.
Diante deste fenômeno em específico e tendo em vista o crescimento da inserção de conversores nos sistemas elétricos de potência, fica evidente a necessidade de se aumentar as investigações relacionadas ao fenômeno da instabilidade harmônica, tanto no âmbito dos fabricantes e da comunidade científica, quanto no âmbito de agentes do setor elétrico.
Referências:
[1] X. Wang, Y. W. Li, F. Blaabjerg, and P. C. Loh, “Virtual-Impedance-Based Control for Voltage-Source and Current-Source Converters,” IEEE Trans. Power Electron., vol. 30, no. 12, pp. 7019–7037, 2015, doi: 10.1109/TPEL.2014.2382565.
[2] X. Wang and F. Blaabjerg, “Harmonic Stability in Power Electronic-Based Power Systems: Concept, Modeling, and Analysis,” IEEE Trans. Smart Grid, vol. 10, no. 3, pp. 2858–2870, 2019, doi: 10.1109/TSG.2018.2812712.
[3] X. Lin et al., “Impact of Characteristic Harmonics on the Small-Signal Stability of LCC-HVDC Station,” in 2020 4th International Conference on HVDC (HVDC), 2020, pp. 705–711, doi: 10.1109/HVDC50696.2020.9292813.
[4] W. Cao, D. Fan, K. Liu, J. Zhao, L. Ruan, and X. Wu, “Harmonic Stability Assessment based on Global Admittance for Multi-Paralleled Grid-Connected VSIs using Modified Nyquist Criterion,” 2018 Int. Power Electron. Conf. IPEC-Niigata – ECCE Asia 2018, pp. 3015–3019, 2018, doi: 10.23919/IPEC.2018.8507463.
[5] L. Harnefors, L. Zhang, and M. Bongiorno, “Frequency-domain passivity-based current controller design,” IET Power Electronics, vol. 9, no. 3, p. 1254-1261, 2014.
[6] Positive-Net-Damping Stability Criterion in Grid-Connected VSC Systems, L. Sainz et. Al, 2020.
*Giordanni da Silva Troncha é engenheiro analista de regulação técnica e comercial na CEEE-D | Equatorial Energia (RS) e doutorando pelo Núcleo de Qualidade da Energia Elétrica (NQEE) – www.nqee.com.br
Ivan Nunes Santos é professor-pesquisador na Faculdade de Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Uberlândia (FEELT/UFU) e coordenador do Núcleo de Qualidade da Energia Elétrica (NQEE) – www.nqee.com.br
Arthur F. Bonelli é diretor administrativo da Sociedade Brasileira de Qualidade da Energia Elétrica (SBQEE) e engenheiro eletricista em Furnas Centrais Elétricas – Eletrobras.
Autores:
Por Giordanni da Silva Troncha, engenheiro analista de regulação técnica e comercial na CEEE-D | Equatorial Energia (RS) e doutorando pelo Núcleo de Qualidade da Energia Elétrica (NQEE) – www.nqee.com.br;
Por Ivan Nunes Santos, professor-pesquisador na Faculdade de Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Uberlândia (FEELT/ UFU) e coordenador do Núcleo de Qualidade da Energia Elétrica (NQEE) – www.nqee.com.br;
Por Arthur F. Bonelli, diretor administrativo da Sociedade Brasileira de Qualidade da Energia Elétrica (SBQEE) e engenheiro eletricista em Furnas Centrais Elétricas – Eletrobras.