A transformação digital dos últimos anos modificou profundamente nossa sociedade, trazendo desafios e oportunidades para empresas. O setor de Utilities, em especial, empresas de fornecimento de energia elétrica, também vem se adaptando a essa nova realidade. Conceitos como Consumer Engagement, Cloud Computing, IoT, Machine Learning e Cybersecurity, dentre outros, passaram a fazer parte da agenda de CIOs e ITleaders dessas empresas.
Outras mudanças globais, como o crescente apelo do tema sustentabilidade e conservação do meio ambiente, também trazem novos desafios para essas companhias. Mesmo no Brasil, onde a energia é predominantemente de origem hidrelétrica, iniciativas de eficiência energética vêm ganhando cada vez mais espaço. Em alguns casos, novas tecnologias da era da digitalização podem ser aplicadas para promover maior eficiência energética, oferecendo, por exemplo, informações que permitam que consumidores entendam melhor seu perfil de consumo e tomem decisões para a economia de energia.
Iniciativas de pesquisa e desenvolvimento em temas relacionados à digitalização e eficiência energética devem ser cada vez mais frequentes nessas empresas, assim como políticas de investimento governamentais que alavanquem essas áreas. Muitas empresas do setor de energia elétrica já começaram a trilhar esse caminho. Uma das iniciativas de destaque nesse sentido são os projetos de smart grids (redes inteligentes, em inglês) que permitirão acesso em tempo real às informações de consumo de energia elétrica.
A partir dos dados básicos de consumo das smart grids, as empresas podem gerar informações mais detalhadas sobre o uso da energia. Nesse sentido, técnicas de aprendizado de máquina (ou machine learning) vêm sendo aplicadas para separar o consumo de cada equipamento de uma residência, permitindo aos consumidores entender melhor seus hábitos e incentivando ações espontâneas de uso consciente de energia.
Projetos de smart grids no Brasil
Normalmente, a conta de energia elétrica no final do mês traz o consumo de energia do mês e o valor a ser pago. Essa dinâmica, na qual só se tem acesso às informações de consumo no fim do mês, dificulta ações reais de economia de energia. Empresas do setor de energia estão fazendo uso do conceito de IoT (Internet of Things) em suas redes de energia para criar as smart grids. As empresas estão substituindo medidores analógicos de energia por smart meters (medidores inteligentes), que são capazes de fazer as medidas e disponibilizar as informações para as concessionárias em tempo real.
Os consumidores também passam a ter acesso às informações de consumo de forma mais rápida por meio de aplicativos para smartphones ou sites. Não tendo mais que esperar até o fim do mês para obter informações sobre sua conta de energia, os consumidores podem acessar esses dados a qualquer instante e agir imediatamente para controle de seu consumo.
Essa transformação não está ocorrendo apenas em países de primeiro mundo. Aqui no Brasil também existem projetos em andamento para a implantação de smart grids. A AES Eletropaulo iniciou em 2013 um projeto para instalação de medidores inteligentes na cidade de Barueri, no Estado de São Paulo. Os medidores serão instalados em 62.000 residências. A Eletrobras Amazonas também tem um projeto para instalação de medidores inteligentes nos estados do Acre, Alagoas, Amazonas, Piauí, Rondônia e Roraima.
Outras companhias do setor de energia também estão desenvolvendo projetos para avaliar a implantação de medidores inteligentes. A expectativa é que, em alguns anos, tanto as empresas como os consumidores tenham acesso aos dados de consumo de energia de forma mais rápida e eficiente.
Desagregação de energia e seus benefícios
O acesso mais rápido dos usuários aos dados básicos de consumo pode promover ações de economia de energia. Entretanto, um estudo da Universidade Stanford, sobre desagregação de energia, mostra que informações mais detalhadas sobre o uso da energia podem trazer resultados significativamente melhores.
Esse resultado só é possível porque as informações de consumo não indicam apenas quanto foi gasto em um determinado período, mas também como a energia foi gasta. Ou seja, a conta mostraria o gasto total e a parcela de consumo de cada equipamento, como ar-condicionado, geladeira, máquina de lavar, entre outros objetos. Assim, o consumidor pode entender melhor seus hábitos de consumo e adotar medidas que de fato levem a maior economia.
Existem diferentes soluções para realizar a desagregação do consumo de energia elétrica. Uma delas consiste no uso de medidores independentes em cada ponto de acesso. Ou seja, cada tomada de uma residência (associada a um determinado equipamento) teria um medidor inteligente (ou smart plug) para medir e enviar as informações de consumo para a concessionária. Com os dados dos medidores independentes e do medidor geral da residência, seria possível separar a parcela de consumo de cada tomada em relação ao consumo total.
A abordagem do uso de tomadas inteligentes possibilita uma excelente precisão nas medidas. Entretanto, essa solução demanda alteração da instalação elétrica interna das residências (para adição das tomadas inteligentes), o que torna sua implantação em larga escala complexa e de alto custo.
Outra abordagem que tem sido adotada é a análise dos dados do medidor geral, utilizando técnicas de aprendizado de máquina para identificar quando um determinado equipamento foi ligado ou desligado e, a partir daí, inferir seu consumo. A técnica baseia-se no uso de um algoritmo treinado para identificar as alterações que um determinado equipamento (como um ar-condicionado) provoca no sinal elétrico da residência. Equipamentos diferentes provocam alterações diferentes no sinal elétrico, de modo que cada equipamento tem um padrão de assinatura, que é identificado pelo algoritmo.
Oportunidades de projetos futuros
Esperamos novas iniciativas em projetos de P&D relacionadas à desagregação de energia nos próximos anos, especialmente por distribuidoras de energia que já iniciaram atividades para o desenvolvimento de smart grids.
O uso de algoritmos de aprendizado de máquina para análise dos dados de consumo parece ser a solução mais adequada nesse contexto, devido à facilidade de implantação e ao baixo nível de investimento necessário para viabilizar a solução em larga escala.
A expectativa é que esses projetos de fato contribuam para um maior engajamento dos consumidores residenciais, promovendo o consumo mais consciente de energia elétrica. O conhecimento mais detalhado do perfil dos usuários pode, ainda, gerar outras oportunidades de negócios para as distribuidoras e empresas do setor.
Por Frederico Gonçalves, Head da unidade de Utilities do Venturus