Tornou-se recorrente no Brasil a narrativa de que a energia gerada é limpa e barata, porém, a tarifa acaba por ser cara. Essa afirmação tem seu fundo de verdade e as razões por trás disso são várias.
De forma geral, no Brasil, a rica e diversificada matriz elétrica permite ao país a geração de energia limpa e barata, porém, essa energia tem uma série de custos associados e que acabam por tornar o produto final (tarifa) caro. Ou seja, geramos muita energia barata, porém, longe do consumo.
Inicialmente, vamos estabelecer que a tarifa de energia é composta por, basicamente, quatro grandes grupos: Energia Produto (TE – Tarifa de Energia, no ACR e Preço de Energia no ACL), Energia Serviço (Transmissão FIO A – TUST e Distribuição FIO B – TUSD), Tributos e Encargos setoriais.
Portanto, enquanto a energia em si (produto) pode ser produzida a custos relativamente baixos, uma variedade de fatores contribuem para que as tarifas de energia elétrica sejam percebidas como caras pelos consumidores finais. Esses fatores incluem, não apenas os custos de produção e distribuição, mas também encargos, impostos, investimentos em infraestrutura e políticas de subsídio.
Pois bem, a dinâmica de expansão do setor elétrico brasileiro é multifacetada e envolve uma combinação de políticas, demanda por energia, fontes de geração, investimentos em infraestrutura e questões ambientais e tecnológicas. Um planejamento estratégico e uma abordagem integrada são essenciais para garantir um crescimento sustentável e resiliente do setor elétrico no Brasil.
Investimentos em Infraestrutura de transmissão e distribuição: a expansão do setor elétrico requer investimentos significativos em infraestrutura, incluindo a construção de linhas de transmissão, subestações e sistemas de distribuição. Esses investimentos, geralmente, são realizados por empresas públicas e privadas, com o apoio de financiamento público e privado. Estes custos são elevados e complexos de serem executados.
O Brasil é um país de dimensões continentais, com uma área territorial vasta e diversificada. Isso significa que a infraestrutura elétrica precisa abranger longas distâncias para alcançar todas as regiões do país, o que aumentam os custos de construção, manutenção e operação.
E como a energia precisa ser transportada do ponto de geração para os centros urbanos e consumidores finais, o que envolve custos significativos de transmissão e distribuição, devido à extensão territorial do Brasil e à distribuição desigual da população, pode ser caro e complexo levar energia a áreas remotas. São desafios logísticos e geográficos que se aliam ainda a desafios ambientais e sociais, como o impacto ambiental da construção e o cumprimento de requisitos legais e regulatórios relacionados à conservação ambiental e proteção dos direitos humanos.
Para além disso, projetos de infraestrutura requerem financiamento de longo prazo, o que pode aumentar os custos devido aos juros e outros encargos associados ao capital. Além disso, os custos de capital para construir novas usinas ou expandir a rede elétrica podem ser elevados, dadas as dimensões continentais como do país.
Dependência de Hidrelétricas: o Brasil depende fortemente da energia hidrelétrica, sendo a disponibilidade de água nos reservatórios essencial para gerar eletricidade. Porém, essa disponibilidade é suscetível a variações climáticas, como secas, afetando a oferta e aumentando os custos quando há necessidade de acionar usinas termelétricas, que são potencialmente mais caras que a energia hidrelétrica. Esse é o chamado risco hidrológico, que pressiona fortemente os preços da energia no Brasil, por meio das bandeiras tarifárias.
Para além disso, muito embora a energia hidrelétrica seja considerada uma fonte de energia relativamente barata, em termos de custos operacionais, as usinas hidrelétricas ainda exigem manutenção regular e investimentos em infraestrutura para garantir seu funcionamento adequado. Esses custos podem aumentar devido as condições ambientais adversas e pelo envelhecimento das usinas.
Carga Tributária Elevada: os impostos e encargos representam uma parcela considerável do custo final da energia para consumidores e empresas, e podem ser apontados como uma das razões para a energia ser cara no Brasil. A cadeia de produção, transmissão e distribuição de energia elétrica nacional, está sujeita a uma série de impostos e encargos setoriais. Isso inclui o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), PIS (Programa de Integração Social), e COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social).
Embora a proporção exata de cada encargo possa variar de acordo com o tipo de consumidor, a região e outros fatores, é comum que os encargos representem uma parcela considerável da conta de energia elétrica no Brasil. Reduzir o peso de encargos e tributos sobre a energia tem sido uma preocupação do governo e do setor privado, visando tornar a energia mais acessível e competitiva.
Além disso, a burocracia e a complexidade do sistema tributário brasileiro, são fatores que contribuem para os custos administrativos das empresas do setor elétrico, os quais podem influenciar os preços finais da energia para os consumidores. Simplificar e racionalizar o sistema tributário pode ajudar a reduzir esses custos.
Além dos impostos, os consumidores também pagam tarifas pela utilização do sistema de transmissão (TUST) e distribuição de energia elétrica (TUSD). Essas tarifas são regulamentadas e incluem custos de operação, manutenção e expansão da infraestrutura, como já citado anteriormente.
Os encargos, tais quais a CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) e a CCC (Conta de Consumo de Combustíveis), representam uma parcela significativa do custo total da energia elétrica no Brasil. Eles são cobrados dos consumidores e das empresas como parte da conta de energia e são destinados a diversos fins, incluindo o financiamento de programas sociais, investimentos em infraestrutura energética e custos regulatórios.
Aqui estão alguns dos principais encargos e sua importância relativa:
Conta de Desenvolvimento Energético: A CDE é um fundo de natureza contábil, instituído pela Lei 10.438/2002, com o objetivo de custear, pelo período de 25 anos, a universalização do serviço de energia elétrica, o desenvolvimento energético dos estados e a competitividade de fontes de energias renováveis e o carvão mineral nacional. A CDE conta com fontes de recursos públicos e dos consumidores de energia elétrica. O aumento do total de despesas da CDE nos últimos anos, somado à queda da participação da União na composição do orçamento, elevou o custo para os consumidores, que passaram a arcar quase que completamente com as despesas. Em 2017, o custo dos subsídios da CDE para os consumidores respondeu por 9,3% da tarifa média nacional de energia elétrica.
Conta de Consumo de Combustíveis: a CCC é um encargo pago por todos os agentes de distribuição e transmissão de energia elétrica para subsidiar os custos de geração de energia dos Sistemas Isolados. Foi criado pela Lei Nº 5.899/1973, inicialmente com o objetivo de rateio dos custos com combustíveis utilizados no Sistema Interligado Nacional – SIN, mas desde 1992 é utilizado para cobrir os custos de combustíveis apenas do Sistema Isolado.
Em suma, as políticas energéticas adotadas pelo governo têm um impacto significativo nos custos e na disponibilidade de energia elétrica. Decisões relacionadas à diversificação da matriz energética, incentivos para fontes renováveis, regulação de preços e investimentos em infraestrutura são fundamentais na definição dos custos de energia no custo, médio e longo prazo. Além da carga tributária, obviamente.
A estabilidade e previsibilidade do ambiente regulatório são importantes, na verdade essenciais, para atrair investimentos e promover o crescimento do setor energético de forma a garantir a confiabilidade do sistema e a modicidade tarifária. Mudanças frequentes nas políticas e regulamentações criam incertezas para as empresas e investidores, afetando negativamente os custos e a disponibilidade de energia.
Portanto, as políticas governamentais e regulamentações desempenham um papel fundamental na determinação dos custos e na operação do setor elétrico no Brasil. Um ambiente regulatório claro, estável e favorável ao investimento, é essencial para garantir a eficiência, competitividade e sustentabilidade do setor energético.
Sobre o autor
Frederico Carbonera Boschin é Diretor Executivo da Noale Energia e Sócio da Ferrari Boschin Advogados. Conselheiro da ABGD; Conselheiro Fiscal do Sindienergia RS e Professor do Curso de MBA da PUC/RS, UCS/RS e PUC/MG.