A inspiração do título deste artigo vem do livro “Por que as nações fracassam”, ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2024, dos autores Daron Acemoglu e James A. Robinson. Para quem ainda não percebeu, o mundo está vivenciando um momento de grande vulnerabilidade aos eventos climáticos extremos, como o que vimos no dia 11 de outubro de 2024, data em que mais uma tempestade atípica provocou severos danos à rede de distribuição elétrica de São Paulo. Cerca de 1,6 milhão de brasileiros ficaram às escuras, milhares por mais de 5 dias. Não foi a primeira e nem será a última, como venho alertado, baseado em estudos como o da Enterprise Apps Today, que destaca o aumento de inundações no mundo em mais de 134% nos últimos 22 anos.
Nesses mais de 30 anos trabalhando com o setor elétrico, este talvez seja o momento mais crítico para discutirmos seriamente sobre como podemos melhorar a resiliência das nossas redes de distribuição elétrica, a curto, médio e longo prazo.
No curto prazo, entendo que podemos tomar duas ações para mitigar esses problemas. A primeira delas seria por parte das concessionárias de energia. Além de dedicar especial atenção à manutenção dessas redes, essas empresas, em conjunto, deveriam adotar planos de contingência bem articulados, inclusive com colaboração mútua entre concessionárias do mesmo ou de outros estados, para lidar com as consequências desses eventos e restabelecer a energia para os cidadãos o mais rápido possível, garantindo a segurança de todos.
Outra alternativa de curto prazo para mitigar os efeitos dos cortes de energia pode ser tomada pelos próprios consumidores. É o que a NBR 5410:2004 chama de fonte de reserva de energia. Clientes residenciais, comerciais e industriais podem prever soluções de contingência para a falta de energia pública, como geradores a diesel e fotovoltaicos, além do armazenamento de energia por bateria.
Mas e no longo prazo? Bem, sempre que um novo evento climático provoca danos severos à rede elétrica brasileira, afetando diretamente os consumidores, muitos especialistas surgem para falar sobre o custo das redes subterrâneas. Para a grande maioria dos profissionais que se posicionam sobre o assunto, elas chegam a ser 10, 15 ou até 20 vezes mais caras do que as redes aéreas.
Hoje, as configurações das redes subterrâneas mais conhecidas são:
– A rede radial simples, caracterizada por ter apenas um caminho de alimentação das cargas;
– A rede reticulada, também conhecida como network, que conta com mais de um caminho para alimentação das cargas.
Além disso, é possível prever transformação diretamente enterrada no solo, parcialmente enterrada ou até mesmo no nível do solo.
Mais recentemente, soube também de uma solução interessante chamada Ground-Level Distribution System (GLDS). A alternativa surgiu como resposta para os casos em que tornar os circuitos subterrâneos era tecnicamente inviável no programa ambicioso de enterramento de linhas da concessionária americana PG&E.
O GLDS utiliza bandejas de polímero moldadas que mantêm os conduítes dos cabos fixos enquanto o concreto geopolimérico, especialmente desenvolvido para este fim, é aplicado. Esses materiais são não metálicos, porém são retardantes de chamas, garantindo proteção contra eventos como incêndios florestais, além de oferecerem resistência contra danos mecânicos, o que é crucial para um sistema instalado na superfície do solo.
Dito isso, quando falamos que a rede subterrânea é 10 ou até 20 vezes mais cara do que a rede aérea, o que, exatamente, estamos comparando? Uma rede subterrânea reticulada com uma rede aérea convencional? Se as discussões sobre enterrar linhas críticas de distribuição elétrica continuarem girando em torno de informações desatualizadas e sem parâmetros como essas, nunca sairemos do lugar representado no gráfico abaixo:
Entendo que, para aumentarmos o percentual das redes subterrâneas no Brasil a fim de enfrentar os estragos causados durante eventos climáticos extremos, precisamos desenvolver padrões com arranjos específicos e critérios técnicos muito bem definidos para a ampliação das redes subterrâneas. Além disso, a ANEEL, juntamente com as concessionárias, poderia coordenar um plano decenal de enterramento de redes no Brasil e, paralelamente, o governo poderia promover uma desoneração tributária sobre equipamentos, materiais e serviços relacionados à implementação dessas infraestruturas, reduzindo então os custos associados às obras. Só assim, teríamos um horizonte mais promissor pela frente.
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Sobre o autor:
Daniel Bento é engenheiro eletricista. Membro do Cigré, onde representa o Brasil em dois grupos de trabalho sobre cabos isolados. É diretor executivo da Baur do Brasil | www.baurbrasil.com.br