Dois pilares sustentam a transição energética para uma economia de baixo carbono: as fontes renováveis e a eficiência energética. Para a consecução dos objetivos são necessárias medidas vinculativas e de apoio entre todas as fases da cadeia da energia elétrica que se tornam imperativas em muitos países ao se estabelecerem políticas públicas. A eletricidade representa bem-estar e desenvolvimento, mas também, os custos desta utilidade compõem uma parte significativa das despesas com a estrutura de operação de uma empresa ou com a subsistência de uma família, além de apresentar implicações sérias em relação às emissões de gases de efeito estufa (GEE) que se devem monitorar e controlar.
A flexibilidade de geração, que deve lidar com a segurança, confiabilidade no fornecimento e com os requisitos da carga, favorece a competitividade do mercado de energia, levando ao desafio social, econômico e ambiental das políticas energéticas que tem obrigação com três parâmetros estratégicos: i) de segurança na oferta (dependência de importação de combustíveis como derivados de petróleo e gás natural, existência de matéria-prima local, identificação de atributos de energéticos primários, alternativas de combustíveis para geração elétrica, modelos de suprimento), ii) de competitividade econômica (intensidade energética, eficiência na conversão energética, eficiência na geração elétrica, participação privada, níveis de competição, ajustes de tarifas, consumo energético per capita, regulação independente), e iii) de proteção ambiental (percentual de renováveis na matriz energética, emissões de CO2 por PIB, emissões de CO2 da geração elétrica, indicadores de intensidade de carbono emitido, percentual de renováveis na matriz elétrica).
Estratégias de baixa emissão capazes de conciliar tecnologias e objetivos climáticos no médio e longo prazo permitem aos países tomar as melhores decisões quanto ao processo de transição, aumentando os benefícios socioeconômicos, e à mitigação dos efeitos ambientais, salvaguardando o seu desenvolvimento. Nestas circunstâncias, o setor elétrico constitui-se num dos principais drivers para “fechar a lacuna entre as tendências de emissão atuais e os caminhos de baixa emissão compatíveis com COP 21, especialmente devido ao grande espectro de opções [de tecnologias] que podem ser implementadas em níveis de relativamente baixos custos, como a geração pelas fontes eólica, solar fotovoltaica e hidroeletricidade “(FRANGKOS, SOEST, SHAEFFER et al., 2020). Diante de uma matriz mundial que provê 70% da eletricidade através de fontes fósseis e nucleares, a expansão das renováveis em 2019 foi de 200 GW, atingindo a capacidade global de mais de 2.400 GW, de acordo com o Renewables 2020 Global Status Report (GSR, 2020), caracterizada por hidro, solar fotovoltaica, eólica, geotérmica, biocombustíveis sólidos e outras novas renováveis (biogás, resíduos). É importante assinalar que em meio às fontes com baixa emissão estão as nucleares, que ainda representam metade da geração das hidroelétricas no mundo. Neste contexto, mesmo que os investimentos em eletricidade renovável incluam vantagens comparadas às outras, as questões técnicas e infra estruturais, como a avaliação da oferta, dos potenciais e das demandas energéticas e hídricas, encerram muitas diretrizes que orientam a expansão e segurança a custos mínimos e com objetivos sociais, ambientais e de gestão racional dos recursos.
Com esse critério, a seleção de uma fonte precisa considerar, através de uma análise integrada e com a diversidade encorajada, os efeitos gerados pela produção de eletricidade e os resultados na economia. Assim, uma solução de compromisso deve sempre ser encontrada para satisfazer os objetivos conflitantes, quer, entre outros fatores, sob a ótica ecológica, onde o aproveitamento dos recursos energéticos renováveis são uma resposta à preocupação ambiental, quer sob a sua validade como opção e orientação do investimento, que podem levar a diferentes cenários em relação aos recursos disponíveis. Nesta perspectiva, no ambiente de competitividade, sem perder de vista o curto prazo dinâmico e o longo prazo – mais imóvel, existem dois aspectos, no âmbito da análise integrada, que conduzem ao modo equilibrado e ambientalmente correto de formar as carteiras de fontes energéticas.
O primeiro é o impacto da emissão de GEE que compreende um indicador relevante na tomada de decisão. No Brasil, os estudos mostram que as médias dos coeficientes de impacto de emissões de CO2eq são muito menores para a biomassa, da ordem de 10 kg/MWh, seguida da eólica, nuclear e hidro (40, 50 e 120 kg/MWh, respectivamente). O gás natural apresenta impacto de 630 kg/MWh e o carvão, 1.020 kg/MWh. Há uma consequência fundamental nesta abordagem. Como o uso das renováveis oferece menores perdas totais para o sistema elétrico, especialmente a hidro, solar fotovoltaica e eólica, a quantidade de energia primária no consumo final será menor, melhorando, assim, a intensidade de energia primária e com redução da intensidade de carbono.
O segundo é o impacto do custo de geração por fonte que indica, na média, para as renováveis (biomassa, eólica e hidro) 126,00 R$/MWh, 402,00 R$/MWh (solar fotovoltaica) e 140,00 R$/MWh para o carvão, gás natural e nuclear, e 500,00 R$/MWh para o óleo Diesel. Muitas tecnologias de renováveis já não exigem mais incentivos econômicos, mas precisam de uma estrutura regulatória estável para fornecer retornos previsíveis ao longo do tempo. Isto é indispensável para investimentos em longo prazo, porque requerem fluxos de caixa presumíveis para ter acesso a financiamento e baixo risco regulatório. Um ambiente regulatório incerto ou em constante mudança pode desestimular e resultar em prejuízo ao futuro dessas tecnologias como empreendimentos viáveis.
A proposta basilar da formulação do “mix energético” é determinar qual a melhor composição do parque gerador para atender aos múltiplos objetivos, entre eles, a solução cobiçada de descarbonização da economia. As dimensões particularizadas nesta reflexão explicam uma parte do problema, que, num viés sistêmico, vão além, expressas pelo conteúdo quantitativo (que remete ao quanto uma fonte pode contribuir com a melhora) e pelo qualitativo (ao que de fato melhora com a sua utilização). Cabe às políticas energéticas promoverem o incentivo à disseminação de novas tecnologias e o manejo e a integração dos recursos compatíveis com a sua aplicação energética, de forma sinérgica com o meio ambiente, e flexíveis às mudanças globais.
Referências citadas:
FRANGKOS, P.; SOEST, H. L. v.; SHAEFFER, R. et al. Energy system transitions and low-carbon pathways in Australia, Brazil, Canada, China, EU-28, India, Indonesia, Japan, Republic of Korea, Russia and the United States. Energy. 2020. Disponível em . Revista Energy. Volume 216, fevereiro de 2021. Acessada em fevereiro de 2021.
GSR. RENEWABLES 2020 GLOBAL STATUS REPORT. REN 2021 Renewables Now. Disponível em <https://www.ren21.net/reports/global-status-report/>. Acessado em fevereiro de 2021.
*Ivo Leandro Dorileo é coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos em Planejamento Energético da Universidade Federal de Mato Grosso. Ex-presidente da Sociedade Brasileira de Planejamento Energético