As descargas parciais podem ser definidas como fluxos de elétrons de natureza disruptiva, que percorrem parcialmente o meio dielétrico existente entre elementos condutores da parte interna de um transformador de potência. Trata-se de um fenômeno naturalmente inerente à operação desse tipo de equipamento, podendo ser observado mesmo em equipamentos novos, não acometidos de problemas de sistema isolante.
Entretanto, essas descargas tendem a se intensificar sobremaneira, em virtude do surgimento de problemas dielétricos envolvendo a parte ativa. Esses problemas podem ser decorrentes da degradação natural do sistema isolante, pelo envelhecimento da isolação celulósica e/ou degradação do óleo isolante, mas também oriundos de esforços eletrodinâmicos demasiados, sofridos pela parte ativa quando da suplência de curtos-circuitos e da exposição a outros fenômenos transitórios.
Assim, a detecção de uma atividade anômala de descargas parciais pode trazer evidências robustas acerca de problemas na parte ativa do transformador, propiciando a prevenção de falhas catastróficas e, com isso, custos e impactos operativos expressivos.
Uma das técnicas preditivas não invasivas já consagradas no setor elétrico de potência – para fins de monitoramento de descargas parciais em transformadores de potência – é a técnica de emissões acústicas. Ela baseia-se no fato de que as descargas parciais, ao ocorrerem, produzem perturbações ultrassônicas, que se propagam pela parte interna do transformador, utilizando o óleo isolante como meio, podendo sensibilizar sensores acústicos adequadamente acoplados à parte externa do tanque principal. Esses sensores, que usualmente operam com uma frequência de ressonância de 150 kHz, atuam junto com circuitos de amplificação, filtragem e processamento de sinais. Então, com algoritmos adequados, torna-se possível uma interpretação da natureza e da origem das emissões acústicas com expressiva acurácia, dado que as posições dos sensores no tanque são conhecidas e a velocidade de propagação das emissões acústicas no óleo isolante também. Com isso, pode ser feito um rastreamento da(s) fonte(s) de descargas parciais com coordenadas tridimensionais e clusters com volumes bem definidos (vide Figura 1).
Figura 1 – localização de descargas parciais em transformador de potência.
Na Figura 1, os pontos em preto são as posições dos sensores de emissões acústicas (EAs) acoplados ao tanque do transformador de potência em monitoramento. No caso, foram utilizados 15 sensores. A partir do tratamento dos sinais obtidos, eliminando-se os ruídos de outras fontes, obtiveram-se, como fontes de descargas parciais (DPs), os pontos em vermelho. Explicitam-se, pois, as regiões internas do transformador nas quais se deve atuar para a correção da causa dos problemas. E isso permite uma maior eficiência das equipes de manutenção, que, em vez de terem de inspecionar o equipamento por completo, à procura das fontes de defeito, passam a buscá-las de maneira mais direcionada, reduzindo os prazos e custos de intervenção.
Contudo, para que seja possível o monitoramento de descargas parciais nos moldes supracitados, necessita-se verificar uma variação anômala na intensidade e frequência da atividade dessas descargas, o que se faz por meio de uma análise cronológica comparativa, idealmente tomando como base os registros obtidos quando o transformador se encontrava íntegro, após sua primeira energização. É o que se denomina “assinatura de descargas parciais”.
Alternativamente, a comparação da atividade de descargas parciais entre transformadores de projeto idêntico pode fornecer subsídios elementares para a detecção de problemas de sistema isolante, propiciando a distinção do que são descargas típicas da operação normal, daquelas que têm natureza de falha incipiente.
Em ambos os casos, esse tipo de monitoramento deve ser feito por pelo menos 24 horas ininterruptas, de modo que o acompanhamento se dê durante todo o ciclo de carregamento do transformador. Isso porque, com correntes de carga mais intensas, as atividades de descargas parciais tendem a se incrementar, favorecendo a detecção de anomalias.
É interessante pontuar que, embora transformadores mais envelhecidos sejam mais vulneráveis a esse tipo de problema, transformadores novos também podem dele ser acometidos, sobretudo quando apresentam problemas de montagem ou sofrem distúrbios operativos.
Deve-se destacar, ainda, que uma boa prática de Engenharia de Manutenção é realizar o monitoramento de descargas parciais utilizando a técnica de emissões acústicas pelo menos uma vez por ano e/ou sempre que o transformador sofrer algum distúrbio operativo e/ou, ainda, quando as análises de gases dissolvidos no óleo isolante (cromatografias) explicitarem incremento da atividade de descargas parciais. Para tanto, é indispensável que, conforme determinado pela ABNT NBR 5356-9, intitulada “Transformadores de potência – Parte 9: Recebimento, armazenagem, instalação e manutenção de transformadores e reatores de potência imersos em líquido isolante”, essas análises de óleo sejam procedidas antes da energização do transformador, de 24 horas a 36 horas após essa energização, dez dias após ela, 30 dias após ela e, então, semestralmente, após essa última, ou sempre que detectada alguma variação suspeita nas concentrações de gases.
Por mais que alguns tipos de descargas parciais não ensejem o surgimento de perturbações sensíveis nas concentrações de gases dissolvidos no óleo, em alguns casos pode haver diagnósticos claros. Assim, os resultados da cromatografia de óleo isolante podem ser evidências complementares importantes para a detecção de atividades anômalas de descargas parciais. Para interpretá-los adequadamente, deve-se fazer uso dos critérios estabelecidos por meio da ABNT NBR 7274:2012, intitulada “Interpretação da análise dos gases de transformadores em serviço”.
Outrossim, um ponto óbvio deve ser tomado como indispensável: para que se obtenha um diagnóstico efetivo, o sistema de processamento das emissões acústicas deve ter sensibilidade adequada para eliminar ruídos de origens outras que não descargas parciais. Cita-se, aqui, por exemplo, ruídos decorrentes de chuva (é interessante que, durante o monitoramento, sejam registrados períodos de chuva, justamente para evitar-se falsos diagnósticos), e/ou mesmo do acionamento da ventilação forçada.
Portanto, com um adequado monitoramento periódico de descargas parciais pelo método acústico, robustecido por evidências sistêmicas de análise de gases dissolvidos no óleo isolante, torna-se possível a detecção de atividades anômalas de descargas parciais, propiciando intervenção antecipada no equipamento sob análise. Assim, evita-se que elas evoluam para disrupções dielétricas em partes estratégicas do sistema isolante, com a conseguinte falha do transformador.
Autores:
Por Caio Cezar Neiva Huais, engenheiro de produção, pós-graduado em Engenharia Elétrica e Automação com MBA em engenharia de manutenção. Atualmente, é gerente corporativo de manutenção de alta tensão no Grupo Equatorial Energia;
Por Yuri Andrade, engenheiro eletricista no Grupo Equatorial Energia, atuando na área de Engenharia de Manutenção de Subestações de Alta Tensão em Goiás. Graduou-se em Engenharia Elétrica pela Escola de Engenharia Elétrica, Mecânica e de Computação da Universidade Federal de Goiás (2016), onde obteve o título de Mestre em Engenharia Elétrica (2019) e onde cursa, atualmente, o doutorado em Engenharia Elétrica.