Softwares e dimensionamento de aterramento para SPDA

Histórico

Até algum tempo atrás, as normas IEC [1] e ABNT [2] traziam um valor indicativo para a resistência da malha (ou, mais precisamente, “eletrodo de aterramento”) de aterramento para um sistema de proteção contra descargas atmosféricas (SPDA), geralmente em torno de 10 Ohm. Embora tal referência tenha sido criticada (e retirada das edições atuais) por não levar em conta o comportamento compulsivo da descarga atmosférica, ela tinha a grande vantagem de exigir que o projetista realizasse um projeto completo, com medição da resistividade do solo e cálculo da malha (veja a seguir no item 3).

Embora não conste mais da norma, criou-se um vácuo normativo, pois outras normas e procedimentos do setor exigem valores X ou Y, visto que o mesmo eletrodo de aterramento será utilizado não somente pelo SPDA, mas também pela instalação elétrica de baixa ou média tensão, aterramento de eletricidade estática, e outros. Assim, algumas concessionárias exigem os 10 Ohm para a malha da cabine primária de distribuição.

Mesmo nas últimas edições da IEC e ABNT existe um dimensionamento de eletrodo adicional dependente da resistividade do solo (veja também no item 3). Assim, embora a norma permita, na maioria dos casos, a instalação do anel de aterramento sem o cálculo prévio, faz parte de um bom projeto não somente equalizar a norma de SPDA com as demais normas e instalações, como também saber prever se a resistência da malha será de 14 Ohm ou 487 Ohm, por exemplo, o que indicaria, no caso de resistências elevadas, a necessidade de tomar outras providências para garantir o funcionamento dos demais sistemas e proteções.

Tópicos relevantes

  • Distribuição da corrente do raio

Desde o ponto de impacto, geralmente na cobertura do edifício ou estrutura, até a chegada ao solo, a distribuição da corrente é governada por alguns parâmetros, sendo os principais o ponto de impacto (se no centro ou periferia do prédio), a altura da edificação e a área desta (largura x comprimento) e a utilização explícita ou não da armadura do concreto ou estrutura metálica.

Na Figura 1, mostramos, de forma simplificada, os extremos dos principais parâmetros para estruturas equipadas com um sistema de proteção adequado:

Figura 1 – Edificações de tamanhos diversos.

As principais consequências são:

  • 2.1.1 Estrutura pequena e baixa
    O raio distribui-se de maneira quase uniforme e a consequente elevação do potencial é praticamente simétrica no entorno da estrutura.
  • 2.1.2 Estrutura de grande área, porém baixa
    Quando o raio atinge o centro da cobertura, há uma boa distribuição da corrente, porém, no caso crítico – raio no canto da estrutura, o efeito da alta frequência será bem maior, com potenciais possivelmente perigosos no entorno da descida mais próxima.
  • 2.1.3 Estrutura alta e de pequena área
    Caso seja utilizada a armadura do concreto ou estrutura metálica, ou ainda anéis horizontais de interligação, o efeito é o mesmo do caso 2.1.1; caso contrário – descidas unidas apenas na cobertura e no solo, temos uma situação intermediária entre 2.1.1 e 2.1.4.
  • 2.1.4 Estrutura alta e de grande área
    Aqui temos uma situação mista entre 2.1.2 e 2.1.3, ou seja, a distribuição da corrente do raio pode tanto ser praticamente uniforme como causar um desbalanceamento e ser maior no canto do prédio, dependendo do ponto de impacto e da distribuição.

Pode-se inferir facilmente, portanto, que a utilização explícita da ferragem da armadura do concreto armado, ou de estrutura metálica, contribui muito para a distribuição equalizada da corrente, ou seja, ao chegar ao solo, a distribuição será quase uniforme.

  • Alta x baixa frequência

No cálculo de uma malha sujeita, principalmente, a tensões de baixa frequência, por exemplo, uma subestação aberta que sofre um curto-circuito, os principais softwares do mercado [3] cumprem um ótimo papel no dimensionamento da malha para a segurança do operador da SE ou de alguém externo à instalação, ou ainda transferências de potenciais perigosos. Isso é possível porque conhecemos (normas IEEE [4] e IEC [5], entre outras) a suportabilidade do corpo humano nessas condições, ou seja, podemos comparar a tensão do choque que a pessoa vai receber com o máximo que ela pode aguentar sem atingir um valor fatal – vide Figura 2 (potencial de toque em 3D) e Figura 3 (potencial de toque em 2D), com indicação clara do limite suportável (linha vermelha horizontal).

Figura 2 – Potenciais de toque de uma malha de SE em baixa frequência.
Figura 3 – Visão em 2D mostrando o potencial admissível (linha vermelha).

Para alta frequência, como uma descarga atmosférica, embora existam alguns softwares que calculem a tensão atuante nessas condições a partir da corrente do raio e de sua forma de onda, não existem dados para a suportabilidade do corpo humano nessas condições; assim, infelizmente, não adianta ter um cálculo detalhado e correto se não temos com o que comparar.

Sequência de cálculo

  • Medição da resistividade do solo e determinação da estratificação

A resistividade do solo deve ser medida preferencialmente pelo método dos 4 pontos, arranjo de Wenner, o qual fornece o melhor equilíbrio entre precisão e alcance das medições.

  • Cálculo da resistência de aterramento

Não existem fórmulas simples para o cálculo de malhas, situação que se complica exponencialmente com o número de camadas do solo; os softwares mais precisos utilizam-se de métodos numéricos [3].

  • Cuidados na geração do relatório

É muito comum que nem todas as condições para o correto procedimento do projeto estejam disponíveis, porém o cliente insista numa solução ótima e sob total responsabilidade do projetista; para evitar problemas futuros, recomenda-se especificar toda e qualquer situação atípica que possa influir nos resultados, desde falta de espaço adequado para medição da resistividade até exigências estéticas do cliente.

Uso de software x procedimentos manuais

  • Precisão

Os procedimentos manuais (incluindo calculadoras e planilhas) são aproximações grosseiras de métodos numéricos adequados, como séries e cálculo matricial. Embora seja possível realizar a maioria dos cálculos de algumas normas como a ABNT NBR 5419 manualmente, o uso de algoritmos computacionais bem ajustados é imprescindível para um cálculo de aterramento – um outro exemplo mais visível seria o de um cálculo estrutural de um prédio ou viaduto.

Além disso, ao invés de usar tabelas e gráficos, com imprecisão de leituras e possíveis erros (ler a linha errada, etc.), um bom software utiliza-se das fórmulas que geraram essas tabelas e gráficos, com precisão mais do que suficiente para um resultado confiável.

  • Apresentação

Um bom software vai gerar não apenas resultados em forma de texto, mas, principalmente, gráficos que (além de bonitos!) vão dar ao projetista e ao cliente uma visualização muito melhor dos resultados, das outras opções consideradas (ver item 4.4) e das tendências – como, por exemplo, às vezes não adianta adicionar mais hastes, pois o solo no centro e ao redor da malha já está saturado de corrente para dispersar (veja o comportamento das curvas de resistência na Figura 5).

  • Economia e velocidade

Quando se faz um cálculo manualmente, a falta de tempo e de vontade de pesquisar novas alternativas geralmente limita a otimização do projeto: com a velocidade dos softwares, é possível calcular diversos aterramentos rapidamente e escolher o de melhor desempenho e/ou menor custo – economiza-se não comente nos materiais, mas também nas horas de engenharia.

Exemplo de um prédio comercial ou residencial

Tabela 1 – Resultados da medição da resistividade do solo pelo arranjo de Wenner
Figura 4 – Gráfico da estratificação da resistividade do solo.
Figura 5 – Resistência da malha em função do número de hastes e da profundidade destas.
Nota: os resultados variam muito de um terreno para outro e com as dimensões (largura e profundidade) da malha.

Referências

[1] – IEC 62305 – edição 2, partes 1 a 4;
[2] – ABNT NBR 5419 edição 2015, partes 1 a 4;
[3] – o software utilizado neste artigo foi o TECAT PLUS 6.5 (www.mydia.com); outros bons softwares multicamadas encontrados no mercado são o CEDEGS (SES), XGS e FlexGrid, além de softwares limitados a duas camadas de resistividade, como o CYMGRD e o ETAP;
[4] – IEEE-80;
[5] – IEC-50522.

*Carlos Moreira Leite é sócio da Volts and Bolts, engenheiro mecânico pela FEI, desenvolvedor dos softwares TecAt e Atmos e autor de 3 livros sobre aterramento e SPDA | [email protected]

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