*por Javier Aprea
No Brasil, a distribuição da energia elétrica é regulada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) através dos Procedimentos de Distribuição de Energia Elétrica no Sistema Elétrico Nacional (PRODIST). A revisão 10 do Módulo 8 do PRODIST, que trata da qualidade do produto e serviço, estabelece uma série de indicadores que devem ser calculados por equipamentos eletrônicos de medição para avaliação da Qualidade da Energia Elétrica (QEE) fornecida aos consumidores. Os métodos de medição baseiam-se nas mais recentes versões das normas da International Eletrotechnical Commission (IEC) 61000-4-7:2010, 61000-4-15:2010 e 61000-4-30:2015. Esta última define os fenômenos da QEE, a forma de agregação dos dados e as classes A e S dos analisadores. Para garantir a conformidade com essa norma, a IEC 62586-1:2017 apresenta os requisitos para os equipamentos que medem os parâmetros da QEE e a IEC 62586-2:2017 define o caderno de testes e a metodologia de ensaio.
Para homologação dos equipamentos usados por concessionárias de energia, a Universidade Federal de Uberlândia (UFU) realiza ensaios e emite um Relatório Técnico conforme o Caderno de Ensaios para Certificação de Instrumento de Medição para as Campanhas de Medição de QEE. Em âmbito acadêmico, há um estudo em andamento na Universidade de Brasília (UnB) que versa sobre a implementação de um caderno de testes baseado na IEC 62586 e na avaliação dos dados de medição conforme o Guia para a Expressão da Incerteza de Medição da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). Contudo, os seguintes indicadores, específicos para o Brasil, ainda carecem de metodologia própria para ensaios:
- Duração Relativa da transgressão de tensão Precária – DRP e Duração Relativa da transgressão de tensão Crítica – DRC da tensão em regime permanente;
- Fator de Impacto (FI) das Variações de Tensão de Curta Duração (VTCD);
- Distorção Harmônica Total de Tensão para componentes múltiplas de 3 (DTT3).
Para o cálculo dos indicadores DRP e DRC, os equipamentos realizam a medição da tensão eficaz ou Root Mean Square (RMS) com precisão melhor do que 1% e calculam o valor agregado médio em intervalos consecutivos de 10 minutos. Para medições amostrais, considera-se 1008 registros validos, compondo um período típico de medição de sete dias. A cada novo registro, o equipamento classifica o valor da tensão com relação ao valor nominal declarado ou declared input voltage – Udin em uma das faixas definidas como adequado, precário ou crítico. A soma dos registros classificados como precários e críticos é totalizada separadamente. A partir destes totalizadores, deverão ser calculados os indicadores individualmente para cada fase de sistemas polifásicos, sendo escolhido o indicador de maior valor percentual como o representativo do sistema medido.
Além da capacidade de cálculo e classificação, o equipamento deverá ser capaz de realizar o expurgo de dados inválidos. Segundo item 9.1.10.2, da seção 8.1 do PRODIST, os registros de 10 minutos nos quais for identificada uma VTCD temporária são inválidos e deverão ser expurgados do conjunto de 1008 leituras, devendo ser substituídos pelo próximo intervalo de agregação de 10 minutos válido. Assim sendo, o período para aqui- sição de 1008 registros válidos poderá ser maior do que os sete dias, de acordo com a incidência de VTCDs temporárias na rede elétrica sob medição.
Para a regulação dos níveis de tensão baseada nestes indicadores, o PRODIST define os limites máximos de 3,0% para DRP e 0,5% para DRC. As distribuidoras de energia elétrica apuram os indicadores e apresentam relatórios trimestrais contendo as medições para apreciação pela Aneel. Se algum dos limites for ultrapassado, a concessionária tem um período de 90 dias para regularizar a tensão com relação ao DRP e 15 dias no caso do DRC. Caso a regularização não seja realizada no período determinado, a distribuidora é obrigada a compensar financeiramente os clientes da rede que tiveram seus níveis de tensão fora dos limites, além de ainda ser obrigada a regularizar estes níveis.
Recentemente a Aneel realizou a Audiência Pública (AP) 060/2018 com o intuito de melhorar a capacidade de fiscalização da Agência através da rastreabilidade das medições de tensão em regime permanente e da apuração dos indicadores DRP e DRC. Esta AP propõe o uso de medidores de faturamento com capacidade de medir esses indicadores de forma permanente em substituição às medições amostrais. Portanto, a correta indicação de ultrapassagem ou não dos limites é indispensável e, por isso, se faz necessária uma metodologia de ensaios para garantir a conformidade do cálculo desses indicadores.
A IMS Power Quality desenvolveu uma metodologia de teste apresentada como artigo técnico na XIII Conferência Brasileira sobre Qualidade da Energia Elétrica (CBQEE), realizada de 1 a 4 de setembro de 2019, em São Caetano do Sul (SP). Esta metodologia também foi proposta no Grupo de Trabalho 9 da Comissão de Estudo 003:013.001 sobre medidores integradores do Comitê Brasileiro de Eletricidade ABNT/ CB-003 para normatização.
As faixas precárias e críticas são definidas de acordo com o valor Udin no ponto de medição. Com o intuito de criar um sinal de tensão baseado no sistema por unidade – pu, avaliou-se as tabelas 4 a 12 do anexo I do Módulo 8 do PRODIST, para tensões abaixo de 1kV, a fim de encontrar faixas percentuais precárias e críticas que independem da tensão nominal. Os valores propostos foram definidos de forma a proporcionar disparidades quando forem aplicadas VTCDs. Com base nos valores apresentados e utilizando uma abordagem semelhante à utilizada na IEC 62586-2, define-se os pontos de teste para aplicação da medição de DRP e DRC.
*Javier Aprea possui graduação em Engenharia Elétrica (1987) e Mestrado Acadêmico em Computação (1991), ambos pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e Mestrado em Engenharia Elétrica (1994) pela Universidade Tecnológica de Eindhoven, na Holanda.
Tem ampla experiência como engenheiro de Desenvolvimento de Produtos e Gestão de Equipes de alto desempenho. Atuou 16 anos como engenheiro de Desenvolvimento na Philips Electronics, na Holanda, e 12 anos como gerente de P&D na IMS Power Quality, onde foi o responsável pelo desenvolvimento de equipamentos e software para a medição, a análise e o controle da Qualidade da Energia Elétrica e projetos de Inovação colaborativos. Hoje em dia, atua como consultor de Tecnologia