Instalações em redes subterrâneas

Melhores práticas na gestão da manutenção de cabos isolados de média tensão

Redes subterrâneas no Brasil

A construção de redes elétricas em média tensão utilizando cabos isolados, de forma aérea ou subterrânea, no Brasil, teve início no segmento de distribuição de energia elétrica há aproximadamente 100 anos. Especialmente no segmento de distribuição subterrânea, os cabos isolados tiveram maior destaque, tendo em vista a maior criticidade desta operação em relação à rede aérea, pois qualquer falha nessa instalação apresenta maior complexidade para reparo e reestabelecimento da condição operativa.

Mesmo após um centenário do início da utilização de cabos isolados na construção de redes de distribuição de energia elétrica, apenas pequenas regiões de algumas cidades do país são providas de redes instaladas de forma subterrânea, sendo a predominância da rede instalada de forma aérea. As redes subterrâneas, no entanto, apresentam uma série de vantagens em relação às redes áereas, como: estética mais agradável, maior segurança operativa, menores custos de manutenção e maior confiabilidade. São aplicadas, predominantemente, na atualidade, em indústrias de grande porte, distribuidoras de rede elétrica e usinas de geração de energia.

Em instalações industriais e comerciais de grande porte é comum o uso de redes elétricas subterrâneas de média tensão devido aos requisitos dessas instalações. O abastecimento de eletricidade em média tensão deve ocorrer em diversos pontos da planta, que nem sempre estão próximos. Devido às distâncias envolvidas e à tensão empregada, torna-se mais segura a utilização de redes subterrâneas. A maior confiabilidade é outro ponto favorável, pois paradas não programadas acabam por afetar a operação de modo imprevisível, afetando o faturamento.

Usinas eólicas e fotovoltáicas também fazem uso de redes subterrâneas. Nessas instalações, redes de distribuição aérea permaneceriam expostas à condições climáticas agressivas, levando a diversos transtornos operacionais. Assim, o uso de redes substerrâneas é o mais comum e indicado nessas instalações. Nos últimos dez anos, um crescimento exponencial da geração eólica ocorreu no Brasil e mais recentemente, nos últimos dois anos, no setor de usinas fotovoltaicais.

As próprias distribuidoras de eletricidade, como a Eletropaulo ou a Light, têm realizado a conversão de suas redes aéreas em redes substerrâneas. A substituição comprovadamente reduz a frequência equivalente de interrupção (FEC) e os custos associados com manutenção. Assim, as perpectivas de crescimento das redes subterrâneas no Brasil são excelentes e acompanham a tendência mundial.

Relevância dos cabos isolados em média tensão em redes subterrâneas

A construção de uma rede elétrica subterrânea de média tensão é um projeto planejado para que a operação seja confiável e segura, retornando assim o  investimento aportado em sua construção, mais alto do que o de redes aéreas. Para obter esse resultado é importante que a rede se mantenha em perfeitas condições de funcionamento o maior tempo possível, permitindo assim a continuidade do abastecimento.

As redes elétricas subterrâneas são compostas de alimentadores de média tensão, chaves de manobra e transformadores, que podem ser instalados de forma subterrânea ou acima do nível do solo, dependendo da característica da instalação.

Os cabos isolados de média tensão são elementos essenciais para o perfeito funcionamento desta infraestrutura. Portanto, uma falha neste componente afeta toda a operação do sistema.

Algumas configurações de redes elétricas subterrâneas apresentam contingência, geralmente nas redes das empresas de distribuição, porém, grandes instalações industriais e comerciais dificilmente apresentam este tipo de recurso. Mesmo quando existentes, as contingências são limitadas e muitas vezes não permitem o atendimento integral da carga.

Vale destacar que, diferentemente dos cabos utilizados em baixa tensão, os cabos isolados de média tensão apresentam várias camadas em sua construção, conforme ilustrado na Figura I. Cada um dos componentes apresenta uma funcionalidade e qualquer problema acaba por desequilibrar o sistema.

 

fig01-aula-pratica

Manutenção centrada em confiabilidade para cabos isolados em média tensão

Todo e qualquer cabo de potência, trabalhando em média ou alta tensão, é sujeito à ação do tempo, sofre degradação e um dia irá falhar. Vários são os fatores que determinam a durabilidade de um cabo, como os materiais empregados em sua composição ou as condições a que são submetidos. Cabos com isolamento polimérico, por exemplo, têm expectativa de vida média estimada entre 20 e 40 anos, no entanto, não é incomum que sejam verificadas falhas antes deste período. Dentre as causas mais comuns para falhas prematuras podem-se citar imperfeições de manufatura, defeitos introduzidos durante a instalação ou produzidos pelas condições de operação.

Falhas que ocorram durante a operação podem conduzir a paradas não programadas na produção, trazendo prejuízos para a empresa. O lucro cessante, dependendo do circuito em que a falha ocorre, pode alcançar altas quantias e afetar definitivamente o faturamento de um período. Para mitigar o risco de tais eventualidades a gestão de manutenção com foco em confiabilidade é a solução mais indicada.

A política de manutenção centrada em confiabilidade, quando aplicada à cabos de potência, tem como objetivo principal a otimização de seus ativos, aumentando sua vida útil e reduzindo o número de paradas de manutenção. Inicialmente, um estudo deve ser realizado para identificar os elementos mais críticos ao sistema. Uma análise é realizada sequencialmente para determinar as possíveis ações a serem tomadas e, por fim, programar as paradas para execução dos planos de manutenção. Desta forma, investimentos para substituição de cabos ou paradas desnecessárias são evitadas e garante-se a máxima eficiência dos ativos. Pesquisas realizadas nesse âmbito têm provado os benefícios operativos e financeiros.

 

Paradas de manutenção e técnicas empregadas

Ativos considerados críticos durante a etapa de planejamento da manutenção são avaliados quanto à confiabilidade em paradas programadas da operação. Nessas paradas, os componentes dos cabos são caracterizados utilizando diversas técnicas. Os objetivos das análises são três: prevenir futuras falhas, predizer o comportamento dos ativos e verificar possíveis ações corretivas, a fim de eliminar problemas que foram observados.

Os ensaios mais amplamente difundidos e empregados, tanto em indústrias, quanto em concessionárias são:

Ensaios de tangente delta: nos ensaios de tangente delta, uma tensão alternada de baixa frequência (VLF – 0,1Hz) é aplicada entre o condutor e o terra, submetendo uma diferença de potencial ao isolamento. O equipamento realiza a medição da corrente elétrica e do ângulo de defasagem em relação à tensão. Resolve, a partir dessas informações, a corrente elétrica, separando-a em dois componentes, a corrente resistiva e a corrente capacitiva. A razão entre os dois componentes da corrente elétrica define o tangente delta, ou também o denominado fator de dissipação.

Fig02- aula-pratica

Note que, quanto melhor o isolamento do cabo, espera-se que o componente resistivo da corrente elétrica seja menor (pois a condução eletrônica através do material seria menor). Assim, baixos valores do tangente delta sugerem isolamentos em melhores condições. Outros parâmetros também são muito importantes para a avaliação dos isolamentos, como a estabilidade do tangente delta e a sua variação, quando sujeito à variações na tensão aplicada.

Irregularidades nos parâmetros citados são geralmente associadas a problemas no conjunto cabo + acessórios. Quando identificados, podem ser investigados para determinação da causa raiz, permitindo a tomada de ações corretivas. Atualmente, uma ampla base de dados é disponível, que permite o estabelecimento de valores críticos aos parâmetros do tangente delta. Através da comparação dos resultados obtidos durante análises com os valores críticos, normatizados pela IEEE 400.2, é possível avaliar as condições gerais dos componentes dos cabos.

Ensaios de descargas parciais: descargas parciais são fenômenos produzidos devido à amplificação do campo elétrico em regiões de interface. Em defeitos como descolamentos de camadas, bolhas no isolamento, entre outros, às tensões elétricas nas interface podem superar a rigidez dielétrica do meio, produzindo descargas. As descargas, no entanto, são ditas parciais, pois não produzem a ruptura dielétrica total do cabo, mas apenas em uma fração de seu volume. Como consequência, não promovem a falha, mas promovem a degradação dos isolamentos, aumentando a concentração de defeitos na microestrutura e tornando o material ainda mais suscetível a novas descargas parciais. Em determinado estágio de degradação, as características dielétricas do isolamento já não são satisfatórias e ocorre a ruptura total do meio dielétrico, com a consequente falha do cabo.

Ensaios de descargas parciais são métodos nos quais se aplicam uma alta tensão elétrica entre o condutor e o terra, submetendo o isolamento à alta tensão. Correntes elétricas ou tensões transientes, da ordem de microamperes ou milivolts, são identificadas e o sinal de resposta medido. Por meio da avaliação da forma do sinal e de suas reflexões, é possível identificar a existência de descargas parciais e a posição em que ocorrem.

Ensaios de reflectometria no domínio do tempo: na reflectometria, um pulso de baixa tensão é injetado em uma extremidade do cabo e este viaja até a sua outra extremidade, onde é refletido. Durante este percurso, o sinal viaja através do cabo e, qualquer variação significativa na impedância, produz uma nova reflexão do sinal.

Variações na impedância do cabo podem ser produzidas por emendas, falhas, problemas de corrosão na blindagem metálica e infiltrações de água em emendas (ver Figura 3). Assim, a técnica permite a identificação de uma série de irregularidades que outras técnicas não são capazes de identificar. Embora não tão utilizada quanto às outras duas técnicas citadas anteriormente, tem importante aplicabilidade também.

Além dos ensaios acima, é importante também citar os testes de tensão aplicada, tanto para capa quanto para os isolamentos. No caso dos testes de tensão aplicados à capa, níveis de tensões normatizados são aplicados entre a blindagem metálica e o solo. Através dos níveis verificados para a corrente de fuga é possível inferir se falhas na capa existem. Falhas desse tipo não impedem a operação dos cabos de potência, mas certamente promovem uma degradação mais acelerada dos mesmos.

Testes de tensão aplicados aos isolamentos são indicados tanto por normas nacionais, como por normas internacionais. Grandes instituições, como o IEEE (Institute of Electrical and Electronics Engineers) e e o IEC (International Electrotechnical Commission), incorporaram a prática de tensões em baixas frequências (VLF) em suas normas e guias. A ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), por outro lado, ainda não o fez. Esta discrepância acaba por confundir alguns gestores e promove, por vezes, tomadas de decisões equivocadas. Mais detalhes e informações são dados a seguir.

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Testes de tensão aplicada em VLF vs testes HiPot – DC

Testes de tensão aplicada têm um papel fundamental na avaliação de cabos de média tensão. Diferentemente de outras técnicas empregadas, esses testes têm a finalidade de realizar a manutenção preventiva dos sistemas, evitando que cabos degradados ou em condições instáveis sejam colocados em operação. São utilizados no comissionamento de cabos novos, em testes de aceitação após a troca de componentes (como emendas e terminações) ou na gestão de confiabilidade de sistemas importantes, conforme determinado pelas normas brasileiras ABNT NBR 7286, ABNT NBR 7287 e normas internacionais IEEE 400.2 e IEC 60060-1.

Os testes consistem na aplicação de tensões superiores àquelas utilizadas durante a operação, por um período determinado, que pode alcançar até 60 minutos. São executados com o objetivo de identificar se um cabo tem condições de entrar em operação de modo seguro, minimizando a possibilidade de apresentar falhas posteriores. A tensão empregada é normatizada e deve estar em acordo com as características de cada cabo avaliado.

A filosofia empregada no teste é que, se um cabo estiver na iminência de falhar, é melhor que falhe durante o teste, numa parada programada, do que de uma imprevista, promovendo uma parada não programada. Os custos envolvidos numa parada programada são muito inferiores.

Diferentes configurações são utilizadas nos testes, sendo classificadas de acordo com a forma do sinal injetado no circuito em avaliação. Algumas das configurações mais usuais são: testes em tensão contínua (HiPot-DC), em tensão alternada a 60 Hz e utilizando frequências muito baixas (Very Low Frequency – VLF). Os testes em tensão contínua eram amplamente utilizados no passado, onde cabos com isolação de papel impregnado com óleo (PILC) eram avaliados.

Sua aplicabilidade, no entanto, começou a ser questionada a partir dos anos 1980, com a substituição dos cabos antigos por cabos com isolamentos em materiais poliméricos, como o XLPE ou o HMWPE. Foi verificado nessa época que os testes DC promoviam a falha em grande número de cabos, mesmo muitos deles sendo considerados novos e sadios.

Diversos estudos foram realizados a partir de então para investigar tais resultados, onde se atribuiu como causa principal o acúmulo e “armadilhamento” de cargas espaciais, gerado pela forte polarização durante os testes. Quando recolocados em operação, as cargas espaciais, que permaneciam armadilhadas na estrutura dos cabos, causavam uma sobretensão, favorecendo o crescimento de electron trees e levando a falhas prematuras. Atualmente, os ensaios HiPot-DC não são recomendados em nenhuma norma internacional para sistemas de cabos com isolamentos poliméricos, independentemente de sua idade.

A utilização de frequências muito baixas (VLF) é a alternativa viável para realização dos ensaios. Sua utilização é tida como a solução encontrada para eliminar/mitigar os problemas de polarização encontrados nos testes HiPot-DC e apresenta boa relação de custo-eficiência. Cada vez mais têm-se optado pela sua utilização no diagnóstico de cabos, sendo indicado dentro das normas IEEE400.2 e IEC 60060-1. Uma série de implementações têm sido propostas nos últimos anos, como o monitoramento de diversas características durante o teste, atribuindo ainda mais valor à técnica.

Os testes de tensão aplicada monitorados (MWT-VLF) são o estado da arte no diagnóstico de cabos com foco em manutenção preventiva. Dentre os parâmetros que podem ser monitorados durante os ensaios destacam-se o fator de dissipação (Tangente Delta) e a verificação de descargas parciais. Os testes de tensão aplicada monitorados não serão abordados nesse trabalho, mas para os que desejarem, informações podem ser obtidas pelo contato com os autores.

 

Conclusões

Embora redes subterrâneas não sejam amplamente empregadas no Brasil atualmente, estas têm adquirido cada vez mais espaço e destaque devido às suas vantagens em relação às redes aéreas. Paralelamente a esse fato, a gestão dos ativos associados, como cabos isolados, também tem adquirido cada vez maior importância.

A política de gestão de manutenção centrada em confiabilidade é a que atualmente traz mais benefícios ao sistema, pois é decorrente de uma análise de criticidade e de avaliações de custo benefício. Os custo e resultados são otimizados proporcionando um menor stress aos cabos avaliados e realizando um menor número de paradas para manutenção durante a vida útil dos ativos.

Diversas técnicas são empregadas atualmente para caracterização dos diversos componentes dos cabos. Dentre os métodos mais amplamente empregados destacam-se os ensaios de tangente delta, os de descargas parciais e os de reflectometria no domínio do tempo.

O Brasil ainda não possui padrões nacionais para realização de testes de tensão aplicada em corrente alternada, sendo necessária a utilização de normas internacionais. Referências internacionais recomendam, para cabos com isolamento polimérico, a aplicação de tensões elétricas em baixa frequência (VLF), de cerca de 0,1Hz.


*Juliano Gonçalves é engenheiro eletricista, pós-graduado em Administração e Senior Leadership Program pela Darden University/USA. Atualmente, é diretor de operações da Baur do Brasil, com ampla experiência no setor elétrico, tendo gerenciado áreas de distribuição subterrânea, subtransmissão e inovação na Eletropaulo.

 Rafael Morgado possui graduação em Física, com mestrado e doutorado pelo IPEN-USP com ênfase em propriedades elétricas de materiais. Atualmente, é analista de desenvolvimento técnico da Baur do Brasil. É autor de artigos internacionais, trabalhos para congressos nacionais e internacionais, três livros didáticos e um software de tratamento estatístico de dados. É ainda professor universitário e membro do Cigré.

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3 respostas

  1. No texto foi mencionado que mais informações podem ser obtidas pelo contato com os autores. Vocês poderiam fornecer o contato dos mesmos?

    1. Boa tarde, Bendelak.
      Agradecemos o seu contato.
      Como o artigo é de 2018, infelizmente, não possuímos mais o contato dos autores; no entanto, acredito que você consiga contatá-los via LinkedIn.
      Lamentamos por não podermos auxiliá-lo nesta demanda.
      Ficamos à disposição.
      Att.

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