Tipologia dos acidentes elétricos no Brasil

A não desenergização de equipamentos e a falta do prontuário de instalações elétricas nos estabelecimentos são os fatores que mais contribuem para acidentes elétricos no país

Os acidentes de trabalho são eventos não planejados que causam danos. Os impactos socioeconômicos e os custos humanos dos acidentes são elevados em todo o mundo (Rahmani et. al. 2013). O Brasil foi classificado como o quarto pior país do mundo em segurança do trabalho, ficando atrás da China, Estados Unidos e Rússia (OIT, 2013). Além de perdas intangíveis, o Brasil gasta, em média, R$ 100 bilhões por ano com indenizações e tratamentos decorrentes de acidentes de trabalho. Somente o custo gerado pelos acidentes entre trabalhadores de empresas com carteira assinada que são notificados e identificados nas estatísticas oficiais é estimado em cerca de R$ 70 bilhões (Correio Braziliense, TRT 2012).

Os acidentes de trabalho causam prejuízos a toda a sociedade, que paga seus impostos e perde investimentos em saúde preventiva, educação, segurança e lazer. Isto também quer dizer que o contribuinte acaba arcando com o prejuízo. A empresa, que muitas vezes perde mão de obra altamente especializada e vê sua imagem como corporação comprometida, constata a queda brusca na produtividade durante o período de acomodação e assimilação da ocorrência, além de assumir por força de lei os gastos diretos com hospital, medicamento, apoio psicossocial e, muitas das vezes, com reparação judicial. O governo também perde com pagamento de pensões e, como consequência, vê a efetivação de suas políticas frustradas pela alocação de verbas para pagamento de pensões e aposentadorias precoces. Contudo, nada se compara aos danos sofridos pelos trabalhadores e por suas famílias na forma de redução de renda, interrupção do emprego de familiares, gastos com acomodação no domicílio em outras localidades para tratamento, além da dor física e psicológica e do estigma do acidentado ou doente (Soares, 2008).

O trabalho com eletricidade requer um planejamento minucioso e cuidados extremos. A ativação ou operação não intencional de equipamentos durante o serviço, instalação ou manutenção pode resultar em ferimentos graves ou morte. O eletricista deve garantir que o poder esteja desligado e permaneça desligado (Baka e Uzunoglu, 2014).

Os riscos à segurança e à saúde dos trabalhadores expostos à energia elétrica são por si só muito elevados, podendo levar a lesões graves e até mesmo à morte. Em serviços com eletricidade, o trabalhador está exposto a riscos de acidentes com consequências diretas: choque e arco elétrico e com consequências indiretas – quedas, batidas, incêndio, explosões de origem elétrica, queimaduras etc.

Em um estudo realizado por Miranda et. al. 2009, do total de 1.545 internações no Hospital Municipal do Tatuapé, em São Paulo (SP), 146 (9,45%) foram por trauma elétrico, com média de 29,2 casos por ano, sendo 95% do sexo masculino. A idade de 19 a 50 anos (60,2%) foi a mais acometida e 64% ocorreram na construção civil.

Atualmente, a legislação brasileira dispõe da Norma Regulamentadora (NR) Nº 10 – Segurança em instalações e serviços em eletricidade para orientar empresas e empregados sobre como executar trabalhos com eletricidade, além de NRs para atividades mais específicas, como a Nº 18 – Condições e meio ambiente de trabalho na indústria da construção, e a Nº 12 – Segurança no trabalho em máquinas e equipamentos, entre outras.

Todas as NRs foram criadas pela Lei n.º 6.514, de 22 de dezembro de 1977, e Portaria n° 3.214, 08 de junho de 1978. Hoje, 40 anos após a criação das NRs, o Estado e a iniciativa privada ainda possuem dificuldades de estabelecer prioridades na prevenção de acidentes elétricos. O número de acidentes com trabalhos relacionados à eletricidade supera todas as outras áreas ocupacionais. E, como se não bastasse, em sua grande maioria, são acidentes fatais ou que ocasionam à vítima sequelas irreversíveis (Basseto et. al. 2016). Com o intuito de contribuir para a amenização do número de vítimas no Brasil, este trabalho tem como objetivo traçar o perfil dos acidentes elétricos ocorridos no Brasil, baseado em dados obtidos do Anuário Estatístico da Associação Brasileira de Conscientização para os Perigos da Eletricidade (Abracopel) e da Análise de Acidentes e Doenças do Trabalho do Ministério do Trabalho e Previdência Social (MTPS).

Referencial teórico

Acidente do trabalho

O artigo Nº 19 da Lei Nº 8.213/1991 define que Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

Segurança do trabalho

Segundo Peixoto (2011), a segurança do trabalho pode ser entendida como o conjunto de medidas adotadas, visando minimizar os acidentes de trabalho, doenças ocupacionais, bem como proteger a integridade e a capacidade de trabalho das pessoas envolvidas. Além disso, é praticada pela conscientização de empregadores e empregados em relação aos seus direitos e deveres. Ademais, deve ser praticada no trabalho, na rua, em casa, em todo lugar e em qualquer momento.

Risco e perigo

Segundo Sanders e McCormick (1993), risco é a probabilidade ou chance de lesão ou morte. Perigo é uma condição ou um conjunto de circunstâncias que têm o potencial de causar ou contribuir para uma lesão ou morte. Para Kolluru, (1996), risco é uma função da natureza do perigo, acessibilidade ou acesso de contato (potencial de exposição), características da população exposta (receptores), a probabilidade de ocorrência e a magnitude da exposição e das consequências.

Um perigo é um agente químico, biológico ou físico (incluindo-se a radiação eletromagnética) ou um conjunto de condições que apresentam uma fonte de risco, mas não o risco em si.

Shinar et. al. (1991) define risco como sendo um resultado medido do efeito potencial do perigo.

Perigo é a situação que contém “uma fonte de energia ou de fatores fisiológicos e de comportamento/conduta que, quando não controlados, conduzem a eventos/ocorrências prejudiciais/nocivas.

A Norma Regulamentadora Nº 10 define perigo como situação ou condição de risco com probabilidade de causar lesão física ou dano à saúde das pessoas por ausência de medidas de controle. O documento define risco como capacidade de uma grandeza com potencial para causar lesões ou danos à saúde das pessoas. Em serviços com eletricidade, o trabalhador está exposto a riscos de acidentes com consequências diretas: choque e arco elétrico e com consequências indiretas: quedas, batidas, incêndio, explosões de origem elétrica, queimaduras etc. (Lourenço e Lobão 2008).

Elementos elétricos danosos à vida

Pode-se definir choque elétrico como a perturbação de natureza e efeitos diversos que se manifesta no organismo humano quando este é percorrido por uma corrente elétrica (Kindermann, 2000). O que determina as consequências do choque é a intensidade da corrente elétrica, ou seja, o valor da corrente. O arco elétrico, também conhecido como arco voltaico, é o resultado da passagem de uma corrente elétrica pelo ar ou por outro meio isolante — como o óleo, por exemplo. Para estes casos, considera-se que o meio isolante se refere ao meio que dificulta a passagem da corrente elétrica (Tuiuti, 2016). Os arcos voltaicos são considerados as maiores e mais intensas fontes de calor que pode existir no planeta. Sua temperatura é extremamente elevada, podendo chegar até a 20.000 °C.

Com essa característica, as correntes elétricas assumem uma carga muito grande de calor durante a ocorrência de um arco elétrico. Por apresentar essas elevadas temperaturas, a principal consequência desse acontecimento é a ocorrência de queimaduras nas pessoas que estão próximas ou expostas ao arco elétrico (Tuiuti, 2016). A Tabela 1 apresenta as consequências do choque elétrico no corpo humano de acordo com a intensidade de corrente elétrica.

Tabela01-aula-pratica

Custos dos acidentes

Segundo o Chefe da Divisão de Segurança do Trabalho da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro), senhor Francesco M. G. A. F. de Cicco, para avaliação do custo dos acidentes do trabalho, em primeiro plano, é necessário controlar as perdas para o cômputo geral dos custos, dentro das organizações empresariais do país. Ele faz referência de que:

“Quando temos um acidente do trabalho, uma das primeiras medidas que os profissionais da área de segurança do trabalho devem adotar é realizar uma investigação do acidente e propor medidas para que ele não se repita. Mas, muitas vezes, esquecemo-nos de calcular o custo deste acidente, que é muito importante porque mostraremos para o empregador o custo que foi o acidente e conscientizar ele que prevenir é um meio eficiente de aumentar a produtividade e evitar perdas”.

 Custos diretos ou custos segurados: são as contribuições mensais pagas pelo empregador à

Previdência Social.

Custos indiretos ou custos não segurados: total das despesas não cobertas pelo seguro de acidente do trabalho e, em geral, não facilmente computáveis, tais como as resultantes da interrupção do trabalho, do afastamento do empregado de sua ocupação habitual, de danos causados a equipamentos e materiais, da perturbação do trabalho normal e de atividades assistenciais não seguradas.

Levantamento dos custos indiretos ou custos não segurados: para levantamento do custo não segurado devem ser levados em consideração, entre outros, os seguintes elementos:

  • Despesas com reparo ou substituição de máquina, equipamento ou material avariado;
  • Despesas com serviços assistenciais não segurados;
  • Pagamento de horas extras em decorrência do acidente;
  • Despesas jurídicas;
  • Complementação salarial ao empregado acidentado;
  • Prejuízo decorrente da queda de produção pela interrupção do funcionamento da máquina ou da operação de que estava incumbido o acidentado, ou da impressão que o acidentado causa aos companheiros de trabalho;
  • Desperdício de material ou produção fora de especificação em virtude da emoção causada pelo acidente;
  • Redução da produção pela baixa do rendimento do acidentado durante certo tempo após o regresso ao trabalho;
  • Horas de trabalho despendidas pelos supervisores e por outras pessoas:
  • Na ajuda ao acidentado;
  • Na investigação das causas do acidente;
  • Em providências para que o trabalho do acidentado continue a ser executado;
  • Na seleção e preparo de novo empregado;
  • Na assistência jurídica;
  • Na assistência médica para os socorros de urgência;
  • No transporte do acidentado.

Sem considerar as doenças do trabalho, Soares (2008) estimou em R$ 20 bilhões de reais/ano o gasto que o país tinha com acidentes de trabalho em 2008. A Tabela 2 apresenta como os gastos com acidentes se dividem.

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Acidentes elétricos no Brasil e no mundo

Nos Estados Unidos, 152 mortes relacionadas com energia elétrica foram documentadas em um programa realizado entre 1982 e 1997. Entre esses casos, 82% foram devidos à falta de desenergização, 11% devido à falha na prevenção da reenergização e 7% foram devidos à falha na verificação da desenergização (Tulonen, 2010). Na Grécia, de acordo com uma pesquisa realizada pelo Ministério do Trabalho, 429 ferimentos letais ocorreram de 2007 a 2012, 62 dos quais foram devido a choques elétricos, incêndios ou explosões. De acordo com outra pesquisa realizada em Quebec por Pineault et. al. (1994), foram registradas 63 mortes entre 1981 e 1988. Relatórios de investigação estavam disponíveis para 57 casos (90,5%). Todos ocorreram em homens, dos quais 70,2% eram menores de 35 anos e 49,1% estavam realizando tarefas relacionadas ao setor de construção. Das fatalidades, 90,2% são classificadas em duas categorias: tarefas em ambientes fechados e aquelas atribuídas a tarefas não elétricas ao ar livre. As vítimas do primeiro grupo (56,5% dos casos) foram eletrocutadas por contato direto com uma tensão < 10 kV e vítimas do segundo grupo por meio de um vetor com uma tensão de > 10 kV. Castro e Lima Júnior (2015) estudaram o perfil epidemiológico das vítimas de choque elétrico atendidas em um Centro de Tratamento de Queimados do Estado do Ceará. Em relação às vítimas, 91% foram do sexo masculino e 9% do sexo feminino. Os acidentes de trabalho foram responsáveis por 70% das internações, sendo que 64% ocorreram na construção civil. Quanto ao tipo de trauma elétrico, 78% foram por passagem de corrente elétrica e 22% por arco voltaico. Em 87% dos casos, os pacientes apresentavam queimaduras profundas de terceiro grau.

Metodologia

Dados

Neste artigo foram utilizados dados sobre acidentes elétricos no Brasil, advindos do Anuário

Estatístico da Associação Brasileira de Conscientização para os Perigos da Eletricidade (Abracopel) e da Análise de Acidentes e Doenças do Trabalho do Ministério do Trabalho e

Previdência Social (MTPS). Os dados são dos períodos de 2009 a 2013 (MTPS) e de 2013 a 2016

(Abracopel). A Figura 1 mostra o fluxograma da metodologia usada.

Aula-prática-fig1

Os dados da Abracopel demostram os acidentes elétricos por região brasileira, profissão, sexo e tipos de acidentes. Os dados do MTPS são mais específicos, mostrando a causa do acidente, idade, nível de escolaridade dos trabalhadores, itens da Norma Regulamentadora Nº 10 descumpridos, região brasileira e sexo.

Análises estatísticas

A estatística descritiva, como o próprio nome já diz, se preocupa em descrever os dados. Seu objetivo básico é o de sintetizar uma série de valores de mesma natureza, permitindo dessa forma que se tenha uma visão global da variação desses valores, organizando e descrevendo os dados de três maneiras: por meio de tabelas, de gráficos e de medidas descritivas (Magalhães e Lima, 2000).

Algumas medidas que são normalmente usadas para descrever um conjunto de dados são medidas de tendência central e medidas de variabilidade ou dispersão. Medidas de tendência central incluem média, mediana e moda. Medidas de variabilidade incluem desvio padrão, variância, o valor máximo e mínimo, obliquidade e curtose (Vieira, 2011).

Resultados e discussões

Os acidentes de origem elétrica dividem-se basicamente em três categorias: choque elétrico,

descargas atmosféricas e curtos-circuitos. Entre 4.828 acidentes registrados, 64,52% foram choques elétricos; 4,99% foram descargas atmosféricas e 30,49% foram advindos de curtos-circuitos.

A Figura 2 apresenta a distribuição gráfica dos acidentes de origem elétrica. Nota-se que os acidentes por choques elétricos ocorrem duas vezes mais que os acidentes gerados por curtos-circuitos.

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Em relação aos acidentes ocorridos por choques elétricos, de 3.115 acidentes registrados, 77,30% vieram a óbito, restando 22,70% de trabalhadores acidentados com e sem sequelas. A Figura 3 ilustra a proporcionalidade entre os acidentes com choque elétrico. Basicamente, três em cada quatro trabalhadores acidentados morrem.

Aula-prática-3

O número de mortes por choque elétrico nas regiões brasileiras distribui-se de acordo com a Figura 4. O Nordeste lidera este índice, superando inclusive, a região mais populosa do país, a região sudeste.

Aula-pratica-4

O grau de escolaridade dos trabalhadores que sofreram acidentes com choque elétrico é apresentado na Figura 5. Nota-se que os trabalhadores que tem até o Ensino Fundamental Completo –(EFC) correspondem a 38,81% dos acidentados. Os trabalhadores com Ensino Médio Completo (EMC) são responsáveis por 34,33% dos acidentes.

Aula-pratica5

Em relação à faixa etária, aproximadamente 50% dos acidentados têm até 30 anos de idade. Logo, cai para um pouco mais que a metade o número de acidentados na faixa etária de 31 a 40 anos. Percebe-se uma diminuição do número de acidentes com o aumento da faixa etária, conforme apresentado na Figura 6.

As atividades econômicas com graus de risco 3 e 4 são onde acontecem 95,52% dos acidentes elétricos. A Figura 7 apresenta a distribuição dos acidentes elétricos por grau de risco da atividade econômica.

Os acidentes registrados pelo MTPS apresentam os itens da Norma Regulamentadora Nº 10 que não foram cumpridos. A Tabela 1 apresenta estes itens. De acordo com a Tabela 1, os itens que mais causam acidentes de trabalho com eletricidade são: a falta de análise de gerenciamento de riscos; planejamento das atividades a serem executadas; a falta de profissional autorizado para supervisionar os serviços; a falta de ordem de serviços clara aos trabalhadores; a não desenergização dos setores ou equipamentos durante qualquer trabalho de reparo ou manutenção; e a falta do prontuário de instalações elétricas nos estabelecimentos. Todos os itens citados anteriormente remetem à conduta das empresas com os trabalhadores.

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Conclusões

 Após os dados analisados neste estudo, conclui-se que as maiores vítimas de acidentes com eletricidade são homens entre 21 e 30 anos, com grau de escolaridade EMC, que trabalham na região Nordeste do Brasil, com atividades de grau de risco três e sofrem choques elétricos. A cada acidente não fatal ocorrem três acidentes fatais. Conclui-se, também, que executar atividades laborais sem a análise de gerenciamento de riscos, planejamento e ordens de serviço, profissional autorizado para supervisionamento, não desenergização dos setores ou equipamentos durante as atividades e a falta do prontuário de instalações elétricas nos estabelecimentos são os fatores que mais causam acidentes elétricos no Brasil.

Assim sendo, fica clara a necessidade de profissionais de segurança e saúde no trabalho nas atividades com eletricidade. Este é o primeiro passo para diminuir os índices de mortes por choque elétrico. A análise de riscos é o fornecimento de elementos para tomadas de decisões que envolvam confiança e segurança, possibilitando assim, apresentar alternativas claras e objetivas. Através da avaliação de riscos é possível identificar os riscos e com isso gerenciá-los.

Trabalhos não planejados resultam em acidentes. O ideal é investir mais no planejamento e detalhamento das atividades a serem executadas, deixando tudo o mais claro possível aos trabalhadores, além de um programa de conscientização sobre os potenciais riscos a que estarão expostos no meio ambiente de trabalho.


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Por Joyce Nogueira e Rodrigo de Paiva*

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