Quadros elétricos: a vigência definitiva da ABNT NBR IEC 61439-1:2016 e a nova atualização recém-publicada pela IEC

A norma NBR IEC 61439-1, publicada em 2016 pela ABNT, passou a ser obrigatória no Brasil em dezembro de 2021. Esta é uma versão baseada na edição 2.0 da norma IEC original, publicada em 2011. Em maio de 2020 a IEC publicou sua versão 3.0, cuja tradução e adequação para se tornar uma NBR já estão em andamento no Comitê Brasileiro de Eletricidade (Cobei/CB003). Mas não se preocupe, a atualização esclarece pontos que ficaram obscuros na versão anterior e aborda situações que já fazem parte do cotidiano de quem projeta, produz, monta ou instala quadros elétricos, como o uso de inversores de frequência, quadros utilizados em instalações fotovoltaicas e um ponto importantíssimo: a possibilidade de mudar o fabricante de componente para a verificação da elevação de temperatura.

Originados em 1985 na norma IEC 439 (que foi sendo atualizada até se tornar a IEC 60439-1 publicada em 1999 pela IEC, e em 2003 pela ABNT), os termos TTA e PTTA tinham como objetivo evidenciar a necessidade da realização de ensaios de tipo em conjuntos de manobra e comando de potência, quais sejam: os quadros elétricos. O objetivo da norma nunca foi criar um padrão construtivo que tornasse os painéis iguais, mas sim estabelecer condições mínimas de segurança para um conjunto de equipamentos e componentes que, apesar de ter a sua origem em um tipo (projeto / modelo / padrão), dificilmente será produzido de forma idêntica ao tipo testado. Tudo que compõe um conjunto é seriado, inclusive a maneira que suas partes devem ser montadas, mas ao criar o projeto de acordo com as necessidades da instalação e do usuário final, sempre haverá pequenas mudanças naquele tipo testado que sai na foto dos ensaios em laboratório.

Com isso, tecnicamente, sob a ótica da necessidade dos ensaios de tipo e das boas práticas da engenharia elétrica, nada muda em um quadro elétrico que, de fato, atendia à IEC 439 de 1985 para que possa atender à versão mais recente publicada em 2020. 

Desde a versão de 1985, a primeira vez que surgiu um novo ensaio de tipo para os conjuntos foi em 2009, quando a série passou a ser conhecida como IEC 61439, e os termos TTA e PTTA foram abolidos. Estes ensaios, que aparecem no parágrafo 10.2 (e permanecem assim na versão de 2020), abordam a “resistência dos materiais e das partes” dentro dos aspectos de construção do conjunto, ou seja: o invólucro. E menciona o atendimento a uma nova norma para cumprir estes requisitos, a IEC 62208.

Até 2009 o armário ou caixa que fazia parte do conjunto não era abordado como algo seriado, por isso, a 61439 puxa o atendimento desta nova norma para um produto que já existia, porém podia não ser construído de maneira realmente seriada. Da mesma forma que um disjuntor instalado no conjunto deveria obedecer a sua norma pertinente (no caso, dentro da série 60947), o invólucro (armário ou caixa) também passou a ter uma norma própria, a ABNT NBR IEC 62208, publicada no Brasil em 2013. E surge a pergunta: se produzíssemos um novo armário exatamente como era construído em 1985 e o submetêssemos aos ensaios solicitados na IEC 62208, ele passaria? A resposta é sim se este armário já seguisse as boas práticas da engenharia elétrica, como, por exemplo, a garantia de continuidade entre as partes metálicas (massa) ao circuito de proteção (aterramento). A norma não define requisitos mínimos de produto, mas de verificações de segurança. Obviamente, essas verificações acabam delimitando algumas situações, mas não tornam iguais, em projeto ou características, produtos de fabricantes diferentes. Não existe nem nunca existiu uma espessura mínima para quaisquer das chapas utilizadas em um armário elétrico, por exemplo.

Por isso, a publicação de uma revisão da norma não deveria causar preocupações em quem já busca qualidade e segurança em quadros elétricos, e deveria sim ser um alívio ao explicar aquilo que antes poderia necessitar de uma grande dose de conhecimento e de retórica. Convenhamos: o preço do cobre pode mudar até quando o presidente fala mais uma besteira, mas a condução de corrente e todos os fenômenos atrelados ao fluxo de elétrons em uma barra de cobre funcionam da mesma forma desde sempre.

Existe, no entanto, uma mudança entre as versões 60439 e a 61439 que exige atenção e investimento por parte do fabricante original (responsável pelos ensaios) do conjunto:a verificação da elevação de temperatura.

Verificação da elevação de temperatura

Apesar de ocupar 13 páginas dentro da seção de verificação de projeto, mais anexos e tabelas, ante umas 4 páginas na versão anterior, o que de fato “atormenta” os laboratórios, fabricantes e montadores consiste em um só ponto: a IEC 60439 permitia (mas não se limitava a) o uso de resistência com dissipação de calor equivalente aos dos componentes instalados, em vez da energização de  cada uma das cargas envolvidas no projeto. Isso permitia basicamente realizar os ensaios com um transformador e diversas resistências em cada uma das gavetas, sem a preocupação de regular cargas individuais e medir a temperatura em dezenas de pontos.

Desde a edição 1.0 de 2009, para atender à IEC 61439 os laboratórios precisam ter, além de diversos reguladores de cargas para cada unidade funcional, dezenas de medidores e sensores – lembrando que estes sensores precisam ser homologados (no Brasil, pelo Inmetro) e passarem por certificações e inspeções periódicas. Já o fabricante precisa investir dezenas de horas em laboratório, a depender da forma de verificação escolhida.

Porém, cabe dizer: o uso da resistência facilitava a execução dos ensaios, mas não era obrigatório. Quem, lá em 1985, executou os ensaios com cada uma das cargas carregadas em suas respectivas unidades funcionais (gavetas), não precisa se preocupar com a necessidade de novos ensaios – todos os valores, como bitolas de cabos, temperatura máxima, etc., permanecem os mesmos. Mas digo por experiência própria, ao ter acompanhado os ensaios das duas formas: o resultado de um ensaio com resistências em nada se assemelha ao resultado de um ensaio com as correntes circulando nos componentes. Por isso, sim, para a maioria dos casos são necessárias novas verificações e ensaios para atender à IEC 61439.

As mudanças na versão de 2020 da norma

Uma mudança muito significativa e esclarecedora da atualização de 2020 da norma também está dentro da verificação de elevação de temperatura:

“10.10.3.5 – Unidades funcionais – consideração sobre a elevação de temperatura para substituição de componentes. Um componente com uma corrente nominal In que não exceda 1600 A pode ser substituído por um componente similar de outra série do mesmo ou de diferente fabricante daquele usado na verificação original (…)”

Este parágrafo possui ainda diversas outras considerações igualmente importantes, que não cabem aqui por uma questão de espaço. Mas, em resumo, o teste de elevação de temperatura é um teste caro e complexo. A possibilidade de substituir a série, ou o fabricante do componente previamente ensaiado no conjunto, ajuda bastante na adequação à norma. Mas não devemos ignorar: diversas características como dissipação de calor, bitola dos condutores, distâncias de isolação e escoamento, dentre outros, precisam ser mantidas ou ter uma performance comprovadamente superior àquela testada.

Mas há um alerta aos que acreditam em quadros “testados em parte” ou “relativamente testados”: ainda é obrigatório o ensaio de curto-circuito de cada componente instalado na unidade funcional. A mudança de componente neste caso só é permitida mantendo o mesmo fabricante do componente, garantindo uma performance superior àquela testada.

O uso de conversores de frequência

Pela primeira vez, o termo Variable Frequency Drives (os conversores de frequência variável, ou mesmo inversores de frequência, como muitos costumam chamar) aparece na norma, trazendo aquilo que já se sabia: os VFDs são considerados dispositivos de manobra (3.1.1, nota 2), porém, não precisam passar por ensaios de curto-circuito quando as saídas são limitadas a uma corrente de corte que não exceda 17 kA (10.11.2d), daí a importância também do uso de fusíveis. Como geralmente estes são equipamentos que ocupam uma coluna inteira, ou são instalados junto com outros dois em uma mesma coluna, também se encaixam nos métodos de verificação de elevação de temperatura por cálculo ou avaliação.

Quadros para instalações de geração de energia fotovoltaica

Na parte 2 da norma surgiu um novo tipo de conjunto: o PVA (Photovoltaic Assembly). Como dito anteriormente, a norma estabelece condições de avaliação para garantir a qualidade de um produto que muitas vezes já está consolidado no mercado. Existem quadros instalados em plantas de geração de energia fotovoltaica há tempos, porém, agora, a norma estabelece uma forma de avaliar e garantir a qualidade e a performance destas soluções. No entanto, diferentemente de uma aplicação usual de um quadro elétrico, nas instalações fotovoltaicas, os conjuntos são ainda mais exigidos justamente nos momentos de maior calor, e muitas vezes são instalados ao tempo. Por isso, são necessários novos ensaios que garantam a performance nas condições específicas deste tipo de aplicação, como:

  • Ensaios de elevação de temperatura com todas as unidades funcionais carregadas (em um projeto de geração de energia fotovoltaica, consiste em diversas entradas e uma única saída) e, para quadros instalados ao tempo, com simulação de radiação solar durante os ensaios de elevação de temperatura;
  • Teste de ciclagem térmica: o conjunto ou parte representativa (fechamentos) do conjunto deve ser submetido a 50 ciclos de variação de temperatura em que a amostra fica 1 hora em uma temperatura de -15 °C depois mais 1 hora em +40 °C para aplicações indoor, e -25 °C / +60 °C para aplicações outdoor. Após os 50 ciclos a amostra deve retornar à temperatura da sala (25°C ± 5) em até 3 horas;
  • Testes climáticos: o conjunto ou colunas representativas do conjunto devem ser submetidas aos testes climáticos previstos na IEC 60947-1, anexo Q, categoria B, relacionados à temperatura e umidade;
  • Além destes, todas as demais verificações da IEC 61439-1 devem ser realizadas.

Outras questões importantes trazidas pela revisão de 2020

  • Parâmetros para o uso de ventilação ativa e sistemas de climatização nas verificações de elevação de temperatura, principalmente devido ao uso de drives; 
  • Melhor definição de macro e micro ambiente: na versão anterior, quando era abordada a questão do grau de poluição, por exemplo, não ficava clara a diferença entre ambiente interno e externo ao quadro;
  • Definições acerca de aplicações em corrente contínua, inclusive com relação ao ensaio de curto-circuito;
  • Diversas mudanças técnicas nas definições de corrente nominal, com a implementação da corrente nominal de grupo Ing, que se aplica à corrente da unidade funcional durante o uso (com as unidades funcionais adjacentes também operando), trazendo também mais clareza às definições de fator de utilização – RDF;
  • Menção aos seguintes documentos sobre arco elétrico:

– ABNT IEC/TR61641:2019 – Conjuntos de manobra e comando de baixa tensão em invólucro — Guia para o ensaio em condição de arco devido a uma falha interna

 – IEC TS 63107:2020Integration of internal arc-fault mitigation systems in power switchgear and controlgear assemblies (PSC-Assemblies) according to IEC 61439-2 (esta última TS (technical specification) mencionada merece uma boa atenção do mercado, pois trata de alguns dispositivos que já vêm sendo utilizados e busca uma questão importante que é a mitigação e extinção do arco elétrico. Da mesma forma que o atendimento à IEC 61641 já era solicitado antes mesmo da publicação da norma pela ABNT, a busca pelo atendimento à IEC 63107 é uma questão de tempo);

  • Menção a uma norma específica para bancos de correção de fator de potência:

– IEC 61921:2017 – Power capacitors – Low-voltage power factor correction banks (a própria norma estabelece sua utilização em conjunto com a IEC 61439-1&2). 

Conclusão

Seria possível falar sobre cada um dos assuntos abordados em mais algumas dezenas de páginas. Muito possivelmente algum ponto importante não foi mencionado, mas o objetivo deste texto não é exaurir o assunto, mas sim despertar a curiosidade e a atenção dos profissionais envolvidos no projeto, compra, montagem e instalação de um quadro elétrico. Da mesma forma que as normas, precisamos constantemente revisar e atualizar nossos conhecimentos.

Autor:

Por Fabricio Gonçalves, consultor especializado em normas técnicas para quadros elétricos, tendo atuado em diversas empresas da área em mais de 20 anos de experiência só neste segmento. Participa também do COBEI/CB003 na adequação e revisão da série IEC61439 para a ABNT. Atualmente, é responsável pela linha de produtos SIELTT da KitFrame, empresa brasileira de conjuntos testados conforme a IEC 61439 e Armários Elétricos conforme a IEC 62208.

Clique aqui para fazer o download da pesquisa na íntegra.

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