Após RN nº 414 da Aneel, as prefeituras tornaram-se responsáveis pela gestão de seus ativos de IP. Diante deste desafio, muitas administrações optaram pela PPP, alternativa que terceiriza a responsabilidade à empresa privada
Em 31 de dezembro de 2014 terminou o prazo estabelecido pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), por meio do artigo 218 da Resolução Normativa nº 414, para que as distribuidoras de energia elétrica transferissem os ativos de iluminação pública (IP) às prefeituras municipais. Desde então, e até antes do tempo limite – já que a resolução foi publicada em setembro de 2010 – muitas prefeituras entraram com liminares na justiça para que os ativos não fossem transferidos, continuando sob responsabilidade das distribuidoras. A maioria, contudo, cumpriu à risca a norma e se viu, de maneira até repentina, diante do desafio de gerir o parque de iluminação pública dos municípios sob sua administração, o que significa realizar a modernização, a manutenção e a expansão do sistema.
Neste cenário, ganhou força a Parceria Público Privada (PPP), tipo de contrato de prestação de obras ou serviços não inferior a R$ 20 milhões, com duração mínima de cinco e máxima de 35 anos, realizado entre empresa privada e o governo federal, estadual ou municipal. Para as prefeituras, a PPP mostra-se bastante atrativa, já de saída, porque terceiriza a responsabilidade para a iniciativa privada, que, teoricamente, conta com mais experiência para desenvolver tal atividade, passando também os investimentos e a busca por financiamento às empresas.
Não à toa, diversas prefeituras iniciaram o processo de licitação para estabelecer uma PPP de iluminação pública em seus municípios. Entre os quais, a cidade de São Paulo, que lançou em abril de 2015 o edital de licitação da PPP, visando a modernização, otimização, expansão, operação e manutenção da infraestrutura da rede de iluminação pública do município. O prazo estipulado pela parceria é de 20 anos, com previsão de que sejam investidos aproximadamente R$ 7,2 bilhões, recursos pagos com a economia gerada pela nova tecnologia. O vencedor da concorrência terá de trocar as lâmpadas a vapor de sódio ou mercúrio por lâmpadas de tecnologia Led nos primeiros cinco anos de contrato. De acordo com a Prefeitura de São Paulo, a parceria possibilitaria a redução em 50% do custeio de energia elétrica, que deveria cair de R$ 15 milhões para R$ 7,5 milhões.
No momento, porém, a PPP está suspensa até que o Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCM) delibere sobre a disputa travada entre os dois consórcios concorrentes, o FM Rodrigues/ CLD e Walks, formados pelas empresas Alumini e WTorre. O TCM questiona as garantias financeiras apresentadas pelo consórcio Walks que já foram aceitas pela Prefeitura. A licitação havia sido suspensa inicialmente em maio deste ano, pelo TCM, e posteriormente liberada pela Justiça no dia 2 de novembro, fazendo com que a prefeitura marcasse a abertura dos envelopes com as propostas no dia 18 de novembro. Contudo, no dia 14 de novembro, o Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo voltou a suspender o processo licitatório.
Serviço de iluminação pública no Brasil
O advogado especialista em Direito do Ordenamento, Urbanismo e Ambiente, sócio do escritório de advocacia Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques, Wladimir Antonio Ribeiro, afirma que, a despeito da Resolução Normativa nº 414, o serviço de IP já era, segundo a Constituição Federal, de responsabilidade do município. Ou seja, em parte do país, o serviço já era prestado pelo próprio município, através de seus servidores ou por contratos regidos pela Lei 8666/93, que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública. Em muitos outros municípios, porém, com ou sem contrato, o serviço era prestado pelas distribuidoras de energia elétrica.
Independentemente da forma como era realizado o serviço, o município era quem custeava. “No caso das distribuidoras, era apresentado ao município fatura com o gasto com energia e, ainda, com os serviços de manutenção e instalação/troca de lâmpadas e de luminárias”, conta Ribeiro. Conforme o advogado, os municípios, incomodados com esta situação, e a fim de viabilizar o pagamento, instituíram, na década de 1990, taxas específicas para custear os serviços de iluminação pública, que eram cobradas no carnê do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) ou na fatura de energia elétrica.
A taxa, contudo, foi considerada inconstitucional. Ribeiro explica que taxa é uma exigência financeira pessoal e individual, o que não era o caso do tributo de iluminação pública, já que a luz do poste pode ser usufruída por qualquer pessoa. Descontentes, os municípios se mobilizaram e conseguiram que, em 2002, fosse editada a Emenda Constitucional nº 39, que inseriu o art. 149-A na Constituição Federal, prevendo a contribuição pelo serviço de iluminação pública e a possibilidade de dita contribuição ser cobrada na fatura de consumo de energia elétrica. “Assim, a questão da receita vinculada ao serviço ficou equacionada”, diz.
Concomitantemente, relata o especialista, a Aneel, que regula a atividade das distribuidoras, mostrou-se indisposta com estas empresas, concessões federais, prestando serviços de esfera municipal (gestão do parque de IP). Conforme Ribeiro, foi detectado ali também um conflito de interesses, já que a saúde financeira das distribuidoras vem do consumo de energia elétrica. Dessa forma, não seria proveitosa para elas investir na modernização do parque de iluminação pública, apostando em tecnologias cujo objetivo principal é reduzir o consumo. Ante este impasse, surgiu a Resolução Normativa nº 414.
Com a obrigação da devolução dos ativos e a instituição da contribuição foram criadas as condições para que os municípios assumissem de vez a responsabilidade pelo gerenciamento do parque de iluminação pública. Junto às condições, despontaram os desafios, como o de escolher o modelo de gestão de serviço, que pode ser feito de três maneira. A primeira é prestação mediante contrato de PPP (já mencionada). A segunda é a prestação direta (pelo próprio município), em que a prefeitura realiza um concurso público para contratar os funcionários que realizarão os serviços e abre licitação para compra dos equipamentos. Por fim, a prestação direta com forte terceirização, mediante contratos de prestação de serviços regidos pela Lei 8.666/93. Esta última é uma mera prestação de serviço, com a prefeitura pagando mensalmente o contratado.
Segundo Ribeiro, cada um destes modelos pode ser executado pelos municípios, isoladamente, ou através de consórcios públicos intermunicipais.
O especialista em Direito do Ordenamento, Urbanismo e Ambiente acredita que o modelo de PPP seja o melhor para os municípios, pois, em sua opinião, é o único que permite a amortização de investimentos para a imediata modernização do parque de iluminação pública. Ribeiro explica que o segmento de iluminação está sendo atravessado por um período de transformação tecnológica, capitaneado pelo Led, que é muito mais eficiente se comparado a outros tipos de lâmpadas. Levando em consideração que os equipamentos de iluminação pública das cidades brasileiras são obsoletos e necessitam de uma troca completa, o Led geraria uma economia de energia considerável, que “pode ser suficiente para custear os investimentos necessários para a troca do parque de IP, tornando o serviço de melhor qualidade e bem mais barato”.
Para Eduardo Werneck, engenheiro e gerente de Negócios da Promon Engenharia, empresa de engenharia que fornece soluções de infraestrutura, o modelo de PPP também é o mais interessante, já que permite a realização de contratos mais longos (20 a 30 anos) e abre a possibilidade para que não se dependa exclusivamente dos recursos públicos dos municípios. “Há possibilidade de modelar a PPP de forma que haja contrapartida à empresa privada, de modo que esse prestador obtenha receitas acessórias”, destaca Werneck.
Algumas características do parque de iluminação pública e das novas tecnologias que podem nele ser implantadas propiciam que o negócio fique bem mais atrativo para as empresas privadas. Para Werneck, a iluminação pública se distribui pela cidade inteira e o Led, além de mais econômico que as outras lâmpadas, apresenta tecnologia que permite a coleta de informações do ambiente, tais como dados referentes à segurança pública, ao tráfego de veículos, ao monitoramento do consumo de energia, e às condições da rede elétrica. Essas duas particularidades abrem espaço para que as empresas utilizem os ativos para diversos fins. “Trata-se de um ativo de informações valioso, que pode ser monetizado e utilizado para realizar a modelagem da PPP”, diz.
O Led também propiciaria às empresas coletar e analisar dados relativos ao próprio funcionamento do parque de iluminação. Dessa forma, conforme o gerente da Promon, se a PPP de iluminação pública for bem desenhada, será possível estabelecer no contrato, indicadores de qualidade de serviços atrelados à remuneração, com diferentes incentivos à melhoria da qualidade de serviço. Ou seja, diferentemente do que ocorre no modelo de contrato estipulado pela Lei 8.666/93, no qual a empresa contratada recebe apenas pelo serviço prestado, a concessionária vencedora da licitação seria remunerada também pela melhoria dos índices de qualidade.
Segundo Werneck, não obstante as vantagens, o modelo de PPP levanta algumas questões, como o fato de que somente municípios maiores podem ter acesso a ela. “A PPP, por definição tem que ser de determinado porte”, diz o gerente de negócios da Promon, destacando a não possibilidade de fazer uma micro PPP, com valores de contratos inferiores a R$ 20 milhões. Nesse sentido, acabam ficando excluídos deste modelo municípios pequenos, com população inferior a dez mil habitantes. De acordo com Werneck, a melhor solução para estes municípios seria negociar junto às distribuidoras de energia elétrica ou prestadores de serviços regionais a contratação direta de serviços de operação e manutenção de iluminação.
Dos municípios com população superior a dez mil habitantes, outros tantos necessitam fortalecer suas finanças públicas ou se organizar em grupos regionais para viabilizar contratos, e poucos já apresentam grandes oportunidades e maturidade para a implantação de PPPs. Entretanto, todos necessitam de um certo arranjo institucional para que a PPP consiga ser gerida de modo eficiente. “Os municípios precisam ter uma legislação própria para isso, estar amadurecidos, com governança para desenvolver uma PPP. Isto leva tempo, demanda recurso, precisa ser sustentado por várias gestões”, afirma. Além disso, contratos que vislumbram a coleta de dados relativos à segurança pública, controle de tráfegos, etc., apresentam um grau maior de complexidade, necessitando um acordo entre várias esferas administrativas do município.
O professor da Escola de Engenharia da Universidade Federal Fluminense (UFF), Marco Aurélio Cabral Pinto, traz o debate em relação às PPPs para o âmbito da Contribuição de Custeio de Iluminação Pública, pois é ela que irá, de uma forma ou de outra, bancar os investimentos na gestão, manutenção e modernização do parque de iluminação pública dos municípios. O docente realizou um estudo no qual mapeou os municípios que possuem a contribuição. De acordo com o documento, dos 5.565 municípios analisados, somente 2,8 mil cobram o tributo e um pouco mais de 1.250 mostram viabilidade econômico-financeira para atrair empresas interessadas em participar de uma PPP. Ou seja, mesmo entre as cidades que têm a contribuição há tempos, é necessário que os recursos obtidos por meio dela sejam suficientes para pagar as contas de manutenção e ainda sobrar. “O investimento privado só irá se interessar caso houver retorno”, afirma Pinto.
O ponto mais relevante deste assunto, conforme o professor da UFF, é a forma como se percebe a segurança do fluxo de caixa da empresa. No modelo de PPP, o fluxo de caixa depende do município, pois é através da contribuição que o município irá pagar à empresa responsável por gerir o parque de iluminação pública. Dessa forma, a prefeitura controla os recursos da maneira que acha melhor, podendo reter os ganhos. “Sugerimos que se estenda o modelo de concessão para o investimento de iluminação pública. E este modelo não seria o de PPP, mas o de concessão regular”, explica.
Na atualidade, a contribuição de custeio de iluminação pública é arrecadada pela concessionária de distribuição em nome do Poder Público por meio da conta de energia elétrica. Posteriormente, os recursos são repassados para a prefeitura municipal. No novo modelo, que seria de concessão normal e não de PPP, a distribuidora celebraria acordo diretamente com as empresas privadas contratadas para gerir os ativos de iluminação. “Desse jeito, a contribuição não passaria pela prefeitura, indo direto da distribuidora para a concessionária responsável pela gestão da IP”, argumenta.
Revitalização do parque de iluminação pública de Belo Horizonte
Entre os municípios brasileiros que objetivam gerir os ativos de iluminação pública via PPP, a cidade de Belo Horizonte, no Estado de Minas Gerais, é um dos que já finalizaram o processo de licitação, tendo assinado contrato com o vencedor no dia 13 de julho deste ano. O consórcio IP Belo Horizonte foi o responsável pela melhor proposta, tendo requerido R$ 4.158.076,00 como valor da contraprestação mensal, ante o valor máximo previsto no edital de R$ 6.151.000,00.
O contrato terá a duração de 20 anos, com valor estimado de R$ 1,4 bilhão. O consórcio ganhador será responsável pela prestação dos serviços de iluminação pública, incluídos o desenvolvimento, modernização, ampliação, eficientização energética, operação e manutenção da Rede Municipal de Iluminação Pública. Pelo edital, o IP Belo Horizonte terá que executar a troca de todas as luminárias pertencentes ao parque de iluminação pública do município no prazo de cinco anos, contados a partir do momento que a prefeitura aprovar um plano de transição que será proposto pelo consórcio. O edital prevê também uma redução de 45% do consumo de energia de Belo Horizonte no final dos cincos primeiros anos de contrato.
A consulta pública do processo de licitação ocorreu entre outubro e novembro de 2015 e o edital foi publicado em janeiro de 2016. Para estruturar o modelo de licitação foi realizado um Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI), que aproveitou os estudos de viabilidade da Estruturadora Brasileira de Projetos S/A (EBP). Para isso, a empresa recebeu aproximadamente R$ 5 milhões.
Além do Consórcio IP Belo Horizonte, formado pela Construtora Barbosa Mello S.A., Construtora Remo Ltda., Planova Planejamento Construções S/A e Selt Engenharia Ltda., participaram da licitação: o Consórcio FM Rodrigues/Brasiluz/Conasa/Urbeluz-BH, constituído pela FM Rodrigues Ltda., Brasiluz Eletrificação e Eletrônica Ltda., Companhia Nacional de Saneamento (Conasa) e Urbeluz Energética S/A.