Falar em veículos elétricos em meio a crise energética que o Brasil enfrenta pode parecer um paradoxo. A primeira pergunta é: como podemos, em meio a tudo isso, pensar na troca de veículos a combustão por elétricos? A resposta não é simples, mas pode ser resumida em uma única palavra: planejamento. Vale dizer que o impacto dos veículos elétricos no consumo nacional é muito pequeno e os dados não me deixam mentir. De acordo com estudos realizados pela ANFAVEA, em 2035 teremos 62% dos veículos brasileiros elétricos, e que consumirão apenas 1,5% do volume nacional de energia.
Isso significa que os carros elétricos não são um problema para o sistema energético brasileiro. Acontece que, como especialista na área, afirmo que ao menos 15% de toda a energia elétrica consumida no país é desperdiçada (seja em equipamentos obsoletos, seja em processos produtivos equivocados). Isso representa a cada ano, dez vezes mais do que os veículos elétricos vão consumir. E o Plano Nacional de Eficiência Energética (PNEf) continua andando devagar, o que faz o Brasil andar na contramão do resto do mundo.
O cenário atual é que os países industrializados e, portanto, as montadoras globais, já definiram a data que cada uma fará esta transição e o fato é que o Brasil não pode transformar essa oportunidade em uma grande derrota, pois neste momento estas oportunidades de mercado são infinitas. O outro ponto é que se não nos alinharmos com o pensamento mundial, as montadoras irão embora do país e a grande indústria de autopeças ligada a ela, vai falir!
O problema pode começar a ser resolvido com atuação em duas frentes. Por um lado, temos que melhorar tudo o que está ligado aos biocombustíveis e, em paralelo, montar um plano consistente e estruturado para os veículos elétricos no país. Com as grandes reservas que temos de lítio, manganês, níquel e grafite, temos que realizar acordos com os grandes centros mundiais de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e assim estarmos juntos na evolução das baterias para estes veículos elétricos. Pensarmos em não exportar commodities e sim produto industrializado, com maior valor agregado.
E aqui voltamos na parte de planejamento. Todo esse trajeto não será percorrido do dia para a noite. Para fazer as coisas direito, temos que nos reunir, pensar, trabalhar e é para ontem. A produção automobilística não está nas nossas mãos, então é hora de olharmos para o mercado e entendermos como podemos entrar bem neste mercado.
Não há motivos para ter receio ao incentivar o uso de carros elétricos, pois reforço que eles representam baixíssimo consumo dentro da nossa matriz energética e com uma vantagem enorme de economia para o bolso do consumidor pelo custo do quilômetro rodado. Aliás, a grande diferença entre a crise energética atual e a ocorrida no governo Dilma, é que naquela época, apesar da enorme redução da capacidade hídrica dos reservatórios das usinas hidrelétricas, não havia outras fontes de geração de energia como agora.
O grande aumento da geração renovável (principalmente eólica e fotovoltaica), além da inserção das termelétricas, permite um “conforto” com relação a possíveis apagões. Porém, o preço a se pagar é uma tarifa absurdamente alta. Por isso, é preciso atuar na redução do consumo voluntário de energia e redução do desperdício por meio de programas fortes de curto, médio e longo prazo ou até criar imediatamente os leilões de eficiência energética.
Além disso, é fundamental montar os alicerces para a vinda dos veículos elétricos, aumentar o número de eletropostos, reduzir a carga tributária (principalmente federal) e criar um plano estruturado e duradouro. Não é loucura, a crise energética é o melhor momento para pensarmos e trazermos os holofotes para os veículos elétricos!
*Rodrigo Aguiar é sócio-fundador da Elev. Profissional com mais de 25 anos na área de Eficiência Energética, Rodrigo implantou mais de 1500 projetos em todo país nos setores industrial, comercial, serviços e público. Em seu currículo tem passagens em entidades como PNUD, IFC, BID e GIZ, todos como consultor em estudos sobre o mercado elétrico, além de ter estado à frente de posições como diretor do departamento de energia da DEINFRA da FIESP – Federação das Indústrias de São Paulo e Diretor Comercial da AGES Consultoria, além de presidente da ABESCO – Associação Brasileira das Empresas de Conservação de Energia.