Edição 111 – Abril de 2015
Aula Prática: Manutenção
Por André Luis Müller da Silva, Edemir Luiz Kowalski, Dailton Pedreira Cerqueira, Guilherme Rachelle Hernaski, Isaú de Oliveira Nascimento, Kátia Cilene Falcão Xavier, Marcelo Antônio Ravaglio, Marilda Munaro, Mario José Costa Pinheiro, Mario Pinheiro, Rafael Pires Machado e Victor Salvino Borges*
Metodologias e equipamentos desenvolvidos para a substituição de condutores das redes de média tensão com técnica de linha viva.
Para se reduzir a interrupção no fornecimento de energia elétrica aos consumidores, as concessionárias utilizam na manutenção das redes de distribuição a técnica de linha viva, ou seja, manutenção com a rede energizada. As redes de distribuição de média e baixa tensão mais antigas devem passar por manutenções preventivas e corretivas, tanto em função da ampliação da carga e de consumidores como também pela necessidade de mudança dos cabos de cobre ou alumínio utilizados, que, com o passar do tempo, sofrem as ações do meio ambiente, processos de envelhecimento e degradação. A substituição destes condutores com a rede energizada é necessária devido ao elevado percentual de condutores que apresentam problemas de degradação, bem como a necessidade de tornar a rede mais eficiente para garantir a operação de seu sistema de distribuição. Com o desligamento da rede de distribuição, porém, a duração da interrupção no fornecimento de energia elétrica fica elevada, com consequente prejuízo nos índices de qualidade coletivos DEC e FEC e os individuais DIC, FIC e DMIC, além do lucro cessante na comercialização de energia elétrica no período e grande insatisfação dos consumidores afetados. Além dos casos citados, regiões industriais, em grande quantidade, em Salvador e região metropolitana, não podem ter o fornecimento de energia interrompida em função de serem consumidores especiais.
Buscando a minimização de tais problemas, a Companhia de Eletricidade da Bahia (Coelba) e o Lactec, acompanhados na sequência pela empresa Feergs iniciaram, em agosto de 2005, um projeto de pesquisa e desenvolvimento (P&D) visando a substituição de condutores nus das redes de média e baixa tensão por cabos protegidos e multiplexados, respectivamente, empregando-se técnicas de linha viva e com o diferencial de todo o serviço ser realizado com a rede energizada. O trabalho contempla o desenvolvimento de metodologia, procedimentos e equipamentos especiais para garantir a segurança das equipes de eletricistas, bem como evitar a interrupção do fornecimento de energia elétrica aos consumidores atendidos em alta e baixa tensão. Todas as ferramentas desenvolvidas foram patenteadas em 2007 e, no momento, o projeto encontra-se na fase da cadeia de inovação.
Com este trabalho, pretende-se tornar a técnica e os equipamentos desenvolvidos acessíveis às demais concessionárias de energia e serão apresentados os resultados obtidos com os testes realizados ao longo dos anos de 2012 e 2013.
Equipamentos e ferramentas utilizados
Carretilha de média tensão isolada: este equipamento foi desenvolvido e testado em condições de tensão e impulso de tensão para atender a classe de tensão de até 15 kV. Além de sua funcionalidade para realizar a passagem do cabo a ser lançado, tem papel de isolador de pino provisório. É fabricada na versão para passagem do cabo (postes intermediários) e versão para os postes de entrada e saída dos cabos. A carretilha desenvolvida pode ser visualizada na Figura 1.
Sistema de união cabo corda: este dispositivo foi projetado para garantir o aprisionamento do cabo protegido a ser lançado e acoplá-lo à corda isolada de tração. Possui uma região isolada para tensões de 15 kV de forma a manter o isolamento elétrico entre o cabo a ser lançado e a corda de tração. O sistema de mandril para aprisionar o cabo é fabricado para diferentes bitolas de condutor. O equipamento é apresentado na Figura 2.
Corda de linha viva: trata-se de corda convencional aplicada em linha viva, com ensaios dielétricos realizados segundo as normas ASTM 1701-12 e a ABNT NBR 13018. Sua utilização deve seguir as orientações convencionais para as cordas aplicadas em serviços em redes energizadas.
Sistema para lançamento de corda guia: este sistema foi desenvolvido para possibilitar que todo o trabalho de lançamento das carretilhas, corda guia e corda de tração possa ser efetuada do solo, sem a necessidade das equipes de linha viva. Trata-se de tubo confeccionado em fibra de vidro e acoplado à vara de manobra telescópica. O dispositivo permite que a corda seja lançada por dentro da carretilha sem a necessidade de sua abertura. Um peso de 300 g realiza a descida da corda guia após ela ter sido corretamente posicionada na carretilha. O detalhe do equipamento pode ser observado na Figura 3.
Ferramenta auxiliar em “V”: esta ferramenta, como pode ser vista na Figura 4, possui dois roletes que possibilitam o auxílio no lançamento de cabos em situação com impedimentos como cabos da rede de baixa tensão e média tensão, vegetação etc., servindo de apoio para a passagem do cabo. Também auxilia no lançamento da corda guia e corda de tração nas mesmas situações. É acoplada à vara de manobra telescópica.
Mufla de isolamento do cabo: este dispositivo (Figura 5) deve ser instalado na ponta do cabo que se encontra sobre o carretel, a fim de isolar sua livre extremidade. É confeccionado em material isolante para a classe de 15 kV para as diversas bitolas de cabos protegidos.
Figura 5 – Mufla para isolamento do cabo.
Sistema de tração cabo corda: o sistema de tração cabo corda foi desenvolvido para eliminar o esforço dos eletricistas no lançamento do cabo novo. O equipamento visto na Figura 6 funciona com baterias e possui autonomia para oito horas de uso. Possui sistema de recarga (110/220 V) das baterias e capacidade para tracionar 300 m a uma velocidade de 12 metros por minuto.
Figura 6 – Sistema de tração cabo corda.
Sistema isolado de liberação do cabo: o sistema de liberação de cabo foi desenvolvido para garantir o isolamento elétrico da bobina de cabo em solo, como pode ser visto na Figura 7. Possui um sistema de freios que permite controlar a velocidade de tração do cabo, a fim de manter seu lançamento contínuo sem formação de catenárias elevadas, bem como o balanço do cabo.
Figura 7 – Sistema isolado de liberação do cabo.
Métodos
Para a substituição de condutores energizados da rede de distribuição de média tensão, propôs-se uma metodologia de trabalho específica. Os procedimentos convencionais de trabalho em linha viva adotados em cada concessionária ou por suas empreiteiras, entretanto, devem ser mantidos, uma vez que o procedimento apresentado refere-se apenas ao lançamento e à instalação dos novos condutores, utilizando técnicas de linha viva. Os procedimentos iniciais a serem seguidos são:
a. Inspeção prévia das estruturas em que se fará a manutenção em linha viva, verificando se elas possuem condições de trabalho e se possibilitam o recebimento de carga adicional. Também deve ser avaliada a firmeza dos postes de distribuição, pois os condutores antigos de cobre podem se encontrar em estado mecânico comprometido, podendo romper durante o serviço. Se houver viabilidade na aplicação da tarefa deve-se passar à etapa seguinte, que se refere ao trabalho propriamente dito de manutenção em rede energizada. Qualquer alteração na rede deverá ser realizada previamente;
b. A seguir, realiza-se o isolamento e a sinalização completa da área na qual será realizado o serviço. Não deve ser permitida a passagem de transeuntes pela área de isolamento durante toda a atividade;
c. Prepara-se o ferramental a ser usado na execução da tarefa. Determina-se o sentido de lançamento do cabo, pois este definirá o melhor posicionamento das carretilhas. As carretilhas podem ser instaladas de três formas diferentes a serem definidas em função da disponibilidade de equipes e rapidez com que se deseja executar a atividade, sendo elas:
c.1) Lançamento das carretilhas do solo: com vara de manobra telescópica encaixa-se o parafuso de aperto da carretilha no engate da vara de manobra e eleva-se a carretilha até a cruzeta encaixando-a nesta. Após posicioná-la corretamente entre os isoladores de pino, realiza-se o seu aperto. A Figura 8 mostra o método.
Figura 8 – Carretilha sendo instalada na cruzeta a partir do solo por meio de vara de manobra telescópica.
c.2) Lançamento das carretilhas com escada: com o bastão pega-tudo (3,60 m), encaixa-se o parafuso de aperto da carretilha no engate do bastão e eleva-se a carretilha até a cruzeta encaixando-a nesta. Após posicioná-la corretamente entre os isoladores de pino, realiza-se o seu aperto.
Figura 9 – Carretilha sendo instalada na cruzeta com bastão pega-tudo.
c.3) Lançamento das carretilhas com cesto aéreo: neste caso o eletricista em cesto aéreo isolado, seguindo todos os procedimentos de linha viva instala diretamente a carretilha na cruzeta, posicionando-a corretamente entre os isoladores de pino e realizando seu aperto.
Figura 10 – Carretilha sendo instalada na cruzeta com utilização do cesto aéreo isolado.
Do solo, com o dispositivo de lançamento de corda-guia isolada acoplado à vara de manobra telescópica, é lançada sobre as carretilhas a corda-guia. Esta será utilizada para tracionar a corda isolante que, por sua vez, tracionará os novos condutores. Deve-se assegurar que a corda-guia esteja por cima de todos os ramais de alimentação de consumidores, cabos telefônicos, árvores, etc.
Amarra-se a corda guia à corda de tração e a lança, por meio do tracionamento da corda guia, passando-a por todas as carretilhas até chegar ao ponto em que se encontra o cabo a ser lançado.
Efetua-se o acoplamento entre a corda isolante de tração e o novo condutor. Caso haja necessidade de lançar outro condutor sem reposicionamento das carretilhas, pode-se acoplar uma nova corda-guia junto com o cabo. Esta nova corda-guia deverá ser liberada vão a vão da carretilha isolada.
Na bobina do novo condutor, protege-se sua extremidade interna com a mufla terminal. Deve-se assegurar que a bobina do novo condutor esteja adequadamente protegida.
O conjunto corda-guia, corda isolante e o novo cabo deverá ser tracionado a cada vão (entre dois postes), de modo a evitar descarrilamento e vibração excessiva das estruturas. Assim, é facilitada a execução da tarefa e aumenta-se o nível de segurança. Deve-se controlar a liberação do cabo para evitar seu contato com o solo, sincronizando-o ao procedimento de tração. O eletricista deverá utilizar luvas isolantes de classe 2 e deve controlar a liberação do cabo posicionado sobre uma banqueta ou lençol isolante (classe 3). Abaixo da bobina, deve-se instalar um lençol isolante de classe 4.
Faz-se o encabeçamento do condutor lançado que chegou à última estrutura, de acordo com os procedimentos convencionais de linha viva. Na outra extremidade, traciona-se o novo condutor, rebobinando o excedente e realiza-se o seu encabeçamento na estrutura terminal.
Depois é efetuada a ligação em paralelo (jumper) do novo cabo lançado ao condutor antigo
de mesma fase, em uma das estruturas terminais.
Transferem-se os ramais de alimentação de consumidores de alta tensão e de transformadores de distribuição para o novo condutor de média tensão.
Cortam-se as extremidades do cabo antigo, desenergizando-o, e retira-o dos isoladores de pino e das estruturas em manutenção, respeitando procedimentos convencionais padronizados para esta tarefa.
Além disso, retira-se o novo condutor das carretilhas de média tensão e o instala nos isoladores de pino, efetuando-se as amarrações necessárias.
Repete-se o procedimento para as outras fases do circuito em manutenção, quando necessário, recolhendo e armazenando todo o ferramental empregado e a sinalização de segurança.
Resultados e discussão
Entre os trabalhos serão apresentados dois que foram realizados ao longo do ano de 2012 e 2013 nas redes de distribuição da Coelba, devido a dificuldades técnicas, como o trânsito de veículos e a importância dos alimentadores para a concessionária. Na Rua Mello Moraes Filho, na cidade de Salvador, realizou-se a atividade de substituição de dois vãos de condutores de média tensão com a rede energizada do alimentador, com potência instalada de 2,24 MVA. O desligamento deste alimentador afetaria 3.194 consumidores e possuía a particularidade de uma derivação de consumidor especial. Na Figura 11, visualiza-se uma imagem aérea do local obtida por meio do Google Mapas.
Figura 11 – À esquerda, a vista aérea do local em que foi realizada a substituição de cabos de dois vãos. À direita podem-se observar as estruturas trabalhadas.
Na Figura 12, pode-se visualizar as três estruturas trabalhadas nesta atividade, ressaltando-se a estrutura intermediária (fotografia central), da qual sai uma derivação a consumidor especial.
Figura 12 – À esquerda a estrutura 1, ao centro a estrutura 2, e à direita a estrutura 3.
Realizados todos os procedimentos iniciais da atividade, como antes descrito, inicia-se o processo de instalação das carretilhas, como pode ser observado na Figura 13.
Figura 13 – Carretilha instalada nas três estruturas.
Com as carretilhas instaladas e protegidas as partes energizadas que representassem risco, inicia-se o processo de passar a corda-guia nas carretilhas e a passagem da corda de tração. A Figura 14 mostra os eletricistas de linha viva realizando este procedimento.
Figura 14 – Passagem da corda-guia e corda de tração.
Após a corda de tração ter sido lançada, ela é unida ao cabo protegido por meio do dispositivo união cabo-corda (Figura 15).
Figura 15 – Montagem do sistema de união cabo -corda.
O próximo passo é a realização da tração da corda isolada e lançamento do novo cabo, como pode ser visto na Figura 16.
Figura 16 – Lançamento do novo cabo.
A seguir realiza-se o encabeçamento do cabo novo às estruturas (Figura 17).
Figura 17 – Procedimento de encabeçamento dos cabos novos.
Nas estruturas de passagem, são realizadas a troca dos isoladores de pino e a instalação do cabo novo, processos que podem ser observados na Figura 18.
Figura 18 – Troca do isolador de pino e transposição do cabo novo da carretilha para o isolador de pino.
Depois de realizadas todas as substituições, a ligação em paralelo entre o cabo a ser removido e o novo cabo é feita seguida da desenergização do cabo antigo e sua retirada vão a vão (Figura 19).
Figura 19 – Estabelecimento da ligação em paralelo e desenergização do cabo antigo e sua remoção vão a vão.
Todo este procedimento é realizado para cada uma das demais fases. Na Figura 20, pode-se visualizar as três fases lançadas pelo método desenvolvido, bem como o serviço concluído sem o desligamento de consumidores.
Figura 20 – À esquerda corda-guia amarrada à corda de tração e à direita união cabo-corda.
O término desta atividade foi próximo às cinco horas da tarde, tendo sido o tempo médio de tempo de troca de cada fase de uma hora e vinte minutos. Ressalta-se que todas as atividades comerciais e industriais da região que dependem do fornecimento de energia elétrica não foram interrompidas, como não houve impedimentos no trânsito local que era bastante intenso.
Outra importante atividade realizada foi a substituição dos cabos nus às margens da rodovia BA 093 entre as cidades de Camaçari e Dias D’ Ávila. Na Figura 21, visualiza-se uma imagem aérea obtida por meio do Google Mapas e uma vista da rodovia na qual foi realizado o serviço. Observa-se na Figura 22 que o circuito de média tensão é duplo e próximo às linhas de transmissão.
Figura 21 – Visão área do local onde foi realizada a substituição da rede de média tensão.
As substituições foram re
alizadas em quatro estruturas, as quais podem ser visualizadas na Figura 22.
Figura 22 – Detalhamento das estruturas em que foi realizada a substituição dos condutores.
Todo o serviço foi realizado seguindo a metodologia descrita anteriormente, mas, neste caso específico, optou-se por instalar as carretilhas com o cesto aéreo isolado e por meio de bastão pega tudo. Na Figura 23, podem-se observar as carretilhas instaladas nas quatro estruturas.
Figura 23 – Estruturas com carretilhas instaladas.
Da Figura 24 à Figura 26 podem-se observar os passos seguintes no processo de substituição dos condutores, como já detalhados na metodologia, bem como na primeira atividade realizada.
Figura 24 – Á esquerda, vista das estruturas com as carretilhas e corda de tração. À direita, observa-se o cabo sendo tracionado.
Figura 25 – Realização do encabeçamento do cabo nas estruturas de entrada e saída e estabelecimento da ligação em paralelo do cabo antigo e o novo. À direita pode-se observar a corda de tração devidamente posicionada na carretilha para o lançamento da segunda fase.
Figura 26 – Lançamentos da segunda e terceira fases.
Figura 27 – Serviço concluído.
O serviço foi concluído em aproximadamente quatro horas de trabalho. Durante a realização do trabalho, não ocorreram problemas técnicos, tendo sido concluído sem a ocorrência de desligamentos.
Conclusões
Neste trabalho, foram apresentados os equipamentos e as ferramentas desenvolvidos no projeto, bem como a metodologia aplicada para a realização de substituição de redes de média tensão energizadas. Foram discutidas duas atividades realizadas na cidade de Salvador e região, tendo sido executadas com total êxito, demonstrando que os equipamentos, os procedimentos e os métodos aplicados tornam possível a realização de substituição de cabos de média tensão com a rede energizada, aplicando-se técnicas de linha viva. Atualmente, o projeto, que já realiza substituição de condutores de baixa tensão sem desligamento de consumidores, está em fase de avaliação final dos métodos, ferramentas e procedimentos para a conversão de redes convencionais em redes compactas.
Referências
- http://www.patentesonline.com.br/sistema-para-substitui-o-de-condutores-em-redes-de-m-dia-e-baixa-tens-o-em-linha-188303.html
- ASTM F1701-12. Standard Specification for Unused Rope with Special Electrical Properties
- ABNT NBR 13018. Corda para trabalho em instalação energizada – Transmissão.
*Edemir Luiz Kowalski, Guilherme Rachelle Hernaski, Marcelo Antônio Ravaglio, Marilda Munaro, Rafael Pires Machado e Victor Salvino Borges são engenheiros do Lactec.
*Dailton Pedreira Cerqueira, Isaú de Oliveira Nascimento, Kátia Cilene Falcão Xavier, Mario José Costa Pinheiro e Mario Pinheiro são engenheiros da Companhia de Eletricidade da Bahia (Coelba).