Inteligência Artificial: conheça as aplicações e tendências que estão revolucionando o setor elétrico

Por: Edmilson Freitas

Com diversas soluções para desafios como transição energética, digitalização, O&M, descarbonização, e integração das renováveis, tecnologias de IA podem ser o futuro do segmento?

Já imaginou receber uma notificação da sua distribuidora de energia alertando para um consumo de energia acima do esperado da sua geladeira, ou de algum outro equipamento elétrico instalado em sua residência ou empresa? E quando faltar energia, você gostaria que essa informação chegasse automaticamente para a companhia elétrica, sem a necessidade de que você ou algum dos seus vizinhos tenha que ligar na distribuidora para solicitar o restabelecimento do serviço?

Pois bem, isso não só é possível como já ocorre em vários países do mundo, inclusive, no Brasil (em menor escala), onde estão instalados medidores inteligentes, também conhecidos como smart meters. Esses equipamentos, associados a outros recursos de inteligência artificial (IA), podem auxiliar o consumidor no monitoramento em tempo real do seu consumo de energia, fornecendo diversos dados, como por exemplo, o consumo instantâneo da unidade consumidora (UC), se dentro ou fora da média para o horário, possibilitando ao usuário a correção de falhas ou defeitos de equipamentos, antes mesmo do recebimento da fatura de energia do referido mês.

Ao mesmo tempo em que municia o consumidor com dados sobre o seu próprio consumo, esses equipamentos também fornecem às distribuidoras de energia uma série de informações simultâneas, como por exemplo, a ocorrência de falta de energia, distúrbios elétricos, dentre vários outros dados, que serão utilizados para a manutenção da rede elétrica, bem como para o correto dimensionamento de carga no sistema.

Assim como em diversos outros segmentos, o setor elétrico também vem sendo fortemente impactado pelas transformações tecnológicas, em especial pela utilização de ferramentas de IA em diversas aplicações de Geração, Transmissão e Distribuição (GTD). Mas será que este é o futuro da sonhada e necessária transição energética que tanto almejamos? Para responder a esse questionamento, bem como para conhecer as iniciativas e tecnologias que estão sendo implementadas para promover a modernização, descarbonização e aumento da eficiência energética no país, a Revista O Setor Elétrico conversou com alguns dos mais renomados especialistas no assunto.

“A IA é considerada a tecnologia com o maior potencial de revolucionar a nossa sociedade, em toda a história, pois é a única capaz de aprender com dados, gerando conhecimento e resultados práticos para inúmeras áreas. A IA não é uma tecnologia recente, tendo suas primeiras metodologias sido desenvolvidas em meados do século passado. Entretanto, a sua recente popularização se deve em grande parte à evolução e barateamento da computação em nuvem, que permitiu que grandes volumes de dados e uma miríade de aplicações pudessem ser desenvolvidas e treinadas a um custo acessível. Esta revolução está apenas começando, e as pessoas e instituições que primeiro adotarem esses recursos em seus processos, serão as que mais se beneficiarão desta tecnologia, conquistando mais clientes e expandindo seus mercados e horizontes mais rapidamente, e antes de seus concorrentes”, afirma Andre Sih, Managing Partner da Fu2re Smart Solutions, empresa especializada em Inteligência Artificial (IA).

No setor elétrico, a aplicação de IA, de acordo com o especialista, ocorre em diversas frentes, como por exemplo para a manutenção de redes e equipamentos, identificação de fraudes, gerenciamento digital de unidades consumidoras e mapeamento de ativos. “São inúmeras as aplicações da IA no setor elétrico, uma vez que a mesma possui a capacidade de aprender com dados históricos e “aplicar” o conhecimento adquirido. Podemos citar a área de O&M como exemplo de grande potencial para melhoria de eficiência operacional. Sistemas de IA podem otimizar a manutenção de equipamentos, predizendo o comportamento (padrões) de falhas, melhorando a operação e reduzindo custos”.

No segmento de distribuição, o principal destaque é a chegada dos smart meters, que já começam a ser implementados em vários estados brasileiros. “Atualmente, já é possível efetuar a leitura em tempo real por imagens capturados de um celular e interpretadas pela IA para monitorar o consumo de energia, bem como gerar a conta mensal, seja pelo leiturista da distribuidora, seja pelo próprio cliente final. Este processo é instantâneo, em tempo real, podendo ser executado até mesmo em modo off-line (quando não há acesso a wi-fi ou 4G pelo celular)”, detalha Andre Sih.

“Em geral, os aparelhos que mais consomem energia são os que geram calor (chuveiro elétrico, secador de cabelo, máquina de secar roupa) ou frio (ar condicionado, geladeira, freezer). Temos casos de clientes que economizaram mais de 30% depois de instalar o medidor e se certificar que o ar-condicionado da casa estava ligado, ou que encontrou algum aparelho elétrico com comportamento diferente do esperado. Isso é possível a partir da instalação do de um medidor que monitora o consumo de energia em tempo real, dessa maneira, ele não precisa esperar até o final do mês para saber quanto está gastando em energia elétrica e tomar providências ao longo do mês para usar a energia elétrica de maneira consciente”, explica Rafael Maia, CEO da LUZ, fornecedora digital de energia elétrica do grupo Delta, que utiliza tecnologia para renovar a relação das pessoas com o setor.

Censo de ativos – Executado periodicamente pelas distribuidoras, o uso de IA para realização do Censo de Iluminação Pública, por exemplo, pode ser feito até 100 vezes mais rápido do que no método convencional. O processo consiste em utilizar veículos dotados de câmeras (similares aos veículos do Google) e dispositivos de GNSS para capturar imagens de alta definição das cidades.

“Essas imagens são processadas automaticamente pela IA com o propósito de realizar a identificação automática dos ativos de interesse, incluindo postes de iluminação pública, enquanto também interpreta informações específicas, como os tipos de luminárias, suas potências e coordenadas geográficas que permitem o mapeamento georreferenciado dos ativos identificados. Com essas informações confiáveis, é possível avaliar a eficiência do sistema de iluminação, reduzir custos e identificar pontos de falha e planejar ações para melhorar a qualidade do serviço prestado à população, dentre outros benefícios”, explica Andre Sih.

Há ainda a possibilidade de se aplicar a IA para a geração de alvos de inspeção de fraude (furtos de energia) reduzindo as perdas não-técnicas, que, juntamente com impostos e subsídios, são os principais vilões das contas de energia no país. Neste caso, modelos de IA analisam consumo, temperatura, localização, além de outras variáveis endógenas e exógenas para priorização de inspeção de fraudes, considerando o risco da unidade consumidora ser fraudadora e o potencial de recuperação de energia daquela UC.

“Modelos de IA conseguem capturar melhor esses padrões de fraude do que modelos estatísticos convencionais, uma vez que muitas vezes os padrões de comportamento são complexos, sazonais e regionalizados. Em determinadas regiões brasileiras, as perdas devido às fraudes são tão altas que comprometem a viabilidade econômica da concessionária de distribuição, bem como a sua eficiência e qualidade dos serviços prestados ao cliente”, complementa Andre.

Para o CEO da Enacom Handcrafted Technologies, Douglas Vieira, no Brasil, a área do setor elétrico onde mais se avançou na aplicação de IA, foi na comercialização de energia. “A compra e venda de energia é o mercado mais competitivo do segmento elétrico. Então, ter boas previsões de qual será a geração, de qual será o consumo, até mesmo qual vai ser o preço de mercado, é algo muito relevante. Com isso, temos percebido que as empresas do segmento estão ampliando seus investimentos em IA”.

Na distribuição, ainda estamos em estágio inicial de implementação de IA, avalia Vieira. “Existem alguns casos e cases interessantes, mas ainda não temos uma completa disseminação, inclusive, até pela escassez de profissionais especializados. Então, são priorizados, de acordo com o valor econômico deles, mas a utilização não é totalmente disseminada”, afirma o gestor, destacando a relevância do programa de P&D da ANEEL como impulsionador da IA no segmento. “Para que o setor elétrico avance e IA, é necessário rever, inclusive, a estrutura das empresas. Como elas vão trabalhar, como é que elas vão contratar esse tipo de solução, para que seja mais rápida a implantação. O programa de P&D ANEEL tem sido grande posicionador disso, em um cenário onde observamos uma grande dificuldade de projetos que possuem IA em seu escopo”.

Com mais de 30 anos de atuação no setor elétrico, 20 deles dedicados ao Programa de Pesquisa e Desenvolvimento de Concessionária de Energia Elétrica perante a ANEEL, o professor e consultor de P&D, Tenorio Barreto, também enxerga nas aplicações de IA um futuro promissor para o setor elétrico. De acordo com o especialista, o uso de IA está ajudando a resolver importantes desafios de planejamento e operação das redes elétricas, como o mapeamento da previsão precisa da demanda, o combate às perdas não-técnicas, a mitigação de riscos em barragens e a detecção precoce de falhas.

“No setor elétrico, as aplicações de IA estão sendo utilizadas para melhorar a eficiência operacional do sistema, por meio de interpretação de imagens, monitoramento, processos de tomada de decisão e análise de dados em tempo real. Por meio desses elementos, é possível detectar anomalias, avaliar demandas e otimizar recursos”, afirma Tenorio, que foi Coordenador do Grupo de Trabalho de P&D da Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia Elétrica – ABRADEE, por 6 anos consecutivos.

A tecnologia, segundo o especialista, também auxilia na previsão de demanda de energia e otimização do consumo. “A IA contribui para a previsão de demanda de energia e otimização do consumo, a partir de análises de padrões históricos de consumo, dados meteorológicos, eventos sazonais e comportamentos de usuários para criar modelos preditivos mais precisos”, avalia.

SEGURANÇA CIBERNÉTICA

Com o processo de digitalização cada vez maior das redes elétricas (smart grid), cresce também a preocupação das empresas, governo e sociedade em geral, com a segurança cibernética. Com o mundo cada vez mais conectado, esse tema passa a ser estratégico para a segurança nacional, dada a essencialidade da energia. “As preocupações em relação à segurança cibernética, associadas à implementação da IA no setor elétrico, incluem o risco de ataques de hackers, vazamento de dados sensíveis e interrupções no fornecimento de energia devido a vulnerabilidades nos sistemas de IA, que devem ser sempre observadas e corrigidas”, defende Tenorio Barreto.

Para além dos cuidados e limites previstos na LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), Andre Sih defende que haja um debate específico relacionado ao uso dessas tecnologias, não só no setor elétrico, como também em outros setores. “Metodologias mal aplicadas, ou até mesmo equivocadas, podem gerar prejuízos morais para indivíduos e por consequência para as instituições que fizeram uso indevido da tecnologia. A LGPD limita esses riscos, bem como o debate acerca de uma regulamentação da IA que reduza ou até mesmo limitará a utilização da IA, a depender do objetivo e forma. Essas questões devem ser discutidas de forma ampla e exaustiva, com o devido suporte de especialistas, para que não sejam tomadas decisões com base em achismos ou crenças indevidas”, detalha.

Embora demandem uma atenção especial no âmbito da regulação, o especialista defende que não haja nenhum entrave ou resistência à implementação de IA, dada a sua relevância para a transformação tecnológica, que está em curso em todo o mundo.

“Assim como outras tecnologias, a IA pode ser utilizada para diversos fins, o que de maneira nenhuma deva ser motivo de condenação. Por exemplo, quando os primeiros automóveis começaram a tomar as ruas, a partir do século XIX, muitos acreditavam que as pessoas não mais poderiam andar em segurança pelas cidades, com risco de serem atropeladas. Porém, o que se viu, foi o desenvolvimento de leis de trânsito, construção de ruas, sinalização, necessidade de habilitação e um conjunto de regulamentações e instituições para que a segurança das pessoas fosse condição primária para a existência e utilização de veículos motorizados. Imaginarmos o mundo contemporâneo sem automóveis, seria impensável. Com a IA, é necessário seguirmos um caminho semelhante”, defende Andre Sih.

IA E AS FONTES RENOVÁVEIS

Um dos grandes desafios recentes para o setor elétrico, que inclusive, as aplicações de IA já estão contribuindo com soluções, é a integração das fontes renováveis no Sistema Integrado Nacional (SIN), em especial, devido ao aumento expressivo da Geração Distribuída em todo o país. Com isso, as distribuidoras estão passando por um processo de atualização de seus ativos, alguns deles, destinados especificamente para o equacionamento da GD.

“A questão das renováveis, em especial das fontes intermitentes, é um tema global muito importante que as aplicações de IA podem nos ajudar muito. A previsão de geração dessas fontes, atualmente, é bastante robusta. Mas o que é crítico hoje, é a relação de curto prazo, para saber o quanto será gerado, minuto a minuto, por essas fontes. Uma das questões que vêm sendo muito estudadas é o risco de você parar de gerar, simultaneamente, uma grande parcela dessas renováveis intermitentes. Embora a chance de isso ocorrer seja pequena, o risco existe, e a grande questão é encontrar mecanismos que possam prever essas ocorrências e mitigá-las. Então, a integração e ampliação das renováveis, possuem uma relação muito direta com a qualidade da previsão de geração de curto prazo dessas fontes”, explica Douglas Vieira, CEO da Enacom.

A expectativa de auxílio da IA para auxiliar na previsão dessas fontes também é compartilhada pelo consultor Tenorio Barreto. “A IA pode auxiliar na integração de fontes de energia renovável na rede elétrica ao prever a geração de energia solar e eólica, otimizar a distribuição de energia e equilibrar a oferta e a demanda de energia em tempo real”, destaca Tenório

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