O crescimento exponencial de acesso ao sistema elétrico de potência por parte de instalações de parques eólicos e fazendas fotovoltaicas tem aumentado consideravelmente a demanda por estudos de acesso junto ao ONS. No que tange à qualidade da energia elétrica (QEE), são requeridos estudos e medições, sobretudo vinculados aos indicadores de distorções harmônicas e flutuações de tensão. O documento balizador de tais estudos e medições é a Nota Técnica (NT) 009/2016-REV.02 [1], a qual estabelece os chamados requisitos de acesso para parques eólicos e fazendas solares, discutidos neste artigo.
Num primeiro momento, pode-se afirmar que esta NT é direcionada praticamente para o indicador de distorções, sendo as flutuações de tensão pouco exploradas. Assim, o foco ora considerado será apenas as distorções harmônicas, as quais, por sua vez, poderão gerar a obrigatoriedade de soluções mitigatórias envolvendo a compra e instalação de filtros harmônicos, elevando ainda mais o custo dos empreendimentos.
Na atualidade, o emprego desta NT para os estudos de QEE tem suscitado muitas críticas, questionamentos e dúvidas, por parte de agentes acessantes, associações setoriais, profissionais da área e da academia. Diante disto, é realizada, na sequência, uma síntese dos principais pontos de questionamentos levantados por parte deste Núcleo de Pesquisa (NQEE-FEELT/UFU) [2].
Utilização de lei de agregação de correntes harmônicas
Na NT, para determinação da corrente harmônica total representativa do circuito equivalente de Norton da rede interna, utiliza-se da lei de agregação de correntes proposta pela IEC 61000-3-6 [3]. Todavia, tal formulação não é necessariamente a agregação verificada na prática [4], pois as correntes harmônicas são geradas, via de regra, com magnitudes e ângulos diferentes, tendo grande influência da impedância do ponto de conexão, das condições da fonte primária de energia e também do seu controle.
Utilização de correntes certificadas
Estas correntes são fornecidas pelos fabricantes e nem sempre são indicadas as condições em que as mesmas foram obtidas. Via de regra são medidas em barramentos ideais (elevados níveis de curto-circuito), o que dificilmente será encontrado em campo. Diante disso, o emprego destas correntes em estudos representativos de situações reais poderá incorrer em erros grosseiros.
Não se considera a real lógica de propagação harmônica
Devido ao uso, em geral, de simulador de sequência positiva para estimativa de distorções harmônicas, não é possível obter uma análise da propagação harmônica condizente com a realidade do sistema elétrico. Por exemplo, na prática, os harmônicos de 3ª ordem e pares não se propagam da maneira que os harmônicos de 5ª e 7ª ordens.
Representação da rede da concessionária (rede externa)
A NT considera a rede da concessionaria ideal, ou seja, sem distorção harmônica prévia. No entanto, sabe-se que praticamente todas as barras do SIN possuem background distortion diferente de zero. Desta forma, tal idealização não é condizente com a realidade do sistema elétrico brasileiro.
Emprego do Lugar Geométrico (LG)
A utilização do método do LG para representação da rede externa, tal como vem sendo aplicado, é considerado bastante conservador, haja vista que a impedância resultante do mesmo deverá ser aquela encontrada na região limítrofe do LG, considerando um elevado número de contingenciamento em distintos cenários, os quais nem sempre são factíveis. Outra crítica percebida diz respeito ao uso do chamado LG-Alternativo, no qual se utiliza frequências harmônicas e interharmônicas para a obtenção do mesmo.
Medições de corrente para avaliação das correntes certificadas
Ao se utilizar de medições no ponto de entrada do aerogerador/inversor para se verificar a validade das correntes certificadas, erros poderão ser percebidos devido ao fato que esta corrente medida, em verdade, trata-se de uma composição de correntes naquele ponto. Em outras palavras, as correntes harmônicas medidas na entrada desta geração serão, em parte, advindas desta unidade e, em parte, provenientes do sistema elétrico ou mesmo de unidades geradoras adjacentes.
Apesar de todos os pontos levantados, há de se considerar que as eólicas e fotovoltaicas são potenciais geradoras de distorções harmônicas, além do que temos de ponderar o fato de que muitos barramentos da rede básica já se encontram com níveis de distorções harmônicas muito elevados, em alguns casos já ultrapassando o limite. Portanto, os estudos ora requeridos pelo ONS, muito embora as críticas e questionamentos elencados, são de fundamental importância para a garantia da manutenção da QEE na rede básica.
Assim posto, nos encontramos em um dilema, o qual poderá ter um desdobramento satisfatório a partir da definição de uma metodologia para o estabelecimento de compartilhamento de responsabilidade pela geração de harmônicos no sistema elétrico, realizando-se, assim, uma divisão dos custos dos procedimentos de mitigação de forma clara e justa.
Referências
[1] NT 009/2016-REV.02 (2018); “Instruções para realização de estudos e medições de QEE relacionados aos acessos à rede básica ou nos barramentos de fronteira com a rede básica para parques eólicos, solares, consumidores livres e distribuidoras”, Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
[2] Núcleo de Pesquisa em Qualidade da Energia Elétrica (NQEE), Faculdade de Engenharia Elétrica (FEELT), Universidade Federal de Uberlândia (UFU) – www.nqee.com.br.
[3] IEC/TR 61000-3-6 – Electromagnetic compatibility (EMC) – Part 38: Limits – Assessment of emission limits for the connection of distorting installations to MV, HV and EHV power systems, 2008.
[4] SANTOS, I. N.; BONFIM, L. R. . Performance Analysis of the Current Summation Law in Wind Generation. In: ICHQP – International Conference on Harmonics and Quality of Power, 2016, Belo Horizonte. ICHQP – International Conference on Harmonics and Quality of Power, 2016.
Os autores são:
Ivan Nunes Santos é coordenador do NQEE, professor e pesquisador na FEELT/UFU.
Bárbara Morais Gianesini é engenheira eletricista (UFMT), estudante de mestrado FEELT/UFU.
Vinícius Henrique Farias Brito é engenheiro eletricista (UFMT), estudante de mestrado FEELT/UFU.