Uma rápida busca na Internet e centenas de artigos e informações sobre os perigos causados pela utilização de sistemas não convencionais de proteção contra descargas atmosféricas surgem em nossas telas. Isso porque um imbróglio relacionado à tecnologia ESE, da sigla Early Streamer Emission, tem tomado o centro das discussões aqui no Brasil. Há informações dando conta de que o para-raios com dispositivo de ionização não tem eficiência comprovada. De outro lado, há o grupo que acredita na funcionalidade e utilização do captor ESE.
Devido a essa discussão, surgiu uma demanda da sociedade junto à ABNT – Associação Brasileira de Normas e Técnicas, para a criação de um grupo, com o intuito de tratar desses captores ionizantes, especificamente do captor com emissão antecipada de líder.
Para ouvir a opinião de diferentes segmentos acerca do assunto, a revista O Setor Elétrico traz, nesta edição, uma série de entrevistas voltadas para Deram sua opinião especialistas em suas áreas de atuação (pesquisa, projeto e comercialização), bem como usuários contratantes de proteção contra descargas atmosféricas (PDA).
As entrevistas foram conduzidas pelo engenheiro eletricista e especialista em proteção contra descargas atmosféricas, Jobson Modena, diretor da Guismo Engenharia e colunista da OSE. Atualmente, Jobson coordena a comissão que revisa o texto da NBR 5419, norma brasileira relacionada à proteção contra descargas atmosféricas.
Cabe informar que as opiniões manifestadas por cada segmento durante a entrevista são pessoais e não refletem, necessariamente, a opinião deste veículo de comunicação.
Vamos abrir a série de entrevistas com o professor doutor Hélio Sueta, secretário da comissão que revisa o texto da NBR 5419 e relator do grupo criado para tratar do assunto relacionado aos captores ESE. Sueta é engenheiro, mestre e doutor pela escola politécnica, Instituto de Energia e Ambiente. Atua na divisão de planejamento e análises de desenvolvimento energético do IEE-USP.
Jobson Modena – Como você compreende a questão dos captores ESE em relação à normalização nacional?
Hélio Sueta – Em relação à normalização nacional: a versão 2015 da 5419 não contempla qualquer tipo de captor que proporcione maior volume de proteção do que aqueles calculados pelos três métodos normalizados (ângulo de proteção, malhas e esfera rolante) ou então que iniba o raio. Alguns fabricantes desse produto procuraram a ABNT, e solicitaram que fosse estudada a possibilidade de se fazer uma norma nacional desse produto ou que ele fosse validado no texto da própria NBR 5419. A comissão recebeu essa demanda e criou o grupo de trabalho, denominado GT-9. Atualmente o grupo está estudando como funcionam esses captores para responder à ABNT. Até a versão de 2005 nós não tínhamos nenhuma possibilidade de utilização, inclusive a norma era bem mais restritiva, chegando a proibir os elementos não convencionais. Com relação à versão 2015, ao contrário do que se vem apregoando, embora não proíba, pois essa não é a função de uma norma técnica, ela não permite a utilização. Portanto, não há no Brasil, sistema não convencional normalizado.
Jobson Modena – Quais seriam os benefícios que o GT-9 pode trazer para a sociedade em relação ao desenvolvimento desse estudo?
Hélio Sueta – Acredito que o fato de estudar e elucidar a tecnologia. Não que ela seja uma tecnologia moderna, já existe há muitos anos, como evolução do para-raios radioativo, um dos primeiros captores não convencionais. Esse sim teve seu uso proibido aqui no Brasil através de lei e portaria publicada em diário oficial. O que o GT-9 está fazendo é esmiuçar tecnicamente esse produto, estamos realizando reuniões em que os fabricantes explicam sobre o funcionamento do produto, respondem às perguntas e debatem a técnica envolvida. Convidamos cientistas renomados, principalmente nessa área da formação das descargas atmosféricas, para também fazer apresentações e no fim temos como meta chegar a um texto mostrando as conclusões de todo esse trabalho.
Jobson Modena – No GT-9, existem duas correntes de pensamento, uma favorável e uma contra a tecnologia. A essas vertentes está sendo dado o mesmo espaço para que elas apresentem todos os seus argumentos técnicos. Depois desses argumentos técnicos então apresentados, o grupo, como um todo vai desenvolver um documento para devolver isso à ABNT como forma de resposta àquela demanda?
Hélio Sueta – Isso mesmo. Existem os membros permanentes do grupo, mas as até final de maio as reuniões serão abertas a qualquer pessoa que participe da comissão de proteção contra descargas atmosféricas, CE 064.10, pelo menos como ouvinte. Há esses grupos com cinco pessoas de cada lado e, de forma otimista, esperamos que em algum momento não tenhamos mais essa divisão. Se não conseguirmos o consenso em função de documentos e discussões, vamos tentar propor pesquisas que tenha um fundamento técnico forte para verificar empiricamente se o produto funciona ou não. Entendo que esta pode ser uma segunda etapa do trabalho que envolva estatística ou ensaios em laboratório, alguma coisa complementar que ajude a conclusão.
Após tudo isso vamos apresentar os resultados a vários cientistas em congressos internacionais, onde se possa determinar se houve fundamento no que fizemos. Isso feito prepararemos um documento e o apresentaremos à ABNT como resposta.
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Danilo Ferreira de Souza, engenheiro eletricista, doutorando em eficiência energética – participa ativamente dos estudos de proteção contra descargas atmosféricas, atuando na comissão de estudos que revisa o texto da NBR 5419. Danilo é professor na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), onde fez a graduação. É especializado em energia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e tem mestrado em Energia pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, faz doutorado também na USP, cujo tema central é eficiência energética.
Jobson Modena – Na sua opinião, no que o avanço da divulgação da proteção contra descargas atmosféricas, seja em relação a normas, seja em relação a congressos e outras atividades, tem contribuído para minimizar os riscos oferecidos pelos raios? O que poderia ser melhorado?
Danilo de Souza – Eu acho que a melhoria já tem acontecido. Nós apresentamos um trabalho em outubro do ano passado, no ICLP (International Conference on Lightning Protection), onde mostramos uma análise, com base nos dados colhidos junto ao Datasus, de acidentes envolvendo raios. Fizemos uma base de dados entre 2010 e 2020 a partir dessas informações. Nós mostramos que, em 2010 só pelo Datasus, não envolvendo outras fontes, o sistema brasileiro de saúde registrou 0,39 mortes por raios por milhão de habitantes.
A queda foi expressiva: em 2020, onze anos depois, fomos de 0,39 para 0,28, ou seja, houve uma redução significativa, pois enquanto a população e o número de raios aumentaram, o número de mortes caiu. Temos atribuído isso a diversos trabalhos de divulgação científica, a matérias jornalísticas, ao trabalho dos integrantes da CE 64.10 frente à NBR 5419. Por essa fonte de dados, temos mostrado que os acidentes com raios têm diminuído, nesse sentido, e esse bojo de possibilidades tem afetado a divulgação, os trabalhos, a norma. Acredito que é importante continuar esse trabalho de aperfeiçoar normas e de realizar a divulgação intensa, para que possamos tentar zerar esse número futuramente.
Jobson Modena – Você entende que essa divulgação atinge mais os usuários de norma, os técnicos que vão trabalhar na proteção contra descargas atmosféricas nos mais diferentes nichos, ou irá atingir o “cara comum”, o não-técnico, aquele que irá usufruir da proteção criada pelos técnicos? Para qual grupo essa informação será mais efetiva?
Eu tenho dificuldade para dizer para qual grupo é mais importante, talvez comentar a diferença para cada um. A divulgação para eletricistas, projetistas e técnicos é de suma importância, uma vez que eles são os profissionais que elaboram os projetos e instalam sistemas. Divulgar para esse público profissional a questão das melhorias dos materiais e equipamentos, o rigor com o projeto e com a execução ajuda muito a proteger as edificações, contudo, é preciso também uma outra fonte de divulgação atuando com o leigo, pois ainda existem muitos mitos sobre raios, como “onde cai uma vez, não cai mais”, “se você usar tal pedra no pescoço estará protegido” etc. Acredito que, neste caso, a divulgação científica para o leigo seria feita com ajuda da mídia. Temos também que utilizar as tecnologias de informação – como as redes sociais e mensagens de texto da Defesa Civil para nos ajudar.
Tendo isso em vista, não consigo dizer para qual grupo essa divulgação se faz mais importante, mas acredito que ela deve abranger essas duas frentes: o leigo e o profissional técnico.
Jobson Modena – Partindo para o assunto motivo desta entrevista, qual é a sua opinião sobre captores ESE comparados aos sistemas convencionais? Poderia traçar um paralelo, dentro das suas convicções, abrangendo o que considera ser mais ou menos interessante sobre essa tecnologia?
Danilo de Souza – Na minha opinião, toda discussão sobre os perigos dos raios e a possibilidade de danos severos às pessoas, ao patrimônio e à produtividade é bem-vinda. Antes de falarmos sobre essa tecnologia alternativa em particular, é importante ressaltar que novas tecnologias também são sempre bem-vindas, desde que realmente funcionem. Nos eventos que participo e em minhas leituras sobre o tema, enfatizando que não sou pesquisador desta área, mas consigo, com muita atenção, ler e entender os trabalhos nela desenvolvidos, tenho observado que a proteção não-convencional (incluindo os captores ESE, DAS e o CTS) é um tópico frequentemente discutido em fóruns e congressos. Nestas discussões, tenho percebido que essa questão da captação não-convencional é tida como algo superado, do ponto de vista científico.
Busco informações com as maiores referências nesta área, e é clara a constatação de que não há evidências de funcionamento desses sistemas. Os pesquisadores não têm mais esse tema como um problema para pesquisa, mas sim como uma questão superada. Vejo isso muito mais como uma questão de mercado.
Precisamos pesquisar formas de melhorar a proteção convencional e, eventualmente, desenvolver dispositivos que possam efetivamente funcionar. Não é uma questão de ser conservador ou não, e sim de observar o que dizem as discussões relevantes do meio científico. Isto posto, o que observei até agora é o suficiente para que eu possa formar uma opinião até este momento. Não estou convencido de que esses sistemas não-convencionais são eficientes na proteção contra raios, eles operam como um outro captor qualquer.
Jobson Modena – Você entende que divulgar a discussão acerca dos captores ESE para o público em geral é um caminho efetivo?
Danilo de Souza – Percebo que a compreensão acerca deste tema é difícil até mesmo para quem é técnico na área e, por isso, acredito que essa informação não seja útil para leigos. Penso que a pauta deve ser voltada para os técnicos, que deveriam se informar através do que se tem produzido de pesquisa nesta área.
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Benjamin Cheval, country manager na Indelec do Brasil. Benjamin representa um dos fabricantes dos captores ESE no Brasil. Participa das reuniões da CE 64.10 e do GT-9.
Jobson Modena – Qual é a sua opinião sobre o mecanismo relacionado à normalização nacional? Quais seriam os pontos principais de melhoria desta condição?
Benjamin Cheval – Antes de participar da ABNT, a Indelec já participava há décadas nos diversos níveis de normalização a nível internacional na IEC, onde temos representante, além de outros comitês. Por isso, sabemos o quanto o processo de normalização é, ao mesmo tempo, moroso e fundamental para a evolução de um país e da sociedade como um todo.
O objetivo da normalização é promover a boa técnica aos usuários das normas e, ao mesmo tempo, garantir a segurança da população. Contudo, é possível haver melhorias nesta padronização. Infelizmente, no caso de algumas comissões, como é o caso da comissão para proteção contra descargas atmosféricas, a sociedade e seus consumidores ainda são pouco representados, o que é um erro, uma vez que as normas são feitas também para eles.
Sem essa representação, existe o risco de haver decisões tomadas não apenas por justificativas técnicas (como deveria ser), mas também por interesses econômicos, ainda mais quando se trata de commodities, como é o caso do cobre. Isso acaba, consequentemente, beneficiando não a população, mas sim os fabricantes. Por isso, o melhor seria tentar estabelecer um grau maior de representatividade da população nas comissões, mas isso não é fácil.
Jobson Modena – Como a Indelec trabalha para popularizar o conceito do ESE?
Benjamin Cheval – Antes de querer “evangelizar” sobre uma determinada tecnologia, o primeiro passo é conscientizar a população de que ela precisa se proteger, para que, caso seja necessária uma proteção, ela tenha a opção de escolher entre diversos métodos, e não apenas um único método que vai ser imposto por alguém que tenha um interesse econômico agregado.
Falando de maneira técnica, existe o gerenciamento de risco, que permitirá estabelecer se uma determinada estrutura precisa ser protegida ou não e, se sim, qual será o nível de proteção. Baseado na necessidade de proteção, é preciso manter o nível de imparcialidade e mostrar para a pessoa que existem tanto os sistemas convencionais de proteção, com suas vantagens e desvantagens, e sistemas modernos de proteção, também com vantagens e desvantagens. Para tanto, é necessário elaborar uma especificação técnica que leve em conta as demandas do cliente para, eventualmente, optar por esse sistema moderno de proteção. Nós da Indelec nunca iremos responder a uma demanda de proteção já apresentando, especificamente, esse sistema.
A preconização será o resultado desse trabalho de conscientização, gerenciamento de risco e especificação técnica baseada no que o cliente achar melhor. Não podemos nos esquecer que, mesmo que tenhamos interesse em divulgar essa tecnologia, há muitos fatores a serem considerados, como o econômico e o técnico.
Jobson Modena – Como você sabe, existe um grupo técnico de trabalho dentro da comissão que vem sendo utilizado como ferramenta para viabilizar tecnicamente o assunto, não só para os membros da comissão, como também numa tentativa de esclarecer de uma vez por todas a coletividade. Na sua visão, o que esse grupo tem feito para atingir esse objetivo?
Benjamin Cheval – Ninguém é dono da verdade, todos nós devemos que estar abertos para o debate técnico. O que temos feito, falando especificamente do GT 9, é trazer o que entendemos ser bom, ou seja, o que entendemos já ser aceito e já funcionar, mas também estamos dispostos a escutar o lado contrário, que pode ter dúvidas ou até mesmo queixas. Cabe a nós saber responder, diminuir essas dúvidas e convencê-los do contrário. Como isso é possível? Primeiramente, através de documentos normativos existentes. Para tanto, podemos aproveitar a experiência de países que já adotam essa medida para entender como se dá, na prática, a aplicação do que tais documentos mencionam. Como um segundo passo, podemos entrar em uma fase um pouco mais científica e tentar procurar uma validação empírica, que basicamente é a mesma utilizada pelos sistemas tradicionais de proteção. Uma proposição que pretendemos trazer para a comissão é a realização de estudos e levantamentos estatísticos similares aos já feitos em outros países, como Cuba, Malásia, França e Espanha. O raio é o mesmo em qualquer país, o que pode variar é a densidade de descargas atmosféricas. De todo modo, fazer esse levantamento estatístico no Brasil seria um pouco mais representativo para a sociedade brasileira. Como já citado, estamos cientes que este é um processo moroso, ou seja, não se cria uma norma da noite para o dia, sendo necessário antes realizar todo esse trabalho de estudo. Por isso, não temos medo de convidar profissionais, estrangeiros e brasileiros, para trazer seus pontos de vista em relação à tecnologia, ou até mesmo em relação a opiniões contrárias. Acredito que este é o único jeito de fazermos um trabalho bem feito.
Jobson Modena – Para você, quais são as vantagens e desvantagens comparativas entre sistemas de captação convencionais e sistemas ESE?
Benjamin Cheval – Resumindo em poucas linhas, captores convencionais como o Franklin se baseiam no mesmo conceito que Benjamin Franklin havia descoberto há 250 anos atrás. São condutores metálicos que vão se reaproveitar da concentração do campo elétrico, que encontramos em estruturas elevadas ou, de modo geral, em pontos elevados e pontiagudos. Eles são passivos e não controlam a emissão do líder ascendente. Por outro lado, para fazermos esse comparativo, o ESE é basicamente um Franklin acrescido de um dispositivo de ionização que foi desenvolvido há mais de 35 anos. Tal dispositivo é, basicamente, um circuito eletrônico. Dessa forma, a única diferença reside na captação, onde teremos uma antecipação na emissão do líder ascendente. O objetivo é ter uma conexão de maior altura com o descendente e, consequentemente, um maior raio de proteção. O que não podemos esquecer é que ambos os sistemas possuem as mesmas comprovações científicas, que já mencionamos aqui. Contudo, tal comprovação é essa validação experimental que venho citando. Hoje, já existe um número de instalações suficiente para podermos calcular estatisticamente a eficiência de cada sistema. Faço questão de mencionar a pesquisa de Cuba, realizada em 2021 pelo Comitê Cubano de Eletrotécnica e pela Agência de Proteção contra Incêndios. No estudo, fizeram um comparativo bem imparcial, em que analisaram 838 instalações de sistema tradicional, para chegar em um número de 0.6% de acidentes. Fizeram a mesma coisa com o sistema ESE, em uma quantidade maior, de 8.433 instalações, para chegar em um número de 0.23% de acidente. Ou seja: ambos os sistemas cumpriram a sua função e estão dentro dos parâmetros exigidos pelos níveis de proteção, inclusive no nível 1, o que não quer dizer nada mais do que 99% de probabilidade de captação do raio. Dito isto, podemos ter um comparativo imparcial, ou seja, onde preferimos aplicar o sistema tradicional? Pequenas superfícies, por exemplo. Quando a superfície é pequena, percebemos, pela experiência, que o investimento no sistema tradicional vai ser inferior ao do sistema moderno. Entre as estruturas maiores, quando não há a possibilidade de usar componentes naturais, a tendência é – estou sendo bem factual – que o sistema moderno acabe sendo mais competitivo. Contudo, quem tem a palavra final é quem vai assinar o cheque, não eu. Por fim, gostaria de concluir com uma pergunta: a partir do momento em que ambos os sistemas possuem a mesma comprovação científica, por que ainda há alegações de que o ESE não funciona?
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Paulo Edmundo Freire – Paiol Engenharia
Participante de várias comissões de estudos da ABNT. Hoje atuando mais nas comissões de aterramento. Já há muito tempo membro da comissão de proteção contra descargas atmosféricas. Tem doutorado em geociência pela Unicamp.
Trabalha com modelagem de solo e tem experiência com projetos de aterramento de maneira geral, instalações prediais, comerciais e industriais, além de sistemas de transmissão de energia, linhas de transmissão, usinas fotovoltaicas e usinas eólicas.
Jobson Modena – Qual a sua opinião sobre a normalização nacional, o que você entende como progresso na normalização nacional?
Paulo Edmundo Freire – Temos que falar pelas normas do setor elétrico. As nossas normas são muito boas, muito modernas. Eu tenho citado como exemplo a revisão da norma NBR 7117, cujo projeto participei de forma muito pessoal quando finalizei meu doutorado.
Jobson Modena – Em relação à proteção contra descargas atmosféricas, como você vê o avanço da NBR 5419:2015 e quais seriam suas sugestões para o texto final da revisão dessa norma?
Paulo Edmundo Freire – A NR 5419 era uma norma muito focada em SPDA, captação, descida e aterramento e quando veio a compatibilização com norma IEC 62305, e que passou a ter as quatro partes, ficou uma norma bastante completa. Particularmente, eu tenho uma implicância com a tal da análise de risco, pois penso que é um monte de “continha” que você faz, mas que eu não vejo ali… Porque a gente a priori já tem uma expectativa do que vai ser, no caso, da classificação que a gente vai dar à instalação. Eu acredito que essa análise de risco agrega pouco, ou quase nada. Temos certas práticas que sempre tomamos independentemente dela. No mais acho que a norma é excelente.
Jobson Modena – Quanto ao subsistema de captação, que trata dos captores não convencionais, mais propriamente os captores com emissão antecipada de líder, o ESE, qual seu posicionamento a respeito?
Paulo Edmundo Freire – Não sou estudioso desse assunto porque não vou perder meu tempo estudando coisas em que eu não acredito. Claro que tem gente que estuda e é importante que pessoas façam esse tipo de pesquisa e de estudo, até para fazer uma avaliação crítica. Mas como eu, na minha opinião pessoal, a minha avaliação sempre foi de que ele não funciona, então eu nunca investi meu tempo pra estudar uma coisa que eu acho que não funciona. O pessoal que fabrica e vende fala que é uma tecnologia nova, não é. A gente sabe que não é. O para raio ativo vem lá do começo do século passado. É uma ideia de mais de 100 anos que não vingou porque nunca conseguiu comprovar sua eficiência.
Eu tenho impressão que isso apareceu nos EUA porque lá é proibido proibir. Lá se você diz que funciona tal coisa você fabrica e vende. Se der algum problema a responsabilidade é sua. Essa é minha opinião. Mas eu não sou radicalmente contrário ao uso. Se ele for incorporado a um SPDA convencional, ele tem o seu valor. A usina fotovoltaica é aquele caso que não tem jeito. Ela está sempre com exposição aos raios e 100% de certeza que se cair um raio, algum prejuízo vai ter, vai ser inevitável.
Jobson Modena – A sua sugestão então, é que os captores ESE sejam utilizados como elementos complementares à proteção relacionada com a NR 5419?
Paulo Edmundo Freire – É isso mesmo. O captor ativo eu não acredito nele em princípio. Não acredito na forma como o pessoal apregoa o funcionamento dele. Mas nem por isso vamos condenar e tirá-lo do mapa.
É possível dar uma chance a ele como elemento complementar em uma instalação protegida de acordo com a norma 5419 ou naquelas situações onde a gente não tem condições de proteger, que pode ser uma planta fotovoltaica, mas há outras situações. Um exemplo é um museu ao ar livre. Em Inhotim, Minas Gerais, poderia ser colocado um para raio desses na esperança de diminuir a exposição da instalação às descargas atmosféricas diretas. Não confundir com essa afirmação que o ESE seja um elemento captor fabricado para proteção de áreas abertas, onde há pessoas, nesse caso vale a recomendação de que, se existe risco de queda de raio, as pessoas precisam ser retiradas.
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Alex Muzzi, diretor comercial da AT3w Brasil (Aplicaciones Tecnológicas – Lightning & Earthing). Engenheiro eletricista com MBA em Gestão de Negócios, Muzzi possui quase 30 anos de experiência em diversas empresas de engenharia.
Jobson Modena – Qual é a sua opinião sobre a normalização nacional?
Alex Muzzi – Já faço parte da comissão de proteção contra descargas atmosféricas há cinco anos, e considero um trabalho extremamente louvável essa dedicação de tempo de vários profissionais para esse propósito de normatização no país. Contudo, vejo que ainda temos muito a melhorar.
Considero que seria importante incentivar uma maior pluralidade do grupo. Percebo que as pessoas que integram a comissão, em sua maioria são empresas de engenharia, consultores ou fabricantes. Por isso, acredito que falta o lado do usuário, algo que deveríamos incentivar. Na minha rotina de trabalho, sempre convido pessoas a participar, devido à importância do tema e ao fato de precisarmos dessa pluralidade. Atualmente, o grupo é composto apenas pelo pessoal do “lado de cá”, ou seja, os que estão fornecendo.
Jobson Modena – Ainda nessa linha, gostaria de saber a sua opinião em relação aos avanços da normalização. Para você, tem havido progresso no que diz respeito à divulgação, tanto das normas propriamente ditas, quanto dos conceitos relacionados à proteção?
Alex Muzzi – Acho que tem melhorado, mas de uma forma muito voltada ao público técnico, digamos assim. Acredito que pecamos um pouco na comunicação com a maior parte da população que é leiga. Na minha opinião, é um ponto que precisa ser muito melhorado. Pode-se partir de ações como simplificar a linguagem e as comunicações, como foi o caso de uma animação elaborada pela Defesa Civil do Estado de São Paulo há alguns anos. Acho aquele vídeo fantástico, pois mesmo possuindo muitas simplificações, ele consegue falar a linguagem dos leigos. Meu pai, um senhor de quase 80 anos, ou o meu filho, de 15 anos, conseguiriam entender. Acredito que ficamos em um preciosismo de linguagem e de aspectos técnicos e acabamos pecando nesse quesito. Um outro ponto importante é o foco na proteção de pessoas em áreas abertas. Independente de formas de proteção, ou até mesmo da existência de sistemas de proteção em edificações, a pessoa está muito mais protegida em uma edificação, em uma casa ou em uma estação de metrô do que estando em área aberta.
Jobson Modena – Ou seja: você entende que a divulgação da 16785 também poderia ser incrementada, certo?
Alex Muzzi – Sim, poderia. Aliás, existe uma tendência muito grande no grupo da CE 64.10 em expressar “é a comissão da 5419”. Sou um dos que sempre fala “não, é a comissão de proteção contra descargas atmosféricas no país”, e atualmente, temos duas normas: a NBR 5419 e a NBR 16785.
Jobson Modena – Poderia traçar um paralelo entre a proteção provida por captores com um sistema considerado convencional e os não convencionais ou “ativos”, que particularizamos especificamente nos ESE?
Alex Muzzi – Nós, da Aplicaciones, trabalhamos com os dois sistemas, principalmente na Europa e em outras regiões do mundo, o que não ocorre no Brasil, pelo fato de não haver muito sentido trazer materiais sem tecnologia nenhuma embarcados da Europa para revender aqui. Mas, de fato, também somos fornecedores de sistemas convencionais.
Na minha visão, os dois sistemas oferecem uma proteção bastante adequada. A proteção através de sistemas convencionais vem de muito tempo, desde Benjamin Franklin, há mais de 250 anos, mas acabou sendo um sistema que se tornou bastante complexo. São muitos componentes e muito uso de condutor – principalmente o cobre que, a níveis mercadológicos atuais, está com o preço muito disparado. Dessa forma, pode se tornar inviável para determinados usuários terem condições de comprar um SPDA [Sistema de Proteção Contra Descargas Atmosféricas]. Isto ocorre principalmente em países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil.
Vejo o ESE como uma forma de conseguir reduzir – em alguns casos, significativamente – o valor de investimento de determinada estrutura, mantendo o mesmo nível de segurança. Não há nada de milagroso ou de “ciências ocultas” nesse captor. Há, na verdade, o resultado de pesquisas tecnológicas advindas de vários anos, comprovadas pela base instalada de, atualmente, mais de um milhão edificações protegidas com captores do tipo ESE.
Em síntese, considero que o “mundo convencional” e o “mundos dos ESEs”, em nível de proteção, são bastante equivalentes. Mas, além desse lado de democratização do uso de sistemas de proteção, o ESE também oferece uma maior amplitude de aplicações. Me refiro ao fato de que, como o ESE se torna um ponto controlado do impacto dentro da área que ele se propõe a proteger, conseguimos trabalhar com questões como, por exemplo, proteção de equipamentos. Um exemplo típico disso são as usinas fotovoltaicas, onde é feita a proteção do impacto do raio nos painéis solares sem criar sombreamento.
O ESE traz também um menor impacto estético. O pessoal da arquitetura não fica muito insatisfeito com o emaranhado de componentes advindos do sistema convencional e expostos em, por exemplo, uma edificação de determinado valor histórico.
Jobson Modena – Como você vê o mercado de ambos os produtos e quais seriam as perspectivas relacionadas?
Alex Muzzi – Como falei anteriormente, na minha visão, os dois sistemas oferecem proteção de forma bastante satisfatória, ambos com eficácia baseada em fatos empíricos, no uso e na observância de tal uso.
Vejo que o ESE promoveria uma democratização maior no uso desse sistema de proteção. Esse é um ponto bem importante, principalmente na camada mais carente da população, que muitas vezes fica totalmente exposta a esse risco devido à alta complexidade e custo de um sistema convencional.
Acredito que o caminho para nós no Brasil e em algumas outras regiões do mundo seja deixar a cargo dos usuários, dos projetistas e construtores a faculdade de escolher qual sistema vão optar. Muitas vezes, o sistema convencional realmente vai ser mais barato para edificações pequenas e casas isoladas. Vai caber a cada um optar pelo sistema que acredita fazer mais sentido e ter mais aderência à sua aplicação individual.
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Juberto Rocha, engenheiro de Segurança de Processos na Ternium, indústria siderúrgica do Rio de Janeiro com 10 km de comprimento e 4 km de largura – uma grande área suscetível ao impacto de raios. Juberto também é atuante no GT de NR 10 e participa, pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), do comitê de revisão da norma regulamentadora.
Jobson Modena – O que você, enquanto usuário, entende por “mercado de normalização da PDA” e qual é a sua opinião em relação à normalização da PDA no Brasil?
Juberto Rocha – Acho que esse é um assunto muito importante para o desenvolvimento das instalações, dos projetos que estão em andamento no Brasil e das empresas. Esse processo tem muito a contribuir para que as instalações estejam mais seguras.
A normalização é um requisito. Temos as normas regulamentadoras e a ABNT, sendo a primeira obrigatória por lei – o que não quer dizer que a ABNT não seja, até porque as regulamentadoras “chamam” a ABNT para dentro do seu texto. Isso faz com que nós, como profissionais, olhemos atentamente para esses documentos que norteiam os projetos. Enquanto usuário e consumidor de normas, sei a importância desse documento para os projetos.
Quando vamos discutir algum projeto ou realizar uma auditoria ou uma verificação em uma instalação, sempre iremos recorrer a uma norma ABNT ou uma regulamentadora, buscando continuamente a adequação daquele sistema e, principalmente, visando a segurança das pessoas que estão envolvidas naquele ambiente. Para mim, isso é algo que não pode ser desprezado por nenhum profissional.
Jobson Modena – Como os assuntos “proteção contra descargas atmosféricas”, “proteção contra surtos” e “proteção em áreas abertas” chegam até você? Você entende que essa divulgação é interessante, excessiva ou está abaixo do que poderia ser feito?
Juberto Rocha – Acho que ainda não é o adequado. Ainda temos uma lacuna muito grande entre o que é discutido dentro de um comitê normativo e o que as pessoas que são consumidoras de norma entendem e interpretam a partir disso ou, às vezes, nem consultam para executar um projeto.
Existe, de fato, uma lacuna a ser preenchida nos quesitos informação, divulgação, capacitação e treinamento dos profissionais e daqueles que, talvez, estejam contratando esse serviço. Os contratantes, por vezes, não desejam se envolver tecnicamente e muito menos saber detalhes de norma, talvez por não ser sua área de atuação. Contudo, ele quer um projeto seguro, adequado e dentro do orçamento. Por isso, é obrigação do profissional e da empresa que está executando o projeto conhecer e executar conforme a norma.
Em suma, no meu entendimento, realmente falta informação. Trazendo para a NR 10, cabe lembrar que, mesmo sendo uma norma muito mais divulgada a nível de empresa, por abranger todo o sistema elétrico, e não apenas a PDA, foi identificado pelo governo uma fragilidade de divulgação da norma, o que tem causado muitos acidentes e instalações inadequadas. Com isso, constatou-se a necessidade de ampliar a sua divulgação para todos os setores, de forma que todos conheçam, pratiquem e executem o trabalho conforme a norma preconiza.
Jobson Modena – Como e com qual frequência as informações referentes ao sistema de captação ESE em comparação com os sistemas convencionais chegam até você? Qual é a sua opinião relacionada a esses dois?
Juberto Rocha – Bom, o sistema convencional já é bem disseminado nas instalações e nos projetos. Já a tecnologia ESE vem, de um tempo para cá, sendo ofertada pelas empresas e acho bem interessante que seja, mas ainda assim existem alguns pontos que precisam ser esclarecidos sobre ela. Não estou dizendo que ela não seja adequada, apenas que ainda faltam alguns esclarecimentos técnicos sobre o bom funcionamento dessa tecnologia. Mas acho interessante.
Enquanto consumidor, já participei de algumas reuniões aqui na companhia com algumas empresas fornecedoras apresentando este produto. Na nossa empresa, ainda não temos nenhum instalado, o que não quer dizer que não teremos. Acho importante, sim, dar lugar, conhecer e participar de reuniões sobre o tema, até para entendermos como está o mercado e o avanço da tecnologia.
Jobson Modena – O que você está me dizendo é que, sobre os captores não convencionais, você teve acesso a uma quantidade de informações e até oferecimento da tecnologia, o que não aconteceu em relação aos convencionais. Então, para você enquanto usuário, os fabricantes dos sistema convencional precisaria “se jogar” mais no mercado?
Juberto Rocha – Olhando por esse ponto de vista, sim. Por outro lado, quando falamos em adequação de uma instalação ou em novos projetos que dependerão de um estudo sobre a instalação ou não de um sistema de captação, já pensamos diretamente no sistema convencional. Por isso, acredito que, no princípio de funcionamento, dispensa-se apresentação.
Agora, quando vamos para um sistema não convencional, entendo que seja necessária uma apresentação do princípio de funcionamento. A diferença é essa, mas, se os dois funcionam, sabemos que o objetivo principal de proteger a instalação será atingido com ambos, variando a forma de funcionamento.
Entendo que, um eu conheço como funciona (captor convencional), é muito simples, não tem tecnologia. São cabos, ferragens, conectores. Já o outro (captor não convencional), quando olhamos para a definição da sua tecnologia, falamos “peraí, ele antecipa? Me explica como isso funciona!”. Essa é a diferença.