Em uma tarde de verão, no início dos anos 2000, estava na Vila Madalena em São Paulo (SP), em um dos muitos bonitos bares daquele bairro, conversando com um colega que havia conhecido há pouco tempo na Áustria, cuja empresa em que trabalhava era especializada em diagnósticos em cabos isolados e acabava de abrir uma filial no Brasil. De repente, faltou energia na rua. Neste momento, ouço dele: “Eu nasci e cresci nos arredores de Munique, na Alemanha, e com mais de 30 anos NUNCA em minha casa faltou energia”.
Fiquei estarrecido com aquela afirmação. Em minha realidade faltar energia era algo normal – Renato Russo concordava comigo: “Ontem faltou água, anteontem faltou luz, teve torcida gritando quando a luz voltou...”. Entendia que era isso mesmo, somente poucos lugares eram elegíveis de ter as confiáveis redes de distribuição subterrâneas de energia.
O tempo e o conhecimento de outras sociedades mostraram que esse conceito estava errado. Ter energia confiável e segura faz parte de uma nação desenvolvida ou que busca ser desenvolvida.
Em 2013, já pensando diferente daquela tarde de sol, eu estava na audiência pública em Brasília participando do evento sobre redes subterrâneas da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Com a palavra livre, defendia que não era somente importantes avenidas que mereciam confiabilidade e melhor segurança na distribuição de energia, quando fui interrompido por um professor de uma universidade federal: “Senhor, redes subterrâneas devem ser instaladas somente em lugares especiais, ensino isso para meus alunos na universidade”. Confesso que fiquei chateado com o referido professor, porém, lembrei-me do quanto também contribui para montar a falácia de que o custo para o país é muito alto para se ter redes subterrâneas.
Em junho de 2017, no mais tradicional evento de redes subterrâneas do Brasil, fiz uma palestra em que inverti a pergunta que me acompanhava há muitos anos: de “Quem vai pagar a conta para o Brasil ter redes subterrâneas?” para “Quem está pagando a conta pelo o Brasil não ter redes subterrâneas?”
O prezado leitor pode estar se questionando “como assim, quem está pagando a conta?”. Para responder a esta pergunta, vamos falar sobre algo muito doloroso para nós brasileiros: Alemanha X Brasil. O resultado: Alemanha 5 x 1 Brasil.
O resultado está correto. É o que aponta diversos estudos a respeito de produtividade. Um trabalhador alemão produz cinco vezes mais que um trabalhador brasileiro. É para chorar! E 80% da rede na Alemanha é subterrânea, no Brasil, não chega aos inacreditáveis 2%.
Então quem está pagando a conta? Nossa produtividade! Obviamente temos outras mazelas para cuidar que impactam diretamente na produtividade, tais como: educação, estradas, portos, aeroportos, etc. Porém, não é possível retirar desta conta o DEC* médio do Brasil de 18h, contra o DEC¹ médio da Alemanha de 20 min, ou ainda, FEC² da França de 0,7 contra o FEC médio do Brasil de 11.
Agora vamos analisar outro ponto que vai incomodar alguns que defendem a modicidade tarifária a qualquer custo para não prejudicar os menos favorecidos. O que vocês acham do fato de que, no Brasil, morrem quase 300 pessoas por ano por causa das redes aéreas? Quem vocês acreditam que estão morrendo por causa desta rede? Eu aposto que são os menos favorecidos. E vocês?
Muito prazer, eu sou Daniel Bento, brasileiro que vive no Brasil juntamente com a família e amigos. Acredito que podemos melhorar nosso país e as redes subterrâneas de energia contribuem para esta melhoria.
Neste espaço vamos falar, bimestralmente, sobre confiabilidade, segurança e disponibilidade de energia nas indústrias, cidades, parques eólicos, solares e em grandes consumidores de energia.
Convido a todos para comentarem estas ideias.
¹DEC – Duração Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora
²FEC – Frequência Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora
Referências
1 – 6TH CEER Benchmarking Report on the Quality of Electricity and Gas Supply
2 – http://www2.aneel.gov.br/aplicacoes/IndicadoresSegurancaTrabalho/pesquisaGeral.cfm