UFV deve ou não ter um sistema de proteção contra quedas diretas de raios? Em outras palavras: é para instalar para-raios em UFV? Esta é uma pergunta recorrente, e que tem ardorosos defensores, tanto do sim como do não. Eu estou neste segundo grupo e apresento neste artigo os meus argumentos.
A Tabela B.2 da parte 2 da NBR-5419 estabelece a probabilidade de uma estrutura sofrer danos físicos por uma queda de raio, em função da classe do SPDA e do conjunto de medidas de proteção adotadas. A primeira categoria desta tabela são as estruturas não protegidas por SPDA – no meu entendimento arranjos fotovoltaicos normalmente enquadram-se nesta categoria.
Este entendimento leva a duas consequências:
- Aplica-se a Análise de Risco à Cabine de Medição, aos eletrocentros, Sala de O&M etc., mas não aos arranjos fotovoltaicos;
- Quando da queda direta de um raio em um componente dos arranjos fotovoltaicos, a probabilidade de dano é de 100%, podendo ser um dano fatal (que compromete a operacionalidade do equipamento atingido) ou latente (que vai diminuir a sua vida útil).
Podemos considerar a ideia mais simples – vamos instalar captores para interceptar os raios de modo que eles não atinjam as placas e outros equipamentos. Mas onde vamos fixar estes captores – nos arranjos fotovoltaicos, ora pois!
Será que vamos conseguir uma proteção efetiva? A meu ver, a proteção dos arranjos fotovoltaicos por meio de terminais aéreos neles fixados (hastes de aço zincado com comprimento até 0,5 m), não caracteriza um sistema de captação efetivo. Geralmente, o dimensionamento da distribuição destes elementos captores curtos é baseado no modelo eletrogeométrico. Ocorre que não se pode esperar um desempenho adequado para um captor que tem extensão da ordem de apenas 1% do raio da esfera rolante (vide Figura 2). O comportamento de um raio é um processo extremamente complexo e essencialmente estocástico, não admitindo a ilusão de que o modelo eletrogeométrico possa ter tanta exatidão.
Ainda que se pudesse atribuir esta esperada exatidão ao modelo eletrogeométrico, o uso de terminais aéreos diretamente fixados nas estruturas dos arranjos fotovoltaicos não resultaria na desejada proteção das placas. Os danos nos painéis solares na maioria das vezes têm origem nas sobretensões induzidas pelo raio nos circuitos internos das células fotovoltaicas e respectivos diodos de by-pass.
Um módulo Fv é composto por células conectadas em série com diodos de by-pass em paralelo com a string – a passagem de uma corrente impulsiva muito próxima ao módulo induz tensões nas suas malhas internas. Quando uma descarga atinge o frame do painel, a corrente do raio flui para a estrutura e desta para o sistema de aterramento, onde é descarregada no solo. Contudo, a elevada taxa de variação do fluxo magnético vai induzir sobretensões nos circuitos internos dos módulos mais próximos, e nos condutores cc ligados aos módulos. Geralmente, os diodos são os primeiros a serem danificados e, dependendo da intensidade do raio, outros componentes também o serão.
OK, então vamos evitar o uso de terminais aéreos e de mastros para-raios fixados nos arranjos fotovoltaicos e partir para a solução de fixar mastros para-raios entre as strings dos arranjos fotovoltaicos.
Como não vai dar para separar os aterramentos dos mastros para-raios e dos arranjos fotovoltaicos, eles vão acabar sendo interligados. Neste caso, além da injeção de parte da corrente do raio na estrutura do arranjo fotovoltaico, surge um novo problema – o sombreamento. As fotos mostram o ponto quente em uma placa fotovoltaica associado ao sombreamento por mastro para-raios. A formação diária de pontos quentes nas placas vai comprometer a sua vida útil a médio prazo.
Ora, o problema do sombreamento pode ser resolvido com um adequado planejamento, mas os contras precisam ser considerados:
- pode ser necessário aumentar o espaçamento entre as strings – vale a pena diminuir o W/m² em função dos raios que poderão vir a cair?
- a instalação de mastros para-raios nos corredores entre strings não vai comprometer a circulação nestes espaços e atrapalhar os trabalhos de limpeza e manutenção dos painéis, corte de mato etc.?
- a solução é efetiva, ou seja, vale a pena pagar o preço de diminuir o W/m² e atrapalhar a circulação entre as strings, em função de uma solução que não consegue garantir que vai resolver o problema das quedas diretas de raios?
Eu tenho minhas dúvidas que um raio de alta intensidade caindo em um mastro para-raios entre duas linhas de arranjos fotovoltaicos não vai induzir nenhuma sobretensão nas strings próximas. Até que ponto esta solução é efetiva e vale o custo de implantação e de manutenção deste sistema de spda? Gostaria muito de ver um estudo abordando uma UFV GD. Uma UFV de 5 MVA ocupa uma área da ordem de 140.000 m². Em um local com Ng = 7 raios/km²/ano, esta UFV vai estar exposta a uma queda direta de raio por ano. Qual é o prejuízo médio de uma queda de raios (em termos de material e de perda de geração)? Qual é o impacto de um spda no custo total de uma UFV dessas? Qual vai ser o impacto no custo da malha de aterramento (que vai ter que ser necessariamente aumentada).
Penso que antes de se partir para uma solução cara e de eficiência questionável, como é um spda para descargas diretas em uma UFV, outras providências nem sempre adotadas devem ser consideradas:
- boas práticas de instalação, com uma boa organização dos condutores cc e ca;
- utilizar DPS de boa qualidade, corretamente dimensionados e com aterramento adequado;
- interligação do eixo de torção (torque tube) em todas as estacas dos trackers (frequentemente isolados por um casquilho de plástico);
- uso de câmeras de CFTV autoalimentadas por uma placa solar dedicada (mais carregador e bateria, para a noite) e com linha de sinal de fibra ótica, que melhora significativamente a imunidade dos serviços de supervisão da UFV e auxiliares dos eletrocentros.