Edição 101 – Junho de 2014
Artigo: Manutenção
Por Bruno Gomes, Ricardo de Souza, José Araújo, Osvaldo Santos, Rafael dos Santos e Raniere Brito*
Estratégias de manutenção e aspectos de projeto para garantir a disponibilidade e a confiabilidade do sistema de telecomando para subestações teleassistidas.
O setor elétrico nacional tem passado por inúmeros desafios ao longo dos últimos dez anos. O novo modelo do setor, a Resolução 270/2007 da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e as regras de renovação das concessões, que culminaram em uma redução brusca de receita das maiores concessionárias de energia elétrica do país, têm exigido uma revisão de todo o processo de gestão destas empresas. O aumento da receita por concessões de novos empreendimentos só é possível por meio de concorrência em leilão. E o não cumprimento de metas de qualidade, entre as quais a disponibilidade das funções de transmissão, implicam em pesadas multas por parcela variável.
Um dos processos que passam por esta revisão é o da operação, que, com a modernização do sistema de proteção, controle e supervisão, apresenta uma tendência de operar as subestações via centros de operação, eliminando a necessidade de operadores em regime integral de turno. Para isto, entretanto, é necessário que a equipe de projetos e a equipe de manutenção adotem medidas que garantam a confiabilidade e a disponibilidade do sistema de telecomando como um todo. Os projetos e a atuação da equipe de manutenção para subestações desassistidas não podem ser iguais àqueles das instalações que possuem equipe de operação “full time”.
Embora a teleassistência de subestações tenha se iniciado assim que as instalações começaram a ser dotadas de sistemas de proteção, controle e supervisão digitais, no final da década de 1990 e início dos anos 2000, a Eletrobras Eletronorte, especificamente, a regional do Maranhão, só teve a sua primeira subestação totalmente teleassistida em maio de 2010. Esta opção é vista como única, ou seja, não se consegue mais enxergar em curto prazo a figura do operador em regime de turno, mas uma equipe de manutenção fortalecida com a absorção de mais mão de obra e com a utilização da tecnologia para garantir a supervisão da instalação.
Com este artigo, pretende-se fomentar a discussão a respeito das subestações teleassistidas, que hoje é uma realidade no setor elétrico, discutindo ações e análises de projeto que permitam de fato que as instalações sejam operadas remotamente com uma confiabilidade aceitável e apresentando pontos dos Procedimentos de Rede do Operador Nacional do Sistema (ONS), que merecem atenção e discussão pela equipe técnica do setor elétrico.
Estudo de caso – subestação São Luís III
A teleassistência de uma subestação pressupõe a utilização de recursos ininterruptos para as atividades de supervisão, comando e execução da operação remotamente, a partir de um centro de operação ou por outra instalação.
Dentro deste conceito está inserida a subestação (SE) São Luís III – SELT. Ela é localizada no município de Paço do Lumiar (MA), um dos quatro municípios da Ilha de São Luís. Possui uma linha de transmissão em 230 kV oriunda da SE São Luís II, dois transformadores 230/69 kV, 150 MVA cada e três linhas de interligação para a distribuidora local e é, atualmente, responsável pelo suprimento de 30% da energia elétrica da Grande Ilha. Na Figura 1, mostra-se a localização eletrogeográfica da instalação.
Figura 1 – Localização eletrogeográfica da SELT.
O sistema de proteção, comando e supervisão da instalação, energizada em maio de 2010, é integrado por uma rede em dupla estrela que utiliza o protocolo IEC 61850, simplificado na Figura 2.
No entanto, tal sistema não foi projetado de forma diferente de nenhuma outra instalação recente pelo fato de ser teleassistida. O padrão seguido foi exatamente o mesmo que de subestações assistidas localmente, talvez por ter sido a primeira totalmente teleassistida da Regional.
Ao longo de três anos em operação, a equipe de manutenção viu a necessidade de melhoria em uma série de fatores que podem propiciar melhoria na confiabilidade e disponibilidade da instalação, que culminou com o estudo e elaboração deste trabalho.
Figura 2 – Esquema simplificado da arquitetura de rede da SE São Luís III.
Resultados
O desenvolvimento do estudo e pesquisa das oportunidades de melhoria foi dividido entre as áreas de Supervisão, Telecomunicações, Equipamentos, Controle e Gestão de Manutenção. A seguir mostra-se o resultado da análise entre as equipes de engenharia e manutenção.
Comando e controle
Habilitação de recurso Web Monitor
Os IEDs (Intelligent Electronic Device), que utilizam o protocolo IEC 61850, possuem um recurso muito importante, principalmente para o caso de subestações teleassistidas, chamado Web Monitor. Se habilitado para tal, é possível acessar o IED remotamente por meio do seu endereço IP no browser para visualização ou comando (controle de acesso) da tela do IED tal qual do operador. Assim é possível efetuarmos comando pelo IED, tornando-se um recurso emergencial em caso de perda ou problema no sistema supervisório.
Upgrade no comput
ador da engenharia
O computador da engenharia é o principal meio de acesso remoto à rede do sistema de controle e proteção, possibilitando aquisição de log de eventos, oscilografias, alterações de ajustes, entre outros. Por isso, é fundamental que esta máquina seja a mais robusta possível, principalmente no quesito processamento, memória e qualidade da placa de rede.
Além da necessidade de melhorar a configuração, foi verificado que não há redundância na conexão do PC da engenharia à rede, fornecendo redundância neste acesso.
Substituição de conversores eletro-óticos
Nestes três anos em operação, um dos maiores problemas que provocavam falha de comunicação entre IEDs era defeito em conversores eletro-óticos. Após contato com diversos fabricantes e outras regionais da Eletrobras Eletronorte, optou-se por substituir todos estes conversores por de outro fabricante, consideravelmente mais confiável e robusto.
Informações de temperatura das salas de relés e baterias
Um parâmetro muito importante de ser monitorado, e que nem sempre é dada a devida atenção pela equipe de manutenção, é a temperatura da sala de baterias e da sala de relés. No primeiro caso, na tensão de flutuação para baterias seladas reguladas a válvula necessita estar diretamente relacionada com a temperatura ambiente.
Os equipamentos digitais de controle, proteção e supervisão precisam trabalhar em temperatura controlada de 20 ºC, aproximadamente, e temperaturas elevadas podem comprometer o funcionamento destes equipamentos.
A supervisão de temperatura, nestes casos, possibilita à equipe de operação/manutenção uma verificação remota das condições do ambiente em que estes equipamentos estão instalados.
Partida programada do gerador de emergência
Em subestações assistidas, os grupos geradores de emergência são testados semanalmente pela equipe de operação local, realizando partida em vazio durante dez minutos. Em São Luís III, entretanto, não há programação para que uma equipe vá até a subestação realizar este teste.
Por meio deste trabalho, iniciou-se uma discussão (que ainda perdura) sobre a periodicidade deste teste para subestações teleassistidas. Este teste seria feito com comando remoto no grupo gerador, sem a presença do operador. Foi verificado ainda que a unidade de controle do grupo gerador permite partida programada automaticamente de acordo com a periodicidade definida.
Supervisão
Redundância no roteamento para o COR
A distribuição da supervisão do SAGE para o COR apresenta um gargalo: existe apenas um roteador, ou seja, não há redundância. Dessa forma, foi implementado, neste plano de ação, a tarefa de aquisição de mais um roteador, garantindo a redundância necessária.
Recomposição automática
Já está em andamento uma discussão a respeito de lógicas de recomposição automática implementadas diretamente no ambiente SAGE, facilitando as ações do operador e tornando mais rápida a recomposição em caso de ocorrências.
Alimentação dos switches
Foi verificada a necessidade de separar as alimentações dos switches das duas redes. Isto é, o switch da rede 1 deve ter alimentação oriunda da barra 1 do serviço auxiliar CC, enquanto a do switch da rede 2, da barra 2. Isto garante mais confiabilidade para o sistema de supervisão.
Elétrica
Um aspecto importante verificado durante uma ocorrência foi a necessidade de garantir que sistemas considerados essenciais em subestações teleassistidas tivessem alimentação oriunda da barra de serviço auxiliar de corrente contínua.
Especificamente para o caso de São Luís III, será instalado um inversor (CC/CA) para alimentação do circuito de carregamento de molas dos disjuntores, pois, durante a ocorrência, houve falha no serviço auxiliar CA e as molas dos disjuntores não foram carregadas. Se fosse em uma subestação assistida, não haveria maiores transtornos, pois elas poderiam ser carregadas manualmente. No entanto, para subestação teleassistida, o tempo de deslocamento de alguém para realizar tal ação é muito alto.
Telecomunicações
Um ponto crítico é consenso entre as empresas que operam subestações teleassistidas: a manobra de chaves seccionadoras. Sem a confirmação visual do estado destes equipamentos é praticamente impossível continuar ou concluir uma manobra, pois apenas o estado apresentado na tela do sistema de supervisão não é garantia de sucesso na operação.
Por esta razão, a equipe de telecomunicações ficou incubida de, juntamente com a equipe de operação, estabelecer pontos relevantes de monitoramento e posterior implementação de circuito interno de monitoramento por câmeras, eliminando a necessidade de envio de um mantenedor sempre que for necessária a manobra de chaves.
Gestão da manutenção
Os engenheiros responsáveis pela gestão e definição das estratégias da manutenção, após discussão sobre necessidade de revisão dos processos hoje vigentes na empresa para o caso de subestações teleassistidas, atualizaram algumas rotinas e inspeções periódicas, como o aumento da frequência de termovisão, implementação de novas tarefas no checklist dos operadores do COR, coleta e análise periódica de logs de eventos dos IEDs pela equipe de controle e proteção.
O importante é termos em mente que as ações e rotinas para subestações teleassistidas precisam de revisão, e não podem ser as mesmas para subestações assistidas.
Procedimentos de rede
Embora a teleassistência de subestações seja um caminho a ser seguido com o objetivo de eficientizar o processo de operação e manutenção pelo melhor aproveitamento dos recursos, é preciso que os agentes do setor elétrico tenham ciência dos Procedimentos de Rede do Operador Nacional do Sistema Elétrico.
O submódulo 10.14 vigente quando da elaboração deste artigo, revisão nº 1.1 de 16/09/2010, cujo título é “Requisitos Operacionais para os Centros de Operação, Subestações e Usinas da rede de operação”, estabelece no capítulo 5 requisitos para teleassistência de subestações, os quais merecem destaque:
- Garantir que a execução remota da operação da instalação ocorra com recursos mínimos similares ao que um operador dispõe na operação local, como forma de permitir a operabilidade da instalação teleassistida, assim como a agilidade e a segurança da operação, dispondo de recursos tais como:
(1) Telecomando sobre todos os equipamentos principais da instalação;
(2) Telecomando da atuação sobre dispositivos de bloqueio de acionamento dos equipamentos de manobra;
(3) Confirmação do curso completo das chaves seccionadoras durante manobras;
- Garantir que os recursos de teleassistência não provoquem retardo na operação em tempo real em função dos recursos tecnológicos utilizados;
- Ter recursos de supervisão e comando locais, com os requisitos apropriados e disponíveis para sua operação local, a serem usados no caso de indisponibilidade ou degradação de qualquer função do sistema de teleassistência ou proteção;
- Garantir que as instalações classificadas como relevantes, de acordo com os critérios definidos no submódulo 10.1, não sofram interrupção de supervisão, controle e comando nos casos de indisponibilidade ou degradação dos recursos de teleassistência;
- Assegurar a retomada da supervisão, controle e comando da operação das instalações da rede de operação não classificadas como relevantes num tempo máximo de vinte minutos a partir da perda de sua plena condição de teleassistência.
Tais requisitos, no entanto, estão em processo de revisão, cuja atualização do Procedimento de Rede já foi minutada e encaminhada para avaliação da Aneel. Dentre as principais alterações, cabe destacar:
- As instalações estratégicas tipos E1, E2 e U3 classificadas de acordo com os critérios definidos no submódulo 23.6, independentemente de serem teleassistidas, devem ser providas de assistência local ininterrupta.
O submódulo 23.6, revisão 2.0, de 01/12/2010, não estabelece classificações por tipo conforme citado no submódulo 10.14, porém, identifica as instalações e componentes estratégicos que, para serem assim determinadas, devem possuir pelo menos um dos critérios a seguir satisfeitos:
a) desligamento intempestivo da instalação ou de parte dela é causa de interrupção significativa de carga numa região geográfica, unidade da federação, capital ou grande polo industrial, tendo como referência a escala de severidade indicada no item 6.13 do submódulo 25.3;
b) a instalação ou o componente faz parte de corredores de recomposição fluente – descritos em instruções de operação – que possam impedir ou retardar o estabelecimento de cargas em uma região geográfica, unidade da federação, capital ou grande polo industrial;
c) o desligamento intempestivo da instalação ou de parte dela é causa de instabilidade de potência, frequência ou tensão numa região geográfica (Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-Oeste); e
d) a indisponibilidade da instalação ou de parte dela é causa de restrição nas transferências energéticas e coloca em risco o atendimento de uma região geográfica, unidade da federação ou capital, ou compromete o processo de otimização energética do SIN, tendo como referência resultados de simulações computacionais.
As mudanças sugeridas pela revisão do submódulo 10.14 impactarão significativamente no modo de operar e no custo de empresas do setor elétrico que já possuem instalações teleassistidas e que se enquadram como estratégica.
Conclusão
Os desafios que o setor elétrico tem enfrentado só serão superados com a mudança de atitude e de procedimentos dos profissionais que atuam na área, utilizando a tecnologia como uma maneira para possibilitar a melhoria do serviço, a diminuição dos custos operacionais e, consequentemente, a eficientização das empresas. Se teleassistir subestações, é um caminho para isso que sejam então analisadas de forma diferente das que não possuem esta característica.
Neste trabalho procuramos exemplificar e aplicar os conceitos abordados por um estudo de caso da subestação São Luis III de 230/69 kV, 150 MVA, localizada na cidade de São Luís, descrevendo sua arquitetura de rede, os pontos identificados com baixa confiabilidade e as sugestões necessárias. Foram levantadas várias oportunidades de melhoria que, certamente, quando implementadas, elevarão o nível de confiabilidade da instalação.
A proposta de revisão dos Procedimentos de Rede do ONS, no entanto, provoca uma significativa alteração nesta filosofia, uma vez que exige presença ininterrupta de equipe em subestações estratégicas. Se por um lado, esta alteração sugere melhoria na confiabilidade do sistema elétrico, por outro provocará impacto financeiro nas empresas e, consequentemente, provocará discussão para revisão nas receitas destas.
Referências
(1) Operador Nacional do Sistema Elétrico. Submódulo 10.14 – Requisitos operacionais para os centros de operação, subestações e usinas da rede de operação. Revisão 1.1 e 2012.1. Disponível em: <http://www.ons.com.br>.
(2) Rede de Operação Norte e Nordeste – DU-CT.NNE.01 atualizado em 15 de janeiro de 2013. Disponível em: <http://www.ons.com.br>.
(3) Operador Nacional do Sistema Elétrico. Submódulo 23.06 – Critérios para identificação das instalações e componentes estratégicos do Sistema Interligado Nacional. Revisão 2.0. Disponível em: <http://www.ons.com.br>.
*Bruno Gomes Gerude é engenheiro eletricista e pós-graduado em engenharia de produção pela Faculdade Pitágoras em 2011. Trabalha na Eletrobrás Eletronorte desde 2007, atuando atualmente como Gerente da Divisão de Transmissão São Luís I.
Ricardo Cardoso de Souza é engenheiro eletricista, com mestrado na área de Telecomunicações pela Universidade Federal de Campina Grande em 2005. Trabalha na
Eletrobrás Eletronorte desde 2005 como Engenheiro de Manutenção da área de Proteção e Controle.
Raniere Vasconcelos Brito é formado em Eletrotécnica pela Escola Técnica Federal do Maranhão. Atua como técnico do SPCS (Sistema de Proteção, Controle e Supervisão) na Eletrobrás Eletronorte há 32 anos.
José Augusto Ferreira de Araújo é técnico em manutenção eletrônica. Trabalha na Eletrobrás Eletronorte há 32 anos.
Este trabalho foi originalmente apresentado durante o XXII Seminário Nacional de Produção e Transmissão de Energia Elétrica (SNPTEE), que ocorreu de 13 a 16 de outubro de 2013, em Brasília (DF).