Segurança: responsabilidade do empregado e do empregador

Edição 101 – Junho de 2014
Por Bruno Moreira

A legislação diz que o empregador deve não somente fornecer equipamentos de proteção aos seus funcionários, mas fiscalizar a sua correta utilização, no entanto, empresas e associações investem em ações de conscientização para que os empregados também conheçam os riscos dos trabalhos com eletricidade, se capacitem e utilizem as devidas proteções com responsabilidade.

 

A Copa do Mundo 2014 realizada em solo nacional agitou os ânimos da população brasileira, como não poderia deixar de ser. Agitou também o mercado de construção civil, já que, para se adequar às exigências da Federação Internacional de Futebol Associado (Fifa), entidade responsável pelo futebol em âmbito mundial, se fez necessária a construção de diversos estádios de futebol no país, além de obras de melhoria em infraestrutura. Estes estádios, obviamente, demandaram o emprego de milhares de trabalhadores para a realização das obras planejadas no prazo estipulado. E em locais onde há operários, existe também a necessidade de cuidados para garantir a segurança dos trabalhadores e evitar acidentes.

Em mega construções como estádios de futebol, então, estes cuidados precisam ser até redobrados, porque os operários costumam trabalhar em grandes alturas e qualquer descuido pode ser fatal. Este foi o caso de Fábio Hamilton da Cruz, um dos oito operários que morreram durante obras da Copa 2014. Cruz, de 23 anos, faleceu no dia 29 de março enquanto trabalhava na construção da Arena Corinthians, em São Paulo. Ele despencou de uma altura de oito metros, enquanto trabalhava na montagem das arquibancadas temporárias do estádio. O trabalhador foi levado com vida ao hospital, mas acabou falecendo.

A Polícia Civil de São Paulo ainda investiga a causa da morte de Cruz, mas segue duas linhas principais: a de que o operário tenha sido negligente, ao não se prender ao cabo de segurança enquanto realizava um trabalho específico; e falha no equipamento de segurança fornecido pela empresa responsável pela obra, no caso, a Fast Engenharia. De qualquer forma, de quem quer que seja a responsabilidade, este caso torna-se exemplar, pois mostra que a preocupação com o quesito segurança no trabalho deve partir de ambos os lados: do empregado e do empregador.

Esta tragédia aconteceu no âmbito da construção civil, mas poderia muito bem ocorrer dentro do segmento elétrico, em que trabalhadores da área de manutenção e operação precisam se precaver a fim de evitarem acidentes como choques elétricos, que, devido ao nível de tensão, certamente, serão fatais.  No Brasil, quem fornece as diretrizes visando à segurança em instalações e serviços com eletricidade é o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) por meio da Norma Regulamentadora NR 10.

De fato, o documento normativo “estabelece os requisitos e as condições mínimas objetivando a implementação de medidas de controle e sistemas preventivos, de forma a garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores que, direta ou indiretamente, interajam em instalações elétricas e serviços com eletricidade” e “se aplica às fases de geração, transmissão, distribuição e consumo, incluindo as etapas de projeto, construção, montagem, operação, manutenção das instalações elétricas e quaisquer trabalhos realizados nas suas proximidades”.

A NR 10 trata, entre outras coisas, de medidas de proteção coletiva, entre as quais, o uso de equipamentos de proteção individual (EPIs); medidas de proteção coletiva, que compreendem, prioritariamente, a desenergização elétrica do equipamento, mas, caso isso não ocorra, pode se constituir em isolação das partes vivas, obstáculos, barreiras, sinalização, sistema de seccionamento automático de alimentação e bloqueio do religamento automático; e de habilitação, qualificação, capacitação e autorização dos trabalhadores.

No que diz respeito ao cumprimento dessas medidas, a NR 10 declara que as responsabilidades “são solidárias aos contratantes e contratados envolvidos”, especificando que os contratantes devem manter os trabalhadores informados sobre os riscos a que estão expostos, instruindo-os quanto aos procedimentos e medidas de controle contra os riscos elétricos a serem adotados e também adotar medidas preventivas e corretivas caso ocorra algum acidente. Já os trabalhadores, segundo a norma, devem zelar por sua segurança e de outras pessoas; responsabilizar-se pelo cumprimento das disposições legais e regulamentares;               e comunicar de imediato ao responsável pela execução do serviço as situações que considerar de risco para sua segurança e saúde e a de outras pessoas.

Falando especificamente sobre os equipamentos de proteção individual (EPIs), a advogada responsável pela área de Direito do Trabalho da Ragazzi Advocacia e Consultoria, Sandra Sinatora, explica que eles devem ser fornecidos pelo empregador sem custo ao empregado e, além de fornecê-los, o empregador deve se responsabilizar pelo treinamento e pela fiscalização da correta utilização dos EPIs. “Podendo (o empregador) aplicar advertência, suspensão e até dispensa por justa causa se houver recusa do empregado”, destaca Sandra. 

As diretrizes para que sejam realizadas as ações visando à segurança dos trabalhadores são dadas pela norma do Ministério do Trabalho, contudo, não é sempre que as regras são cumpridas. O que aconteceu na Arena Corinthians, apesar de envolver obras da construção civil, é um exemplo disso. No que diz respeito ao uso de EPIs, por exemplo, o especialista na área de segurança no trabalho, o diretor do Sindicato dos Técnicos de Segurança do Trabalho no Estado de São Paulo (Sintesp), Cosmo Palásio de Moraes Júnior, relata que muitas vezes os empregados não querem usar os dispositivos porque os acham desconfortáveis, contrariando a fama, segundo ele, de que operários não gostam de se proteger.


Os EPIs devem ser fornecidos pelo empregador sem custo ao empregado e, além de fornecê-los o empregador deve se responsabilizar pelo treinamento e da correta utilização dos equipamentos

É comum também, segundo o especialista, a compra de equipamentos de proteção de qualidade baixa e não indicados para determinada tarefa. Tais lapsos seriam reflexo, de acordo com Moraes Júnior, de algo maior, a dizer, da falta de um sistema de planejamento para a realização de atividades pensando na segurança do trabalhador. E nos estabelecimentos que existe um planejamento, ele é meramente formal, ou seja, só para constar. “Tudo é feito na correria, na base do vamos fazer e depois vemos no que dá”, diz o diretor do Sintesp.

Algumas vezes, na ânsia de se adequar à NR 10, empresas exigem que seus empregados utilizem roupas de proteção sem estudar a necessidade para tal. Isto ocorre, por exemplo, em situações em que os trabalhadores precisam se proteger contra arcos elétricos. Segundo o supervisor do Centro de Atendimento Técnico e Treinamentos da Eaton, Danilo Quintiliano, existem casos em que a potência do arco elétrico é tão alta que a roupa não protege.

Conforme Quintiliano, cerca de 90% das plantas industriais têm algum ponto em que a energia é superior a 40 calorias por cm², que é o limite de calor que a roupa categoria 4 protege. Ou seja, ante esta emissão de calor, não adianta o funcionário estar vestindo o traje mais forte, que mesmo assim irá se queimar.

Nesse sentido, segundo o supervisor da Eaton, a empresa necessita investir em estudos de arco elétrico, para a realização de algumas mudanças no projeto do sistema de proteção, tais como a redução do tempo de atuação dos relés, ou até mesmo a instalação de novos equipamentos de proteção. Com medidas como estas, segundo Quintiliano, é possível reduzir a energia do arco elétrico (se ele ocorrer) a até 8 calorias por cm², que é o limite para roupas de proteção categoria 2.

Outro exemplo dessa falta de planejamento por parte das empresas no que diz respeito à segurança no trabalho pode ser visto, conforme Moraes, do Sintesp, nos treinamentos visando instruir os empregados em relação às práticas de segurança. “Eles são obrigatórios, então é preciso cumpri-los, mas não há uma verdadeira preocupação. Trata-se de uma coisa a mais que é feita apenas para ganhar o certificado. Não se vê a importância dessas ações para garantir a segurança do trabalhador”, explica o especialista em segurança no trabalho.

Diagnosticando as práticas das empresas para evitar que seus trabalhadores sofram acidentes, o diretor do Sintesp chega à conclusão de que houve avanços, mas de que muitos empregadores ainda não conhecem o que deve ser feito visando à segurança do empregado em seu ambiente de trabalho e os que conhecem não compreendem essa realidade. “Seria preciso mais conhecimento e estudo sobre as normas vigentes para que as práticas objetivando à segurança do trabalhador pudessem ser exercidas com responsabilidade”, sugere.

O cumprimento da NR 10

As bases para as ações almejando a segurança em serviços em eletricidade encontram-se na Norma Regulamentadora nº 10. A versão, que fornece as diretrizes para os empregadores e empregados, é relativamente recente, de dezembro de 2004, e tratou-se de uma reformulação, pois a norma que tratava da segurança dos trabalhadores neste segmento datava de 1978.

A nova versão do documento normativo começou a surgir no início da década de 1990, por conta das informações relacionadas a acidentes envolvendo energia elétrica no trabalho que chegavam ao MTE a partir das empresas. Junto com representantes das distribuidoras e usuários, o Ministério resolveu formular uma nova norma, a fim de melhorar as estatísticas de acidentes que estavam muito elevadas.

Segundo o engenheiro eletricista, engenheiro de segurança e diretor da Enerenge Engenharia e Informática, Julian Vilellia Padilla, uma das novidades e destaques desta versão atualizada é que ela oficializou que as instalações elétricas devem atender às normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Agora, por força da NR 10, quem não seguir a ABNT NBR 5410 (instalações de baixa tensão), a ABNT NBR 14019 (instalações de média tensão), a ABNT NBR IEC 60079-14 (instalações em áreas classificadas) e a ABNT NBR 5419 (proteção contra descargas atmosféricas), estará fora da lei e será penalizado por isso.


Furnas também promove a capacitação de seus funcionários por meio de treinamentos práticos em campo, como aprender a subir em uma torre de transmissão de 45 metros

Sobre o cumprimento da NR 10, Padilla observa que as empresas estão tentando agir de acordo com as condições estabelecidas nas normas, mas ainda há muitos problemas. Para fundamentar sua afirmação, o engenheiro eletricista cita o estudo feito pela Enerenge, baseado no trabalho diário da companhia, em que foram avaliadas dez empresas – seis do ramo industrial, duas do ramo de serviços e duas públicas que atuam na área da saúde – de acordo com três pontos: capacitação e treinamento dos profissionais; documentação das instalações; e condições de segurança das instalações conforme as normas ABNT NBR 5410, ABNT NBR 14039, ABNT NBR IEC 60079-14 e ABNT NBR 5419.

“Avaliamos especificamente a conformidade em relação a estes três pontos porque foram eles que mais chamaram a atenção durante nossos trabalhos junto a estas empresas”, explica o engenheiro de segurança. De acordo com Padilla, por exemplo, não houve uma avaliação mais detalhada em relação aos EPIs, porque verificou-se que normalmente as empresas forneciam os equipamentos sem problemas.

Dessa forma, no que diz respeito à capacitação e treinamento dos profissionais, verificou-se que seis empresas estavam adequadas conforme a NR 10. Com relação ao prontuário, a relação de profissionais utilizados e aos cursos feitos por eles, já duas apresentaram falhas, pois tinham em seu quadro de funcionários trabalhadores que não tinha feito o curso da NR 10 ou, no prontuário dos funcionários, havia a informação de que eles não tinham feito um curso profissionalizante; e outras duas (as empresas públicas) desconheciam totalmente as exigências nessa área.

Outro aspecto da capacitação examinado durante o trab

alho da Enerenge feito junto às empresas diz respeito ao treinamento de reciclagem que os funcionários devem receber a cada dois anos. Segundo o engenheiro, a NR 10 diz apenas que deve haver o treinamento, mas não define a duração dele e tampouco o conteúdo dessa reciclagem, deixando para as empresas essa definição. “O que temos verificado é que as empresas contratam uma instituição de ensino para dar essa reciclagem, que, normalmente, é de 20 horas, e totalmente fora da realidade dessa empresa. Durante estes cursos, fala-se muita coisa repetitiva e acaba sendo maçante”, diz Padilla.

Para o diretor da Enerenge, os treinamentos de reciclagem surtiriam mais efeitos se empresas elaborassem uma estatística dos acidentes ocorridos durante estes dois anos e focassem o curso de reciclagem na reavaliação das ações que culminaram nestes acidentes. Ou seja, o treinamento deveria ser focado na realidade da empresa e não em um programa pré-formatado.

Com relação à documentação, cinco empresas estavam com todos os documentos em conformidade, três já haviam contatado empresas para a elaboração de documentos da instalação e estavam com o processo em andamento; e duas (as mesmas duas da capacitação) desconheciam totalmente a exigência.

A documentação diz respeito ao prontuário de instalações elétricas, que é composto pelo diagrama unifilar elétrico (esquema simplificado que mostra a composição da instalação elétrica);  pelo conjunto de todos os procedimentos de instruções técnicas para a realização do trabalho do eletricista; pela documentação das medições do sistema de proteção contra as descargas atmosféricas; pela especificação dos Equipamentos de Proteção Coletiva (EPCs) e dos EPIs; e pela documentação comprovada da capacitação, qualificação e treinamentos dos trabalhadores.

Já referente às condições de segurança das instalações, tendo como base as normas da ABNT, nenhuma empresa atendeu 100% dos requisitos. Conforme a análise, oito delas apresentavam não conformidades menores e duas (empresas públicas) apresentavam situação temerária, com painéis sem tampas, gambiarras, etc. Sobre as não conformidades que não eram graves, o estudo constatou que a maioria delas dizia respeito à não existência do sistema de bloqueio para impedir a energização do painel quando alguém o estivesse operando. “Isso ocorre, normalmente, porque as instalações elétricas brasileiras são mais velhas que a NR 10, ou sejam, ainda não contemplam as mudanças trazidas pela norma”, explica o diretor da Enerenge.

A fim de que a situação se modifique e as empresas cumpram os ditames da NR 10 em sua totalidade, Padilla acredita que o foco deve ser na educação e na conscientização das pessoas, no sentido de que elas saibam que a eletricidade pode matar e que elas devem se precaver para que acidentes não aconteçam. “Desde 2004, quando foi atualizada a NR 10, já se verificou uma redução de acidentes, mas a meta é o índice 0”, assevera o engenheiro de segurança.

Conscientização

O trabalho de conscientização é importante no sentido de alertar os empregadores e os empregados para os riscos de se realizar serviços de energia elétrica sem os cuidados necessários com a segurança. No Brasil, duas entidades de destaque nessa área produzem dados estatísticos sobre acidentes com eletricidade, envolvendo trabalhadores e usuários e realizam atividades de fomento à segurança do trabalhador. São elas: a Fundação Coge (Funcoge), que trabalha junto às concessionárias de energia elétrica, e a Associação Brasileira de Conscientização para os Perigos da Eletricidade (Abracopel).

Atuando na área de gestão empresarial, a Funcoge é uma instituição de caráter técnico-científico voltada para a pesquisa, ensino, estudo e aperfeiçoamento dos métodos, processos e rotinas do setor elétrico brasileiro, atuando em diversas áreas das empresas de energia, por meio de comitês (formados pelos próprios funcionários das empresas de eletricidade), entre os quais, o Comitê de Segurança e Saúde no Trabalho.

De acordo com o gerente da Funcoge, César Vianna, o comitê de segurança funciona como um termômetro para a entidade, pois é por meio das ações promovidas por ele que a instituição sente o que é necessário para as companhias de energia elétrica no que diz respeito à segurança e saúde.

Uma destas ações é o Relatório de Estatísticas de Acidentes no Setor Elétrico, realizado anualmente pela fundação desde 2009, e que dá sequência e complementa um trabalho que já vinha sendo desenvolvido pela Eletrobras desde 1977. Vianna elogia o relatório e diz que ele evolui de uma simples planilha para um software detalhado que fornece, entre outras coisas: a análise de acidentes, dando informações sobre a natureza da lesão, fonte da lesão, agente do acidente, entre outros; dados por empresas; custo dos acidentes para as empresas; e uma visão geral, mostrando qual foi o número de acidentados fatais no ano; além de comentários a respeito dos dados levantados.

Mais um exemplo de programa desenvolvido pela Funcoge é o Seminário Nacional de Segurança e Saúde no Setor Elétrico Brasileiro (Sense). Trata-se de um evento bienal, cuja última versão foi realizada em 2013, na cidade de Foz do Iguaçu, no Paraná, e que debate relevantes e atuais temas acerca de segurança e saúde no trabalho, no âmbito do setor elétrico, por meio de cursos pré-seminário, painéis técnicos, conferências internacionais, palestras e dezenas de contribuições técnicas.

Além disso, após firmar parceria com a Utilities Risk Management (URM), empresa canadense, a Funcoge implementou o Sistema de Gestão do Trabalho Seguro, para ser usado nas concessionárias de energia elétrica, a fim de fornecer segurança ao trabalhador, melhorar a produtividade, a confiabilidade e a operação do serviço em todos os níveis, por meio de uma abordagem sistemática para trabalhar de maneira segura. O sistema, que no Brasil é empregado pela Brookfield, empresa de origem canadense, é constituído por 22 elementos calcados nas áreas de liderança, gestão de riscos, educação, controle e proteção e monitoramento.

Por sua vez, a Abracopel atua na conscientização dos profissionais da área informando sobre os riscos, e as formas de evitá-los, por meio de eventos técnicos, palestras específicas sobre a NR 10, ações em mídia eletrônica, e mesmo como apoiadora em ações de outros parceiros que tenham o mesmo foc

o. Segundo o diretor da Abracopel, Edson Martinho, os eventos da entidade são abertos a públicos diversos e, portanto, atingem desde o eletricista até o engenheiro, seja de eletricidade ou segurança do trabalho.

Dois importantes eventos promovidos pela Abracopel são os encontros regionais de eletricistas e os seminários Elétrica Segura, nos quais a entidade busca orientar e interpretar as normas técnicas e regulamentadoras ligadas à eletricidade, com o intuito de contribuir para o entendimento das regras por parte dos trabalhadores e incentivar para que elas sejam seguidas. “O resultado é a redução inerente dos acidentes pelo conhecimento”, destaca Martinho.

Assim como a Funcoge, a associação também contribui para o alerta sobre o perigo da eletricidade e possível mitigação de acidentes pela elaboração e publicação de estatísticas sobre mortes por choques elétricos. Realizadas anualmente seus dados são obtidos pela ferramenta de “alerta de notícias do Google”, com palavras-chaves como: choque elétrico, eletrocutado, eletropressão, curto circuito, incêndio, dentre outros. Conforme a Abracopel, os números levantados refletem somente uma parcela dos acidentes de origem elétrica que acontecem no Brasil. A estimativa, de acordo com a entidade, é de que o número possa ser de quatro a cinco vezes maior do que o apresentado.

Martinho explica que a instituição não possui dados estatísticos específicos de acidentes de trabalho, “mas conseguimos levantar os acidentes que estão relacionados a atividades e que ocorreram devido à eletricidade”. Em 2013, por exemplo, foram constatados 170 acidentes fatais na rede aérea, sendo 85 envolvendo profissionais de vários setores da economia, entre eles, eletricistas ou técnicos autônomos (28), eletricista profissional de empresa (12) e instaladores de teve a cabo e telefonia (8). Martinho declara que não pode afirmar se houve diminuição do número de acidentes, já que a estatística fornecida pela associação é baseada nas notícias encontradas na internet e, de fato, a entidade ampliou a coleta dos dados em 2013. “Entretanto, acreditamos que o nosso trabalho em conjunto com várias ações possam ter reduzido a taxa de acidentes, principalmente os fatais”, confia o engenheiro eletricista.

Adicional de periculosidade

Mesmo com todos os recursos fornecidos aos trabalhadores que realizam serviços de manutenção e operação na área elétrica visando mitigar o risco de acidentes, este ainda existe. Por isso, a legislação brasileira prevê um adicional de periculosidade para esses profissionais, da ordem de 30% sobre o salário base do empregado. Conforme a advogada responsável pela área de Direito do Trabalho da Ragazzi Advocacia e Consultoria, Sandra Sinatora, o adicional é uma forma de compensar o empregado que exerce atividades em condições prejudiciais à saúde.

A advogada explica que caso o trabalhador seja vítima de acidente, além de estabilidade no emprego por, no mínimo 12 meses, ele poderá ingressar com ação judicial e pleitear eventual indenização por danos materiais e/ou morais. “No caso de óbito, também existe a possibilidade dos herdeiros pleitearem indenização, sendo que os dependentes econômicos, além de indenização, poderão pleitear pensão vitalícia”, diz Sandra Sinatora, explicando que os pedidos de indenização são analisados um a um pelo poder judiciário, não havendo nenhuma regra específica com relação a valores.

Sandra destaca que o fato de o empregador pagar o adicional não o libera do investimento em proteção e prevenção de acidentes. Para a advogada, trata-se de uma questão bastante delicada, sendo a conscientização dever de todos os envolvidos. “Muito embora seja do empregador a obrigação de fiscalizar a utilização do EPI, é a vida do empregado que está em risco e ele deve preservá-la com a utilização correta dos equipamentos que lhe são fornecidos”, diz.

Por fim, vale salientar que a Lei 7.369/85, que introduziu o índice de periculosidade, e o Decreto 93.412/1986 foram revogados pela Lei 12.740/2012, que alterou ao artigo 193 da CLT, que prevê quais são as atividades consideradas perigosas. Contudo, este cancelamento é meramente técnico, e o decreto continuará sendo aplicado até que se aprove o anexo IV, que dispõe sobre atividades e operações perigosas com energia elétrica, que está presente na norma NR 16 do MTE, que regulamenta as atividades perigosas. De acordo com a advogada, o MTE já criou um Grupo de Trabalho para estudar a inserção do anexo IV à NR 16 e, embora o texto já tenho sido aprovado pelo grupo, alguns pontos aguardam revisão e posição por parte do Ministério.


Políticas de segurança nas concessionárias

As concessionárias de energia elétrica são empresas que, culturalmente, costumam investir na área de segurança do trabalho. Talvez pela natureza de seu serviço, de grande utilidade pública, talvez pela preocupação de sua imagem, o certo é que grande parte delas apresenta programas nesta área. A AES Eletropaulo, por exemplo, tem, desde 2002, trabalhado para adequar suas instalações físicas e para criar manuais de procedimentos de trabalho, uniformizando as rotinas operacionais.

De acordo com o gerente de segurança do trabalho da distribuidora, Alexandre Mendes Evangelista, a empresa apresenta um programa de segurança, saúde e meio ambiente estabelecido, que é revisitado anualmente, e estabelece ferramentas de controle e metas relacionadas a acidentes, doenças e impactos ambientais. O gerente explica que a distribuidora atua em três esferas: controle de gestão; controle comportamental; e investimentos tecnológicos, ou seja, estudo de mecanismos que tornem o trabalho mais simples e menos arriscado.

No que diz respeito ao controle do comportamental do indivíduo, por exemplo, a concessionária realiza inspeções de segurança em campo. As chamadas “caminhadas de segurança” são visitas de gestores com o intuito de verificar se as equipes estão trabalhando conforme o procedimento estabelecido pela distribuidora. Faz-se inspeção de EPIs e EPCs (cones, fitas, bastão de manobra); avaliam-se as condições dos veículos e ferramentas de trabalho (se uma chave e um alicate estiver em condição precária, isso pode acarretar em riscos de segurança); e verifica-se também se a equipe possui no campo a pasta de procedimento de segurança a serem efetuados.

Conforme Evangelista, estas visitas funcionam como um diálogo comportamental. Para se ter uma ideia, no final das caminhadas, os gestores costumam dar um retorno aos trabalhadores. “Se o que foi visto está dentro do esperado pela AES, os trabalhadores são parabenizados, pois o objetivo é fortalecer o que já é bom”, diz o gerente. Caso contrário, se dur

ante estas inspeções for encontrada alguma inconformidade, a atividade é interrompida até a correção do desvio. “Se houver recorrência do comportamento indesejado, pode até ser gerado um evento de CLT, que pode ir de suspensão até demissão”, diz Evangelista.

Outro importante procedimento realizado pela distribuidora é o Behavior Based on Safety (BBS) – em português, Comportamento Baseado em Segurança –, que visa à mudança comportamental em segurança, com o reforço da qualidade dos serviços e aprimoramento dos processos internos. O programa consiste em desenvolver lideranças, treinar os colaboradores para observar continuamente a atuação de seus colegas e estimular a análise e diálogo sobre as rotinas de trabalho, destacando que todo os procedimentos são realizados com as equipes próprias da AES Eletropaulo e com equipes contratadas.

Furnas também é um exemplo de concessionária que realiza ações com o objetivo de garantir a saúde e a integridade física de seus empregados. Por meio da área de Segurança no Trabalho e Saúde Ocupacional, a empresa realiza ações de segurança no trabalho e da área da saúde; reconhecimento e valorização pessoal; atividades culturais, além de diversos atendimentos sociais e de apoio em circunstância que podem afetar a produtividade e o bem-estar do empregado.

Segundo o Coordenador Técnico da Gerência de Segurança e Saúde (GSS) de Furnas, Sérgio Ricardo Fernandes da Silva, o trabalho realizado pela empresa nesta área consiste em muito mais que o atendimento da legislação vigente. Trata-se sim de um trabalho de identificação e análise de riscos existentes nas diversas atividades da empresa e de elaboração de soluções para eliminar ou controlar esses riscos, desenvolvendo métodos, agendas de treinamento e mecanismos capazes de promover a melhoria contínua do processo.

Conforme Silva, é por meio desta análise que a empresa ficou ciente, por exemplo, de que um acidente tem mais chances de ocorrer com dois perfis distintos de colaboradores: os mais novos, por conta da falta de experiência e do ímpeto de mostrar serviço, e com os mais antigos e experientes, por conta do excesso de autoconfiança.

Essa análise contínua permitiu também identificar que o acidente tem maior probabilidade de ocorrer no final do processo, quando o colaborador já está cansado ou perde o foco pensando na volta para casa e nos afazeres domésticos. “Conhecer as condições do funcionário e do processo no momento do acidente ajuda a empresa a desenvolver métodos e procedimentos específicos para atacar a causa do problema, reduzir os índices de acidentes e salvar vidas”, explica o coordenador.

A empresa também promove a capacitação de seus funcionários por meio de treinamentos obrigatórios realizados na sede da empresa, no Rio de Janeiro, ou nas áreas regionais e de treinamentos práticos em campo, em que o funcionário tem contato direto com os desafios da sua atividade, como aprender a subir com segurança em uma torre de transmissão de 45 metros de altura, ou realizar manutenção em espaços confinados.


 

 

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