Vem sendo observado nos últimos anos um crescimento muito acelerado nos investimentos em geração renovável ao redor do mundo. Os painéis solares, assim como as turbinas eólicas, vêm alterando rapidamente o perfil da matriz energética mundial de modo a torná-la mais limpa e renovável. Outra mudança importante é o papel do consumidor na geração de energia elétrica. Antes exclusivamente um consumidor de fato, recebendo energia gerada centralizada por grandes usinas termelétricas e hidrelétricas, agora temos a figura do prosumer, ou prosumidor em uma tradução literal. Este, além de consumir, também produz energia, mudando o desenho das redes elétricas e assim impactando significativamente o planejamento das distribuidoras.
Um dos grandes desafios das concessionárias é se manter eficiente em um cenário com cada vez mais incertezas no planejamento, principalmente ao considerar a intermitência das fontes renováveis cada vez mais presentes nas redes. Por mais que esse cenário ainda não seja o centro de preocupação das concessionárias de distribuição, é um assunto que certamente virá à tona com mais força nos próximos dez anos. Um dos pontos estratégicos que serão afetados é justamente a contratação do Montante de Uso do Sistema de Transmissão (MUST), que representa a potência elétrica contratada pela distribuidora em um ponto de conexão com a transmissão para atender à carga de um ou mais alimentadores.
Como a potência importada atenderá à carga líquida, diferença entre a carga real e a energia gerada naquela área, a incerteza em ambas as variáveis aumenta a incerteza de uma decisão que antes só dependia da estocasticidade do consumo na rede. E quanto maior a incerteza, maior a ineficiência em uma contratação que normalmente é feita de maneira conservadora pelas distribuidoras, muito em questão das próprias penalidades associadas aos possíveis erros desse processo. O mesmo vale para decisões acerca do aumento de capacidade dos equipamentos da rede (transformadores, cabos, equipamento de proteção), também afetadas pela intermitência das renováveis e que representam um custo altamente relevante no fluxo de caixa das concessionárias.
Enquanto as fontes renováveis vêm se consolidando como os grandes responsáveis da transformação da matriz energética mundial, outra tecnologia de enorme potencial está se viabilizando para complementar essas mudanças: o armazenamento com baterias. Por mais que a tecnologia em si seja antiga, a sua utilização cada vez maior em projetos utility-scale é uma novidade para o setor elétrico mundial. Como o preço da mesma vem sofrendo importantes reduções ano a ano e há uma necessidade cada vez maior de sua presença para reduzir os efeitos negativos associados às fontes renováveis, é uma questão de poucos anos até que sua utilização pelas empresas do setor elétrico brasileiro seja cada vez mais frequente. Baseado nessas expectativas de cenários para o futuro do Brasil que este artigo procura quantificar um dos benefícios do investimento em baterias de forma a reduzir essa grande ineficiência potencial que pode vir a ser um dos principais problemas do setor nas próximas décadas.
Inserção da geração fotovoltaica distribuída e desafios para a rede
Dentre as fontes renováveis mais presentes na matriz energética mundial, a geração fotovoltaica certamente é a que apresenta a maior variabilidade. A geração dessa fonte varia entre zero e valores próximos da sua potência máxima em questão de horas, diariamente. Portanto, os desafios para a rede relacionados à geração solar são os maiores também.
Apesar de, no Brasil, a geração fotovoltaica ser quase irrelevante em comparação com outras fontes, outros países já estão tendo que lidar com os desafios comentados anteriormente. Um deles é a necessidade elevada de entrada de potência no sistema causado pela queda rápida na geração solar ao fim do dia, o que pode causar variações na tensão e frequência do sistema. Esse impacto já é observado em estados americanos como o Havaí (1), aonde o perfil de carga foi alterado devido ao elevado número de painéis solares instalados, como mostra a Figura 1.
Além da alta variação horária da geração solar, existe também a volatilidade diária dos valores gerados. E isso afeta diretamente o planejamento das distribuidoras no caso estudado de contratação do MUST, já que esse montante deve ser equivalente à potência máxima importada do sistema de transmissão para atender a carga líquida. Para evitar penalidades, a distribuidora utilizará cenários de geração fotovoltaica reduzida em relação à média ao calcular a carga líquida, gerando uma sobrecapacidade contratada na imensa maioria dos dias. Essa alta variação é observada no gráfico da Figura 2, simulado utilizando os dados históricos de solarimetria (2) (ano de 2014) da cidade de Jaguariúna, no estado de São Paulo, para uma determinada capacidade fotovoltaica instalada.
A diferença entre os valores simulados para o dia 7 de março em relação à geração média no mês atinge quase 7000 kW nos horários de pico da geração solar, que resultará em um MUST contratado também muito superior aos valores médios de potência máxima importada do sistema de transmissão. E essa ineficiência sistêmica se tornará uma conta a mais para o consumidor pagar, em um país aonde a tarifa de energia elétrica já abriga diversas outras ineficiências do setor elétrico.
Ainda que casos como o do Havaí ou da Califórnia estejam um pouco distante da realidade brasileira, é dever tanto dos órgãos governamentais de planejamento e regulação como dos próprios agentes do setor de estudarem e se anteciparem aos possíveis problemas que poderão ocorrer no futuro. A Figura 3 mostra uma projeção realizada pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) no último Plano Nacional de Energia (PNE 2050) que aponta um crescimento exponencial da geração fotovoltaica distribuída daqui para frente, se tornando altamente relevante na década de 2030. A vantagem do Brasil é que os problemas que aparecerão futuramente já estão sendo enfrentados hoje em outros países e é justamente nas melhores práticas internacionais que o setor elétrico brasileiro deve se espelhar.
Utilização de baterias
Uma das possíveis soluções que começa a ser adotada em certos países é a instalação de baterias na rede elétrica. Essa tecnologia ainda pouco presente no Brasil devido ao elevado preço (e à falta de incentivos regulatórios) já é realidade nos Estados Unidos, onde os acréscimos anuais de potência crescerão vertiginosamente nos próximos anos segundo projeções recentes.
Além de reduzir os efeitos negativos da intermitência das fontes renováveis, há diversos outros benefícios da utilização das baterias na rede elétrica. Para citar alguns: reserva operativa, melhoria no fornecimento de energia em relação à tensão e frequência, confiabilidade, postergação de investimentos na transmissão e distribuição, utilização na ponta e entrada durante o ramp-up das termelétricas. Na cidade de Nova Iorque o armazenamento já é utilizado como forma de otimizar os investimentos na rede. O custo de aumentar a capacidade da fiação da rede subterrânea é cerca de USD 1 milhão por quarteirão, portanto, a bateria é um meio viável de postergar esses investimentos ao armazenar energia em horários de carga mais baixa para utilizá-la nos picos do sistema, o chamado time-shifting. A Figura 5 organiza os possíveis usos da tecnologia em relação à proximidade com o centro de carga.
Uma boa notícia é que os preços vêm caindo rapidamente ao longo dos anos. A indústria está aumentando sua produção, motivada tanto pelo aumento do mercado de armazenamento de energia no mundo como pelo avanço dos carros elétricos, e com isso vêm conseguindo reduzir custos. Em 2016, essa queda foi de 10% em relação ao ano anterior em alguns lugares. E a tendência é que essa curva decrescente continuará assim nos próximos anos, aumentando a viabilidade da tecnologia.
No Brasil, ainda há obstáculos para a difusão do uso do armazenamento em larga escala no setor de energia. Primeiramente, o alto custo. Um sistema de baterias de íon-lítio de alta qualidade, tecnologia de armazenamento que mais cresce no mundo em termos de investimento e cuja eficiência é consideravelmente elevada, custa hoje cerca de USD 800 mil mais o custo do inversor, cotado em R$ 1 milhão para essa utilização. É o inversor que, de acordo com a necessidade da rede, armazenará ou despachará energia para o sistema. Esse custo não considera tributos, mas pode ser muito reduzido (em relação ao imposto de importação, principalmente) por não haver produção nacional dessa tecnologia.
Outro grande obstáculo é a falta de incentivos econômicos regulados para remunerar adequadamente os serviços ancilares que a bateria poderia realizar na rede devido a sua capacidade de resposta instantânea. Um exemplo é o controle de frequência, serviço de extrema relevância em regiões com alta penetração de fontes renováveis, como o Nordeste do Brasil, onde estão presentes os maiores parques eólicos do país. A existência de um preço horário de energia também ajudaria a viabilizar investimentos nesse campo, já que armazenar (consumir) energia nos horários de preço baixo e gerar (vender) nos horários de pico é mais um modelo de negócios possível para os investidores em relação à utilização do seu sistema de baterias. Apesar disso, projeções de mercado apontam um ingresso maior dessa tecnologia no setor elétrico brasileiro a partir da década de 2030, como mostra a Figura 6.
Este artigo buscou modelar a utilização da bateria em um possível uso dentre os diversos citados: a contratação do MUST. Em um cenário de alta penetração de geração fotovoltaica distribuída em um alimentador conectado em um só ponto com o sistema de transmissão, a bateria poderia modular de forma otimizada a geração fotovoltaica, despachando a energia armazenada com uma determinada potência nos momentos de possível ultrapassagem dos montantes de uso do sistema de transmissão contratados. Isso aumentaria a eficiência na contratação e reduziria os custos totais. Esse benefício simulado no estudo de casos foi comparado ao investimento necessário para a instalação da bateria na rede de distribuição. Além dos preços, outras informações técnicas foram consideradas como a vida útil de 15 anos (varia de acordo principalmente com o número de ciclos de carga/descarga e a temperatura) e a baixa resistência interna, permitindo que a bateria armazene energia por dias com perdas pouco relevantes. Os custos com operação não são significativos enquanto a manutenção é garantida pela empresa fornecedora da bateria, portanto custos com O&M não foram incluídos no fluxo de caixa do projeto. A Tabela 1 apresenta todas as especificações consideradas na modelagem.
Contratação do MUST
A Resolução Normativa 666 da Aneel regulamenta a contratação do Montante do Uso do Sistema de Transmissão (MUST) por parte das distribuidoras, geradores e consumidores. Em relação às empresas de distribuição, estas têm como obrigação contratar um montante para cada ponto de conexão com uma rede de transmissão, que será valorado à Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST), calculado pela soma da TUST fronteira com a TUST rede básica, e pago mensalmente à transmissora. O MUST deve ser contratado anualmente para os próximos quatro anos e representa os máximos montantes anuais de demanda de potência elétrica por ponto de conexão e horário de contratação (ponta e fora ponta). Como ele é definido ex-ante, há uma grande incerteza associada a essa contratação.
De modo a aumentar a eficiência, há penalidades relacionadas à subcontratação e à sobrecontratação. Mensalmente, a máxima potência medida não deve ser superior a 110% do MUST e anualmente a máxima potência verificada não deve ser inferior a 90% do MUST. Caso o valor medido no mês seja superior a 100%, a distribuidora pagará o valor medido e não o contratado. Porém apenas acima dos 110% há a ocorrência de penalidades (montante que exceder os 110% é multado em 3 vezes o valor da TUST).
Como qualquer valor acima do MUST contratado é ônus apenas da distribuidora, enquanto os custos relacionados ao MUST definido são repassados para a tarifa, a tendência é que a concessionária aposte em uma contratação mais conservadora para evitar as possíveis penalidades, o que fará com que os consumidores daquela área de concessão paguem uma capacidade ociosa de transmissão (MUST subótimo).
Porém, há que se destacar que é de interesse da distribuidora contratar eficientemente o Montante de Uso do Sistema de Transmissão. Por mais que a empresa consiga repassar os custos para seus consumidores, ao realizar uma contratação ineficiente sua tarifa sofrerá reflexos, acarretando em problemas indiretos como um possível aumento da inadimplência ou diminuição do seu mercado consumidor (mesmo considerando uma elasticidade baixa entre preço de energia x consumo). Também existe uma questão de fluxo de caixa, já que o pagamento à transmissora é realizado mensalmente enquanto esse custo é repassado ao consumidor apenas no reajuste tarifário. Quanto maior é o MUST, maior é o impacto negativo no fluxo de caixa ao longo do ano.
O modelo de otimização desenvolvido no artigo busca minimizar o custo global de contratação, incluindo as possíveis penalidades. O objetivo é analisar os custos sistêmicos relativos a esse processo de contratação, de forma a testar se a inclusão das baterias representaria uma economia final para os consumidores enquanto considera a aversão ao risco da própria distribuidora que busca evitar a ocorrência de valores não reconhecidos na tarifa.
Modelo de otimização
O modelo foi construindo tomando como base a resolução normativa Nº666. Uma vez que o objetivo do modelo é ser uma ferramenta de análise para a viabilidade econômica do uso de uma bateria no sistema de distribuição, a MUST foi considerada como um valor único e não subdivida em permanente e flexível. Segundo a REN666 existem dois casos passíveis de penalização: a parcela de ineficiência por ultrapassagem (PIU), cobrada mensalmente e a parcela de ineficiência por sobrecontratação (PIS), cobrada anualmente. A PIU é cobrada toda vez que a demanda máxima mensal, medida, ultrapassa em 10% a demanda máxima contratada. Já a PIS é cobrada caso a demanda medida máxima do ano seja inferir em mais de 10% do que o valor da MUST contratada. Assim, as cobranças de penalidades podem ser sintetizadas nas equações abaixo, onde ????? significa demanda máxima medida no mês m, ????? significa demanda máxima medida no ano e ???? significa Montante de Uso do Sistema de Transmissão contratado.
A partir das regras de penalidades acima, pode-se propor a seguinte função objetivo para o modelo:
Contudo, como ???? e ??? foram definidos pela função Máximo, essa função objetivo torna-se não-linear. Trabalhar com um modelo não-linear envolveria enfrentar diversas complexidades computacionais que estão aquém do escopo desse trabalho. Logo os autores optaram por utilizar um artifício para linearizar as equações de ???? e ???. Para cada um dos meses ? inseriu-se na função objetivo uma variável artificial ??, interpretada como o montante de demanda ultrapassado no mês ?. Além disso, impomos as seguintes restrições no modelo:
Também de maneira análoga para linearizar a equação ??? introduz-se a variável artificial ?? na função objetivo e as seguintes restrições no modelo:
Caso a demanda medida fique entre 100% e 110%, o volume cobrado é igual ao valor consumido. Para captar esse efeito introduz-se a variável artificial ?? multiplicada pela TUST na função objetivo e as seguintes restrições:
Para o computo das 12 demandas máximas medidas mensais, ?????, o modelo deve investigar hora a hora dentro do mês onde está o valor da demanda máxima. Para esse procedimento desconta-se do consumo a energia proveniente da geração distribuída e da bateria previamente carregada. Para essa tarefa define-se a variável artificial ?? e impõem no modelo as seguintes restrições:
Onde ???ℎ significa a demanda consumida no mês ?, dia ? e hora ℎ, ???ℎ significa a energia líquida proveniente da energia distribuída utilizada no mês ?, dia ? e hora ℎ e ???ℎ significa a energia previamente armazenada na bateria utilizada no mês ?, dia ? e hora ℎ. O balanço energético que determina a energia líquida proveniente da energia distribuída é definido por:
Tendo ????ℎ, como a energia gerada no mês ?, dia ? e hora ℎ e ???ℎ como a energia armazenada no mês ?, dia ? e hora ℎ. Por fim, resta apenas determinar o balanço energético da bateria. Definindo ???ℎ como o saldo da bateria no mês ?, dia ? e hora ℎ, tem-se que:
Ou seja, o saldo atual é igual ao saldo anterior somando o que entrou na bateria e subtraindo o que saiu. Logo o montante de energia que pode ser descarregado no mês ?, dia ? e hora ℎ deve ser limitado pelo saldo da bateria:
Além disso, por questões técnicas existem limites de potência para cargas e descargas da bateria, incorporados no modelo através das seguintes equações:
O último aspecto a ser destacado na construção do modelo é a multiplicação de ambas as penalidades por um fator de aversão ao risco ??. Esse componente capta o quão o agente está disposto a evitar incorrer em uma penalidade ao longo do ano. Quanto maior o componente, mais o agente irá preferir não selecionar uma MUST que eventualmente lhe ocasionará uma necessidade de pagamento não reconhecido na tarifa. O modelo final utilizado no estudo está sintetizado a seguir. Na versão final do modelo foi contemplada a implementação da decisão de MUST ponta e fora ponta.
Estudo de caso
De modo a modelar o benefício da bateria na contratação do MUST, foram feitas análises simulando a contratação ótima do MUST, utilizando o modelo de otimização desenvolvido no artigo, com e sem a bateria. A diferença entre os resultados encontrados pelas simulações, que representam a economia em relação ao uso do sistema de transmissão, é justamente o benefício da bateria.
Para isso, foi considerada a área de concessão de uma pequena distribuidora fictícia com apenas um ponto de conexão. No caso apresentado, foi utilizado como exemplo para a busca de dados a região atendida pela CPFL Jaguari em um cenário de penetração de geração fotovoltaica distribuída relevante (algo esperado para os próximos 10, 20 anos). A otimização foi feita com base em dados de carga (MW médio) hora a hora do ano de 2016 inteiro e uma geração fotovoltaica distribuída baseada nos dados de solarimetria da cidade de Jaguariúna (2). A relação entre esses dados de entrada está ilustrada na Figura 7, que apresenta apenas uma pequena parcela do histórico utilizado como input no modelo de otimização. O valor de TUST utilizado foi de 2,97 (R$/kW.mês) tanto para ponta como para fora ponta, somatório da TUST rede básica e fronteira no ponto de conexão de Jaguariúna (TUST ciclo 2015-2016).
Na simulação, dadas as séries de carga e de geração distribuída, o modelo otimizou a utilização da bateria (carga e descarga) de modo a minimizar os custos da distribuidora advindo do uso do sistema de transmissão. No caso simulado, uma das premissas utilizadas é que a bateria apenas poderia ser carregada pela geração distribuída.
A Figura 8 exemplifica como o modelo utilizou a bateria ao longo do ano na simulação realizada. Percebe-se que ela está sendo utilizada em poucos momentos, o que já é um indício de que todo o potencial da bateria de íon-lítio não está sendo devidamente aproveitado.
A Tabela 2 apresenta os resultados encontrados nas simulações para três casos distintos simulados: sem bateria, bateria com capacidade de armazenamento de energia de 1000 kWh e bateria com capacidade de 4000 kWh.
Calculado o benefício, foi aplicado o método do fluxo de caixa descontado para comparar o investimento inicial com os benefícios (considerados constantes) ao longo de toda a vida útil da bateria. Para isso, foi utilizado um WACC de 15%, similar à taxa utilizada em outros projetos do setor elétrico com vida útil não tão longa.
A Figura 9 compara o custo total da bateria (bateria + inversor), valor negativo no fluxo de caixa no instante inicial, com os benefícios positivos durante os 15 anos de vida útil do ativo da bateria de 1000 kWh. Para a bateria de 4000 kWh, se considerarmos os custos quadruplicados como uma aproximação, o percentual do benefício em relação ao custo total da bateria é ligeiramente menor.
Os resultados apontam que o benefício na contratação do MUST ótimo, mesmo em um cenário com alta penetração de energia renovável, não é comparável com o custo total da bateria e incapaz de viabilizar o investimento na tecnologia analisada. Já que a análise considerou apenas um dentre diversos benefícios possíveis do armazenamento de energia, a redução dos custos que certamente irá ocorrer no futuro e a consideração de outros benefícios quantitativos irá diminuir a grande diferença observada no gráfico da Figura 9.
Conclusão
Os resultados mostram que o benefício do uso da bateria relacionado à contratação do MUST pela distribuidora é muito pequeno para viabilizar o investimento pela distribuidora. Porém, há diversas outras utilizações cujo benefício econômico não foi quantificado neste artigo, como o aumento da confiabilidade da rede e a melhoria na qualidade do fornecimento da energia (tensão e frequência), reduzindo o DEC e FEC das distribuidoras. As baterias também podem ser utilizadas para postergar investimentos necessários na rede para aumento de capacidade, assim como no caso de Nova Iorque citado no artigo, que podem causar um impacto relevante no fluxo de caixa das distribuidoras.
A tendência é que, no futuro, a bateria seja um importante ativo para a operação eficiente da rede, como já está acontecendo em outros países no mundo, e a utilização dela representará um ganho tanto de qualidade quanto econômico para os consumidores. Assim, a Aneel tem que estar atenta para a evolução dessa tecnologia no país. A regulação do setor deve permitir a existência de incentivos financeiros de modo que a bateria se torne um investimento atrativo para as empresas. Um exemplo é a remuneração adequada dos serviços ancilares que essa tecnologia pode fornecer. Também há a possibilidade de inclusão das baterias na base regulatória de ativos (RAB) das distribuidoras.
Iniciativas já são observadas, como o P&D estratégico 21 da Aneel, cujo objetivo é avaliar a inserção de sistemas de armazenamento de energia no setor elétrico brasileiro. A participação dos demais agentes nesta fase ainda embrionária do armazenamento no Brasil é essencial para o crescimento da tecnologia no país. Este artigo buscou contribuir analisando um dentre diversos temas que abordam a utilização das baterias na rede elétrica brasileira.
Referências bibliográficas
(1) GREENTECH MEDIA. The California Duck Curve Is Real, and Bigger Than Expected. Novembro de 2016. Disponível em https://www.greentechmedia.com/articles/read/the-california-duck-curve-is-real-and-bigger-than-expected;
(2) RENEWABLE NINJA. Dados disponíveis em https://www.renewables.ninja/;
(3) EPE. Demanda de Energia 2050. Agosto de 2014;
(4) DELLOITE. Electricity Storage: Technologies, impacts and prospects. Setembro de 2015;
(5) RENEWABLE ENERGY WORLD. The Case for Distributed Energy Storage. Julho de 2013. Disponível em: http://www.renewableenergyworld.com/articles/print/volume-16/issue-4/storage/the-case-for-distributed-energy-storage.html;
(6) BLOOMBERG NEW ENERGY FINANCE. Mercado Brasileiro de Energia Renovável: As incertezas do presente e o potencial do futuro. Junho de 2016;
(7) ANEEL. Resolução Normativa n° 666. Junho de 2016.
*Frederico Kós Botelho é engenheiro eletricista e ocupa, atualmente, a posição de consultor na Thymos Energia, sendo responsável pelas simulações de preço de energia, utilizando os modelos computacionais oficiais do setor elétrico, e pela realização de estudos regulatórios.
Raphael Dutenkefer é economista, com mestrado em engenharia de produção. Atualmente, cursa o programa de doutorado do departamento de Economia da Produção e Engenharia Financeira na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Atua como consultor na Thymos Energia.
João Carlos Mello é engenheiro eletricista, com mestrado e doutorado em engenharia elétrica. Trabalhou no Cepel e, no ano 2000, tornou-se sócio da Andrade & Canellas, onde foi intitulado CEO em 2006. Atualmente é CEO da Thymos Energia.
Renato Mendes é engenheiro com mestrado em engenharia elétrica. Trabalhou na Duke Energy, AES Eletropaulo e Brookfield Renewable Energy Partners, nas áreas de estudos energéticos, inteligência de mercado, e gestão de risco na comercialização de energia. Atualmente, é consultor sênior e sócio da Thymos Energia.